Lessons from Jeju: o documentário que toda mulher do mar precisa assistir
Estrelado pela havaiana Kimi Werner, Lessons from Jeju é uma viagem à intimidade das Haenyeos, as ... leia mais
Como vimos no primeiro episódio desta série, os havaianos vasculharam o oceano pacífico para encontrar alguém capaz de conduzir a Hokule’a do Havaí ao Taiti, tal qual fizeram seus ancestrais.
A busca os levou à pequena ilha de Satawal, na Micronésia, onde foram pedir a ajuda do mestre navegador Pius “Mau” Piailug.
A princípio incrédulo diante do que ouvira do grupo de havaianos que o procurara, Mau foi aos poucos dando mais atenção ao pedido feito pela tripulação da Hokule’a, concluindo que a cultura polinésia poderia desaparecer se os havaianos não conseguissem realizar aquela travessia.
Porém, o fato é que a viagem que eles imaginaram do Havaí ao Taiti seria desafiadora até mesmo para alguém com um vasto conhecimento como o mestre micronésio, que, no entanto, se mostrava confiante para realizar o feito: “Se tenho coragem é porque tenho fé no conhecimento de meus ancestrais”, disse ele, embora não existam relatos e nem canções sobre uma eventual viagem de seus antepassados para o Havaí ou para o Taiti. Contudo, Mau também era conhecido por adorar um desafio.
Guiar uma canoa havaiana como a Hokule’a até o Taiti foi um ato ousado, não apenas por ser um teste de navegação e habilidade marítima, mas porque colocou Mau em desacordo com seu próprio povo. Grande parte do conhecimento que ele transmitiu aos havaianos deveria ser compartilhado apenas com escolhidos entre os nativos de Satawal. Mas diante da situação, Mau compreendeu que seus ensinamentos de navegação precisavam ser compartilhados, afinal, o que estava em jogo agora era um chamado maior do que mantê-lo apenas entre seu povo.
Assim, no histórico ano de 1976, Pius “Mau” Piailug guiou a Hokule’a em sua jornada de um mês da ilha de Maui, no Havaí, à ilha do Taiti, na Polinésia Francesa. Quase sempre sentado no mesmo lugar na canoa, visando uma imagem da ilha que guardava em sua cabeça. Ele parecia nunca dormir, processando uma infinidade de dados – não apenas a localização das estrelas, mas, também, o movimento do sol e das nuvens, vento e ondas, peixes e pássaros.
Duas mil milhas depois de deixar Maui, ele observou um voo de andorinhas-do-mar passando sobre a Hokule’a em direção a uma ilha invisível. No dia seguinte, o Atol Mataiva foi avistado, deixando claro que os navegadores estavam no curso certo. Quando chegaram ao Taiti, alguns dias depois, 17.000 pessoas – metade da população da ilha – os receberam na praia.
A viagem enviou uma onda de orgulho pelo Pacífico, silenciando críticos e incrédulos. Foi a partir desse evento que a cultura polinésia ganhou o fôlego que precisava para se fortalecer e se revitalizar, sobretudo em relação à extraordinária capacidade de navegação e eficiência das canoas polinésias.
No entanto, em meio a toda aquela euforia e homenagens merecidamente recebidas, o comportamento de Mau destoava dos demais tripulantes. O mestre navegador não esboçava muita alegria com a conquista.
Os motivos foram entendidos mais tarde. Durante a viagem, houve um racha na tripulação, dividida entre antropólogos e pesquisadores, que viam a travessia como uma espécie de experimento científico, e entusiastas da cultura havaiana, que a consideravam mais como uma aventura e uma experiência cultural. As discordâncias entre ambos os grupos foi se escalando ao longo da viagem. Consequentemente, ordens de disciplina eram constantemente ignoradas e até que uma agressão física entre a tripulação ocorreu.
Mau ficou muito desapontado com o comportamento dos Havaianos, mas cumpriu a missão de guiar a Hokule’a até seu destino. E enquanto as comemorações continuavam no Taiti, ele discretamente saiu de cena e gravou instruções sobre como navegar de volta ao Havaí, voltando, sozinho, para Satawal, jurando nunca mais viajar com havaianos.
Assim, a Hokule’a voltou ao Havaí sem o mestre navegador e com a tripulação obrigada a usar instrumentos modernos para chegar ao destino.
Apesar disso, os membros da Polynesian Voyaging Society se sentiram confiantes o bastante para prosseguir com as viagens da canoa ancestral sem a presença de Mau para guia-los.
Uma nova viagem ao Taiti foi então programada, mas as consequências seriam trágicas. Em 1978 a Hokule’a estava pronta para mais uma travessia do Havaí ao Taiti, apesar das condições do tempo não estarem muito favoráveis.
A Hokule’a partiu de Honolulu com ventos de 30 nós enquanto uma ondulação de nordeste de 8 a 10 pés afunilava e ganhava intensidade ao longo do traiçoeiro Canal Kaiwi, entre as ilhas de Oahu e Molokai.
A canoa já havia navegado nessas condições antes, mas agora estava excessivamente carregada com água fresca e provisões. O vento soprava incessantemente e casco a sotavento foi sendo empurrado para baixo da linha d’água. O movimento fez com que a Hokule’a fosse ganhando involuntariamente cada vez mais lastro de um só lado, até tombar completamente logo após o pôr do sol.
Muito assustados, os 16 tripulantes passaram a noite apoiados sobre os cascos virados. Sem rádio funcionando a bordo, ninguém sabia que a Hokule’a estava naufragando a apenas 12 milhas da costa.
Na manhã seguinte, um dos tripulantes, Eddie Aikau, avisou que iria buscar ajuda. Se havia alguém capaz de executar essa missão, seria ele.
Aikau era uma lenda no mundo do surfe, um arquetípico do water man havaiano que em 10 anos atuando como guarda-vidas na costa norte de Oahu, participara de cerca de 500 resgates.
Havaiano ‘puro sangue’, ele conhecia como poucos a força do mar e das correntes havaianas. Todos estavam cientes do quão arriscada seria a missão, mas a fé na capacidade de Aikau era maior do que qualquer incerteza. Além disso, em poucas horas a Hokule’a iria afundar completamente e poucos ali teriam alguma chance de sobreviver.
Com uma prancha de surfe que estava a bordo, Aikau remaria cerca de 12 milhas até Lanai para então pedir um resgate a seus companheiros. Eddie, sem exitar, lançou-se ao mar e nunca mais foi visto.
Algumas horas depois um piloto de avião avistou a canoa virada e avisou a guarda costeira, que resgatou os demais tripulantes após cerca de 24 horas à deriva. As buscas por Eddie Aikau se prolongaram por dias, porém, sem sucesso.
Uma onda de tristeza tomou conta do Havaí com o ocorrido, enquanto a Hokule’a era recuperada e reparada e, apesar do trauma, uma terceira viagem foi planejada para o início de 1980.
Nainoa Thompson, na época um jovem promissor navegador, foi escolhido para guiar a Hokule’a. Mas conforme a partida se aproximava, Nainoa se sentia cada vez mais inseguro.
Trabalhando na Universidade do Havaí, o jovem havaiano era considerado um prodígio. Sozinho, ele havia reconstruído uma bússola estelar de 32 pontas. Nainoa sabia onde as estrelas nasciam e se punham e, em teoria, como usar esse conhecimento para navegar por vastas extensões de oceano como seus ancestrais havaianos faziam.
Apesar de participar da formação da Polynesian Voyaging Society, Nainoa era muito jovem e não viajou na Hokue’a, perdendo assim a oportunidade de aprender com Mau Piailug.
O trauma causado com a morte de Aikau e a frustrada viagem de 1978 assombrava a todos e, se Nainoa não se sentia pronto, só uma pessoa poderia resolver aquilo: Mau Piailug.
Mas seria possível convencer o mestre micronésio a preparar Nainoa Thompson para a arte da navegação ancestral?
No próximo capítulo dessa série, as consequências do novo e decisivo encontro entre Mau Piailug e os havaianos. Seria Nainoa Thompson um discípulo a altura dos ensinamentos do mestre micronésio?