O campeonato brasileiro de va’a precisa ser reformulado

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Brasileiro de vaa
Largada do Brasileiro de V6 realizado em Niterói no último fim de semana. Grande quantidade de categorias gera demandas distintas que dificultam a implementação de ações estratégicas que vão desde o planejamento à divulgação da modalidade. Pedro Botafogo/@marefotoesportiva

Qual é a primeira coisa que vem a sua mente quando o nome de Gustavo Kuerten é citado? Posso presumir que pensou em tênis, acertei?

Quando Kuerten emergiu no cenário internacional do tênis no final da década de 1990, o esporte era pouco difundido no Brasil e não contava com uma base sólida de fãs e nem de praticantes. No entanto, as vitórias marcantes do tenista conquistaram rapidamente o público brasileiro, despertando o interesse e a paixão pelo tênis.

A popularização do tênis no Brasil impulsionada por Gustavo Kuerten teve um impacto significativo no esporte como um todo. O número de praticantes aumentou consideravelmente, assim como o interesse por eventos de tênis, tanto nacionais quanto internacionais. Isso levou ao crescimento do circuito profissional e amador no país, impulsionou o mercado e ajudou muita gente a viver de um esporte antes considerado “para poucos”.

Popularidade alcançada por Gustavo Kuerten projetou o tênis brasileiro para um novo estágio em termos de popularidade. Foto: Terra

A imprensa, por sua vez, encontrou a ferramenta ideal para aproximar esse “novo esporte” do grande público e, assim, gerar mais conteúdo e interesse. Dessa forma, em um círculo virtuoso, a modalidade passou a ganhar cada vez mais espaço na mídia. Quando Guga pendurou sua raquete, a visibilidade do tênis e os negócios gerados em torno dele haviam crescido exponencialmente.

Ídolos esportivos, como Gustavo Kuerten, Gabriel Medina ou a seleção brasileira de vôlei de 1992, desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do esporte, pois inspiram, motivam e atraem um público maior. Sua influência contribui para o crescimento do número de praticantes e atrai investimentos financeiros, impulsionando o esporte em direção ao sucesso e à sustentabilidade a longo prazo.

E porque estou escrevendo sobre isso? Bem, essa introdução foi necessária para sustentar o que vou dizer a seguir, uma vez que, na minha visão, a va’a no Brasil vai na contramão dessa lógica.

Formato pouco atrativo para além do nicho

Hoje em dia o Aloha Spirit Midia é o único site de notícias do Brasil a cobrir regularmente as provas campeonato brasileiro de va’a. Sabe por que isso acontece? Porque o formato atual do campeonato brasileiro é pouco atrativo para além do público diretamente envolvido.

E por que fazemos isso? Realizamos a cobertura das provas de va’a devido à nossa linha editorial abrangente, que engloba todos os aspectos desse esporte. Essa abordagem tem sido a chave para o nosso sucesso como líderes do segmento, sendo uma referência tanto na cobertura esportiva quanto em temas como segurança e cultura. Ou seja, para nossa estratégia de negócios, funciona.

No entanto, é importante ressaltar que, também por uma questão estratégica, veículos de mídia que não têm a va’a como foco principal não dedicarão os mesmos esforços que dedicamos para apurar resultados de uma modalidade ainda tão nichada, com várias categorias, coletar depoimentos, solicitar fotos e realizar outras ações relacionadas à cobertura de uma competição, pois precisam direcionar essa força de trabalho para notícias potencialmente mais atrativas para seu público.

Shell Va'a é a campeã da Hawaiki Nui 2019
A popularidade da Shell Va’a é um exemplo de como podemos trabalhar a divulgação de nossas equipes de ponta para além de nosso nicho, mas, para isso, precisamos criar o ambiente ideal. Foto: Reprodução

Sabemos que aos olhos do mundo, a realidade do tênis é bem diferente da nossa realidade, mas citei o caso de Gustavo Kuerten por ser extremamente didático. Os taitianos, que são ponta de lança da va’a mundial, entendem muito bem essa lógica. Por isso cultuam equipes como a Shell Va’a e suas rivais ilustres como a Air Tahiti. E aqui no Brasil? O que é feito para valorizar as conquistas de equipes como a Samu, Team Mirage He’e Nalu, Vênus Va’a, além de equipes emblemáticas que permanecem na ativa como Brucutus, Mana Brasil e Rio Va’a, só para citar alguns exemplos?

Veja, o discurso de que todas as categorias merecem o mesmo destaque é nobre, mas não funciona na promoção do esporte (agora posso imaginar algumas pessoas lendo isso e dizendo: “Como assim?? Todas as categorias são importantes!”).

Calma, sem dúvida todas as categorias são importantes, e não é esse ponto, pois todos concordamos com isso, mas nenhum esporte é capaz de crescer para fora de sua bolha sem criar ídolos.

E de onde vem os ídolos do esporte? Eles vêm da alta performance, são forjados por meio de desafios extraordinários. Mas para que essa mágica aconteça, é necessário que se crie o ambiente ideal para isso. Sendo assim, entendo que a CBVA’A precisa mudar radicalmente seu modelo de negócio para a realização do campeonato brasileiro.

A primeira coisa a ser feita é a criação de uma categoria Elite, como é feito em diversos outros esportes com múltiplas categorias por idade, como surfe, triatlo, etc.

Categoria Elite Va’a

Brasileiro de vaa
Vênus Va’a e sua impressionante coleção de quatro títulos nacionais na V6. Não fosse pelo trabalho que fazemos no Aloha Spirit Midia, essa e outras histórias seriam ignoradas para além do ambiente dessas equipes. Isso precisa mudar. Foto: Venus Va’a / Arquivo pessoal

A categoria Elite seria aberta a qualquer faixa etária, dividida somente entre os gêneros masculino e feminino. Com isso, abre-se a possibilidade para que os melhores remadores compitam entre si, criando o ambiente perfeito para a criação de grandes histórias e grandes personagens. Como incentivo à base do esporte, poderia ser criada uma categoria Elite Júnior, pavimentando o caminho dos novos talentos rumo à elite.

No entanto, entendo que este campeonato, para se tornar atrativo, deve ser realizado em separado. Ou seja, teríamos um campeonato brasileiro “Elite” e um campeonato brasileiro por idades, preferencialmente sendo realizados em datas e em locais distintos.

Funcionaria assim: provas desafiadoras, com percursos mais longos, em águas abertas, seriam destinadas ao campeonato brasileiro da categoria Elite; já o campeonato brasileiro por idades, teria como palco áreas abrigadas em baías e ou represas. Essa divisão seria potencialmente capaz de resolver uma série de embates relativos a questões que envolvem segurança, percursos e estrutura de eventos, por exemplo.

Rivalidade entre Samu e Team Mirage He’e Nalu: não nos faltam boas histórias. Foto: @pbotafogo

Cada um com um apelo diferente. Enquanto as provas de Elite têm um número reduzido de competidores, mas reúnem os mais preparados, portando geram mais interesse a quem é de fora, incluindo, patrocinadores, as provas por idade reúnem uma grande quantidade de atletas e, portanto, maior receita com as inscrições. Ainda, dentro da proposta do campeonato brasileiro por idades, poderíamos acrescentar a categoria “iniciantes” ou “amadora”, para atletas e equipes recém-chegados ao esporte. Temos aqui, portanto, dois “produtos” com um belo atrativo comercial, concorda?

Dessa forma, as ações midiáticas poderiam se concentrar nas provas de elite, com transmissões ao vivo, vídeos, releases à imprensa pensados nas rivalidades entre esses personagens. É importante frisar que essa categoria tem o potencial de ser extremamente benéfica às equipes femininas, pois as largadas poderiam ser realizadas em horários diferentes, dando a possibilidade de uma cobertura midiática plural (como acontece hoje nas provas da elite mundial de surfe, o CT da WSL).

Nikiti Vaa
Feras da equipe Super Master Carioca Va’a: um campeonato por idades proporciona o ambiente ideal para as equipes de masteres brilharem. Foto: Reprodução

Já o campeonato brasileiro por idades tem os elementos necessários para criar um modelo parelho de circuito, algo que ajuda imensamente no planejamento de segurança, composição de staff e estrutura, além de trazer mais visibilidade a essas equipes. Quando às seletivas, elas poderiam ser realizadas através do campeonato brasileiro por idades.

Pensar fora da caixa da IVF

Para concluir, e aqui vai uma opinião bastante pessoal, mas vinda de quem trabalha há mais de 20 anos na área do jornalismo esportivo, se a CBVA’A quer verdadeiramente desenvolver a canoagem polinésia no Brasil, de uma forma mais ampla, ou seja, criar um ambiente que proporcione a atletas viver do esporte, mercado sustentável, atenção da mídia e grandes competições, precisa “pensar fora caixa da IVF”.

A federação internacional de va’a é uma entidade séria e bem-intencionada, portanto, merece nosso apoio e consideração, porém, em termos globais, é minúscula e com pouca representatividade política – até mesmo dentro da Va’a. Veja que havaianos e taitianos priorizam provas como Molokai Hoe, Hawaiki Nui e Te Aito, aos mundiais da IVF. Isso para não mencionar decisões estranhas que vão na contramão do desenvolvimento do esporte, como a não inclusão das OC1 em provas de mundial, por exemplo.

Atualmente a va’a no Brasil vive um dilema. A modalidade cresceu até onde seria possível crescer de forma orgânica. Daqui para frente, somente ações estratégicas por parte daqueles que regem o esporte serão capazes de levar a canoagem polinésia a outro patamar. E para isso, precisarão da ajuda de grandes personagens.

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