Mau Piailug, o homem que mudou a história da canoagem polinésia

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Mau Piailug
Detalhe de mural feito em homenagem a Mau Piailug em Cooke Street, Honolulu, Havaí, feito pelo artista Kamea Hadar. Foto: Reprodução

Os anos 1970 foram um período chave para a preservação da cultura polinésia e seus saberes. Sobretudo no Havaí, a década foi marcada por muitas revoltas de uma população nativa cansada de injustiças. Subjugados e, não raro, expulsos de suas próprias terras, os havaianos decidiram que era a hora de dar um basta a séculos de exploração indiscriminada de suas ilhas, dando início a um processo de resgate de sua cultura no período que ficou conhecido como “Renascimento Havaiano”.

O movimento combatia de frente o processo entendido como “neocolonização” que se repetia no Havaí e em todas as ilhas do Triângulo Polinésio, afinal, nenhuma cultura pode sobreviver sem seus símbolos sagrados.

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Desacreditados, os polinésios eram vistos como um povo atrasado, portadores de uma cultura primitiva, cuja existência estava fadada a desaparecer. O passado heroico, as grandes navegações e descoberta de ilhas distantes, rememorado em canções passadas de geração a geração, era visto com descrença; como uma alusão folclórica.

Aos olhos do mundo, os polinésios seriam incapazes de realizar tais feitos, suas canoas não eram boas o suficiente para navegações tão longas e a ocupação das ilhas do Pacífico acontecera por acaso.

Tal linha de pensamento era defendida, inclusive, no campo acadêmico. Um livro chamado “Ancient Voyagers in the Pacific”, de autoria do historiador neozelandês Andrew Sharp, defendia a ideia de que as ilhas da Polinésia haviam sido ocupadas por sobreviventes de naufrágios e não por conta da capacidade de navegação dos polinésios.

Mau Piailug
Os anos 1970 foram marcados por uma série de protestos no Havaí que deram origem ao movimento conhecido como “Renascimento Havaiano”. Foto: Reprodução

Obviamente essa descrença ofendia profundamente as populações nativas, gerando um senso de urgência para a criação de movimentos em defesa da cultura polinésia que deram forma ao Renascimento Havaiano.

Dessa forma, um grupo de visionários formado inicialmente por Herb Kane, Ben Finney, Tommy Holmes e Nainoa Thompson, decidiu que a melhor maneira de provar que os polinésios foram, de fato, os melhores navegadores da história da humanidade, seria reconstruir uma canoa ancestral e refazer uma antiga rota de navegação que ligava o Taiti ao Havaí. Nascia a Polynesian Voyaging Society.

A canoa de casco duplo, batizada de Hokule’a, deveria navegar do Havaí ao Taiti sem o auxílio de mapa, bússola ou qualquer instrumento moderno de navegação. A viagem serviria como prova viva de que os polinésios não povoaram boa parte do Pacífico acidentalmente, mas de forma consciente.

Mau Piailug
Herb Kane, figura central na fundação da Polynesian Voyaging Society, a frente de um de seus famosos quadros. Foto: Reprodução

Assim que a canoa ficou pronta, ficou claro, contudo, que faltava ao grupo um navegador capaz de guiar a embarcação pelas 2.300 milhas náuticas que separavam o Havaí do Taiti. Os pretensos viajantes vasculharam o Pacífico em busca de alguém que carregasse o conhecimento da navegação ancestral. Infelizmente, ninguém na Polinésia – uma faixa gigantesca de oceano que se estende do Havaí a Aotearoa (Nova Zelândia) e Rapa Nui (Ilha de Páscoa), com o Taiti mais ou menos no centro – possuía mais o conhecimento para guiar a canoa até o Taiti, tal qual fizeram seus antepassados.

A busca acabou por levá-los a 4.000 milhas a oeste, para a pequena ilha de Satawal, na região do Pacífico conhecida como Micronésia, e seu navegador mais habilidoso, Pius “Mau” Piailug.

Nascido em 1932, Mau foi escolhido por seu avô quando criança para se tornar um explorador tradicional. No início da década de 1950, quando Mau tinha cerca de 20 anos, ele foi iniciado como navegador “Pwo”, ou “Palu”, uma grande honra que veio com a solene responsabilidade de prover o vilarejo e preservar e manter próximo o conhecimento de orientação sobre o qual toda a comunidade confiava.

Navegação Polinésia
Mau Piailug demostra o funcionamento de um compasso estelar, ferramenta tradicional de navegação dos povos do pacífico. Foto: Steve Thomas

Satawal é uma pequena ilha, com meia milha de comprimento e uma milha de largura, e poucos recursos naturais. Seu recife não produz peixes suficientes para sustentar as pessoas que lá vivem, dessa forma, os ilhéus devem viajar além do horizonte para pescar em recifes escondidos e atóis desabitados.

Para realizarem comercio com ilhas da região – a mais próxima é Chuuk, a mais de 300 milhas de distância – precisam empreender viagens mais longas. Em canoas à vela, sem o benefício de bússola ou carta, muito menos GPS, tal viagem requer grande habilidade e conhecimento.

Algumas fontes dizem que Mau Piailug ganhou o apelido de “Mau”, que significa forte ou duro na língua Satawalese, porque estava constantemente no mar, mesmo com mau tempo. Outros dizem que o apelido também se deve a seu temperamento obstinado.

Quando Mau era jovem, as lanchas a motor chegaram à ilha e começaram a mudar fundamentalmente o papel dos navegadores. As pessoas começaram a perder o interesse pela arte ancestral da navegação.

Mau era o Palu mais jovem da Micronésia e, em 1976, parecia destinado a ser o último. Ele temia que a arte de encontrar caminhos através da observação das estrelas e da natureza morresse com ele. Foi quando os havaianos chegaram.

No próximo capítulo dessa série, você vai descobrir como foi o encontro entre os membros da Polynesian Voyaging Society com o mestre navegagor da Micronésia e os bastidores da viagem da Hokule’a, que mudou para sempre a história da Polinésia.

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ACESSE OS DEMAIS CAPÍTULOS:

PARTE II: GLÓRIA E TRISTEZA A BORDO DA HOKULE’A

CAPÍTULO FINAL: AO MESTRE COM CARINHO

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