Segurança no Va’a: até quando vamos ignorar o óbvio?

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Canoa polinésia quase  Segurança no Va'a
Segurança não pode ser só uma exigência de campeonato — precisa ser parte da cultura do esporte“. Foto: Reprodução

Falar sobre segurança no Va’a nem sempre é fácil — muitas vezes parece que estamos mexendo em um vespeiro. Mas quem ama esse esporte sabe que ele exige respeito, atenção e, principalmente, responsabilidade.

Decidi escrever este artigo depois de refletir bastante sobre um tema que, apesar de essencial, costuma ser deixado de lado: a segurança nas remadas. Não venho aqui para apontar o dedo ou causar polêmica, mas para propor uma conversa franca, baseada em experiências reais e com um único objetivo — evitar que o pior aconteça.

Antes de tudo, vale dizer que também sou dono do clube Bravus Va’a e conheço bem os desafios que a segurança impõe no dia a dia. Seria hipocrisia afirmar que nunca passamos por situações difíceis — já enfrentamos, sim, incidentes que poderiam ter terminado mal. Há cerca de três anos, decidi adotar uma postura mais transparente e passamos a divulgar abertamente em nossas redes sociais os incidentes que ocorrem por aqui, em vez de varrê-los para debaixo do tapete. Acredito que mostrar o Va’a real — com seus acertos e tropeços — é, antes de tudo, uma forma honesta de expor os riscos envolvidos para quem deseja praticar o esporte. Compartilhar nossos erros e aprendizados com a comunidade deveria ser um compromisso com o coletivo e não tabu.

É fato que nosso esporte envolve riscos — isso faz parte da essência do Va’a. Entretanto, em sua maioria, são riscos mensuráveis. E por que, então, os negligenciamos tanto? Seria apenas pela vontade de se desafiar? Talvez. E sinceramente, não vejo problema algum nisso — desde que os riscos estejam claros para todos os envolvidos. O problema é que, na rotina dos clubes de canoa havaiana, isso passa longe de ser realidade.

O que me preocupa é que os procedimentos básicos de segurança seguem sendo ignorados. O exemplo mais evidente é a obrigatoriedade do uso do colete salva-vidas. Primeiro, porque nunca sabemos se aquele remador sabe nadar bem — especialmente em mar agitado. Segundo, porque não temos como prever se ele pode entrar em pânico, ter uma crise de ansiedade ou até sofrer um trauma físico ao cair da canoa. Ter o colete dentro da canoa não resolve absolutamente nada — no momento do huli, pode ser tarde demais.

O que mais assusta nessa questão é a negligência por parte de muitos gestores de clubes. Há quem diga que exige o uso do colete, mas basta uma olhada nas redes sociais de diversos “clubes tradicionais” — que deveriam dar o exemplo — para ver que, na prática, a maioria está remando sem ele. E ouso afirmar: ninguém guarda colete debaixo do banco. Por outro lado, as entidades máximas do esporte, como as Federações e a Confederação, até exigem o uso dos coletes em provas oficiais, mas são completamente omissas quando se trata da rotina dos clubes no dia a dia. Segurança não pode ser só uma exigência de campeonato — precisa ser parte da cultura do esporte.

Agora, falando sobre os fabricantes de canoas havaianas OC6 — hoje espalhados por todo o Brasil — é preciso fazer uma crítica direta: a maioria jamais teve a segurança como prioridade. O foco tem sido produzir canoas mais leves ou mais baratas, voltadas exclusivamente ao desempenho em competições. E falo isso com tranquilidade, porque já tive canoas de diversos fabricantes e já passei por situações extremas com elas — inclusive huli dentro da arrebentação do Pontal do Recreio, com ondas de até 2 metros. E sabe o que vi em quase todas? Baixa flutuabilidade. Quando a canoa é desvirada, ela volta com 70% a 80% cheia de água. Em mar calmo, até dá para administrar. Mas em mar agitado ou na arrebentação, isso é fatal.

Ainda dentro da questão das OC6, vale destacar outro ponto negligenciado: a manutenção preventiva. Muitos gestores simplesmente ignoram a necessidade de revisar suas canoas com frequência. Seja na substituição ou reforma de um iako, troca dos cabos de amarração da ama, vedação ou substituição de bujões, aperto dos parafusos da wae ou na vedação entre as partes — todos esses itens são fundamentais para garantir a segurança da embarcação e de quem está nela. A realidade é dura: se hoje houvesse um checklist oficial da Federação e uma fiscalização séria, boa parte da frota de canoas do Brasil estaria fora d’água. A segurança começa na estrutura — se ela falha, todo o resto também falha.

E por fim, o fator mais imprevisível: o ser humano. O remador destemido. Aquele que chega às 5h30 da manhã com sangue nos olhos, pronto para remar, mas que às vezes esquece que, por trás da empolgação, existe uma responsabilidade compartilhada. Remar não é só sentar na canoa e remar. Segurança também é parte do treino. É papel de cada remador verificar o equipamento, cobrar o uso de colete do colega, conferir se a amarração da ama está firme, e, se possível, checar o estado da canoa antes mesmo de montá-la — porque nem sempre o gestor vai conseguir olhar tudo.

Acima de tudo, cada remador precisa lembrar que não está sozinho naquela canoa. Não dá para abusar dos próprios limites sem saber o nível de experiência de quem está ao seu lado — e muito menos como os outros vão reagir numa situação crítica.

Agora, falando do incidente com o clube Fusão Va’a, que naufragou três OC6 com 18 atletas na semana passada — sem entrar no mérito dos motivos, mas olhando por outro ângulo: será que teríamos tantas mensagens de solidariedade, minimizando o ocorrido ou até enaltecendo o espírito desafiador dos remadores, se tivesse ocorrido uma fatalidade?

Essa é a pergunta que carrego comigo — e que repito quase todos os dias aos meus instrutores e lemes aqui na Bravus: na hora que der ruim de verdade, ninguém vai ficar do seu lado. Não vai ter like, nem textão bonito. Vai ter cobrança, responsabilização e, infelizmente, dor.

Por isso, a segurança não pode ser relativizada nem romantizada. Precisa ser tratada com a seriedade que exige — antes que o pior aconteça.

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