Quando o mar assusta e a baía vira zona de conforto

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Estadual de va'a
Super estrutura do campeonato estadual de Va’a do RJ, realizado fim de semana em Niterói. Foto: Crispiane Barcelos

Nos últimos anos, algo estranho vem acontecendo no cenário do va’a no Rio de Janeiro. O esporte que nasceu no mar, em meio a ondas, vento e correnteza, está virando um esporte de lagoa e baías protegidas.

E olha, ninguém aqui é inconsequente — segurança sempre vem em primeiro lugar. Mas não dá pra fingir que o va’a é um esporte de águas calmas. Ele nasceu no mar bravo, nas travessias longas, nas condições adversas. É isso que o torna o que ele é: um esporte de conexão, respeito e desafio.

No Havaí, onde tudo começou, dar huli numa canoa durante uma prova não é motivo de vergonha, faz parte do jogo. O que importa não é evitar o mar, mas saber encarar com muita técnica. É ter estrutura de segurança, barco de apoio, plano de resgate eficiente e uma equipe preparada pra agir rápido se algo der errado. Isso é maturidade esportiva. O resto é medo disfarçado de precaução.

Agora, ver a principal competição de va’a do estado mudar o percurso por causa de uma leve brisa no sábado… aí já é demais. É um desrespeito à essência do esporte.

Estamos criando uma geração de remadores de lagoa, que nunca sentiram uma ondulação de verdade, que nunca precisaram confiar no time pra estabilizar uma canoa em mar mexido. E o pior: estamos achando isso normal.

Enquanto isso, os vídeos do Havaí mostram downwinds alucinantes, remadores dançando com o oceano, vivendo o va’a como ele deve ser vivido. E aqui, o que temos? Competições dentro de baías superprotegidas, ou em lagoas assoreadas onde a canoa fica encalhada antes mesmo de cruzar a linha de chegada.

Nada contra Saquarema! O lugar é lindo, tem história, tem vibe, mas transformar o Estadual, a competição que, em tese, deveria ser a de mais alto nível técnico e com remadores experientes, todo ano, num evento de lagoa rasa é simbólico: estamos “afogando” o espírito do va’a.

Sim, eu entendo os bastidores: apoio da prefeitura, optar por estrutura mais simples, custo reduzido, talvez não haver transmissão ao vivo. Mas chega uma hora em que a gente precisa escolher entre o que é conveniente e o que é verdadeiro.

O va’a não nasceu pra ser um esporte domesticado. Ele nasceu pra ser desafiado pelo mar — com respeito, técnica e preparo, não com medo.

Se a gente quer que o esporte cresça, que tenha reconhecimento e que inspire, precisamos voltar às origens. Porque o mar é o verdadeiro campo de batalha. É ali que o va’a mostra quem está pronto pra remar de verdade… e quem só quer posar pra foto.

*As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Aloha Spirit Midia.

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