Curta-metragem ‘Goddesses‘ homenageia a força da mulher taitiana
Curta-metragem ‘Goddesses‘, de Morgan Maassen, homenageia a força da mulher taitiana representada pelas ... leia mais
Durante séculos, os navegadores polinésios viajaram pelo Pacífico em grandes canoas a vela, usando as informações do mundo natural como guia de navegação.
Em especial, a habilidade de construir embarcações que permitiram essas conquistas, foi passada de geração em geração por líderes espirituais, especialistas e detentores de conhecimento antigo, conhecidos como “Tohungas” ou “Kahunas”.
Esses homens eram treinados para compreenderem a energia da natureza de forma a serem guiados, entre outras tarefas, na escolha da melhor árvore para se fazer uma canoa.
No entanto, até poucas décadas atrás esse conhecimento milenar estava suprimido a tal ponto que as habilidades tradicionais de construção e navegação de canoas quase se perderam para sempre.
Em decorrência da colonização europeia e uma presunção de superioridade, as façanhas dos antigos navegadores polinésios foram reduzidas a “obras do acaso”.
Na década de 1950, um funcionário público neozelandês que se tornou historiador, Andrew Sharp, defendeu a tese de que era impossível as ilhas do Pacífico terem sido colonizadas por viagens intencionais.
Sharp considerava as canoas polinésias “frágeis demais” para enfrentar longas viagens pelo oceano e, em sua visão, os antigos polinésios não teriam as habilidades necessárias para navegar até um destino pré-estabelecido. Para ele, o melhor que podiam fazer era boiar pelas correntes e esperar ter sorte de encontrar terra firme.
Décadas depois, em 1970, o debate acadêmico sobre a capacidade de navegação dos polinésios ainda gerava debates acalorados.
Até que, no Havaí, um grupo de entusiastas se cansou de embates teóricos e resolveu encerrar esse embate de forma empírica.
Ben Finney, um antropólogo, Herb Kawainui Kane, um historiador-artista, e Charles Tommy Holmes, um marinheiro, decidiram que era hora de provar que Sharp estava errado.
Eles fundaram a Polynesian Voyaging Society tendo como objetivo refazer as ancestrais viagens de migração da Polinésia.
O plano deles era construir uma canoa de casco duplo, baseada em desenhos antigos e navegar para o Taiti usando a navegação celestial, provando, assim, as habilidades de seus antepassados.
Contudo, restavam apenas cinco navegadores em todo Pacífico com o conhecimento necessário para conduzir essa canoa através dessa viagem à maneira ancestral.
Todos viviam na Mircronésia, e o mais novo deles, Pius “Mau” Piailug (na época com 41 anos de idade), habitante do minúsculo atol de coral de Satawal, com 500 habitantes, foi o encarregado ensinar-lhes a arte da navegação oceânica em canoas de casco duplo.
Com a ajuda de Piailug eles construíram a canoa que recebeu o nome de Hōkūleʻa (“Estrela da alegria”) e navegaram do Havaí até o Taiti, enterrando de uma vez por todas a tese de Andrew Sharp.
A Polynesian Voyaging Society tornou-se um marco e foi o início de um movimento pelo renascimento e reunificação da cultura polinésia entre as ilhas do Pacífico. Piailug então escolheu um sucessor para repassar seus conhecimentos: o havaiano Nainoa Thompson.
Thompson levou adiante a missão cultural da Polynesian Voyaging Society realizando uma série de viagens oceânicas com a Hōkūleʻa. Foi então que, ao viajar à Nova Zelândia, para estudar as rotas do sul do Pacífico, conheceu Hek Busby Northland, navegador e escultor de canoas igualmente empenhado no resgate da antiga tradição da construção das “Wakas”, como são chamadas as canoas em maori.
Nainoa e Hek estabeleceram uma conexão que durou uma vida inteira – e confirmaram outro destino para a Hōkūle’a. Em 7 de dezembro de 1985 – 16 dias após sua partida da Polinésia Francesa – a Hōkūle’a chegou a Aotearoa (Nova Zelândia).
Esse episódio deu forças para que Hek Busby tivesse o apoio necessário para a construção da “Te Aurere”, a primeira canoa polinésia de viagem feita na Nova Zelândia em 700 anos.
Durante a construção, Mau Piailug hospedou-se na casa de Hek por seis meses e, com a ajuda de Nainoa, ensinou as técnicas de navegação celestial a Hek e a uma tripulação que ele havia reunido.
Em 1992, a Te Aurere partiu em uma viagem muito aguardada, guiada por Mau, da Nova Zelândia ao Taiti, reestabelecendo mais uma rota polinésia ancestral. Em seguida, Hek realizaria uma série de outras viagens ganhando grande notoriedade em seu país.
Em 2019 ele foi nomeado Cavaleiro da Nova Zelândia pela primeira-ministra Jacinda Ardern e faleceu três meses depois, em maio de 2019.
Em seu funeral, foi creditado por salvar a “Tārai Waka” (tradição de construção e resgate da arte da construção das canoas) e por restaurar o caminho entre Aotearoa e as demais ilhas da Polinésia.
Contudo, Hek não estava inteiramente convencido de que havia conseguido isso. Em sua última entrevista, disse: “Mesmo assim, acho que tārai waka pode morrer”.
Dessa forma, James Eruera, que trabalhou ao lado de Hek por nove anos e o ajudou a construir diversas canoas, teve a iniciativa de reunir artesãos do Havaí, Polinésia Francesa e Nova Zelândia através de um projeto para levar adiante a tradição da construção ancestral de canoas e levá-la à atenção do público.
O resultado desse trabalho chama-se “Waka”, uma websérie em seis capítulos que conduzirá o telespectador por uma viagem através do legado polinésio na arte da construção tradicional de canoas.
Reunidos para a construção de uma canoa, desde a escolha da árvore sagrada que ganhará uma nova vida, os escultores falam sobre seu ofício, como eles se conectam com as forças da natureza, o uso das ferramentas tradicionais e modernas (como a tecnologia 3D) e as habilidades necessárias para transformar a “rākau” em “waka”.
Os seis capítulos já se encontram on-line e podem ser conferidos abaixo. Mesmo sendo narrados na língua inglesa, muito do que se vê é muito mais “sentido” do que “ouvido”.
Portanto, trata-se de um material indispensável para todos aqueles que se interessam pela cultura polinésia e sua tradição milenar na construção de canoas.