Viagem de havaianos ao Brasil é tema do documentário ‘Na Kama Kai – Children Of The Ocean’
Nā Kama Kai - Children Of The Ocean retrata a experiência de 40 havaianos durante viagem de intercâmbio ... leia mais
Como vimos no episódio anterior, Mau Piailug abandonou a Polynesian Voyaging Society após sua decepção com o comportamento dos havaianos durante a primeira viagem da Hokule’a ao Taiti.
Agora sem a presença do mestre navegador, a PVS tentou novamente realizar uma nova travessia pelo Pacífico, que terminou com a trágica morte de Eddie Aikau já no primeiro dia da expedição.
Porém, após tudo o que foi conquistado com a primeira viagem da Hokule’a, o legado da navegação ancestral polinésia precisava ser continuado e Nainoa Thompson foi escolhido para ser no novo mestre navegador da canoa, em uma nova travessia.
No entanto, Nainoa, ainda muito jovem e diante de tamanha responsabilidade, sentiu um enorme peso sobre seus ombros. Ficou claro que apesar de seu talento natural para a navegação ancestral, aquele diamante precisava ser melhor lapidado.
Seria vital trazer Mau Piailug de volta para a Hokule’a. Mais do que isso, era importante que o mestre navegador micronésio encontrasse em Nainoa um legítimo discípulo.
Os havaianos então saíram à procura de Mau pelo Pacífico e o encontraram em Saipan, a maior das ilhas das Marianas Setentrionais.
Nainoa então viajou até Saipan para encontrar Mau pessoalmente e convencê-lo a lhe aceitar como discípulo.
Levando-se em consideração tudo que acontecera, o havaiano até que foi bem recebido por Mau Piailug, no entanto, o mestre navegador foi evasivo diante dos anseios de Nainoa:
“Mau é um homem de poucas palavras, e tudo o que ele disse em resposta ao meu pedido de ajuda foi: ‘Veremos. Manterei você informado‘”, lembrou Nainoa.
Meses depois, Mau finalmente deu sua resposta. “Ele disse: ‘Vou treiná-lo para chegar ao Taiti porque não quero que você morra'”, disse o havaiano.
Mau soube do que acontecera com Eddie Aikau e não queria que aquilo se repetisse. Assim teve início a parceria que manteria viva as tradições da navegação ancestral do Pacífico.
Quando Nainoa passou a ser treinado por Mau e viu que o mestre usava uma bússola estelar semelhante a sua, sentiu que estava na direção certa. Mais do que isso, percebeu que os dois, mestre e discípulo, se completavam.
Nainoa tinha a matemática e ciência, enquanto Mau era o conhecimento encarnado, que se mantinha vivo através de gerações.
Porém, assim que começaram a trabalhar juntos, Nainoa pediu a Mau que o ensinasse da maneira tradicional. O mestre, no entanto, recusou. “Você pega papel e lápis”, disse Mau.
O motivo da recusa ficou claro nos dias que se seguiram aos ensinamentos. Havia muito para guardar na memória e pouco tempo. Além disso, este conhecimento estava codificado em canções e histórias na língua de Satawal, que Nainoa não entende.
Mau, então, deu suas aulas em inglês simples, porém eficaz. Nainoa tomava nota de cada palavra.
Anos depois, Nainoa exaltaria a grandeza de Mau como professor, reconhecendo que o mestre navegador teve a sabedoria de lhe ensinar da melhor forma.
O estilo de orientação de Mau combinava um profundo conhecimento do mar e dos céus com uma vida inteira de experiência prática. Um sistema holístico, onde cálculos matemáticos eram representados em estado de arte.
Mau desenhava um círculo na areia e marcava as estrelas com pedras ou conchas. As folhas das palmeiras representavam a canoa e a direção do swell. Pedaços de barbante marcavam o caminho das estrelas no céu. Os modelos faziam sentido intuitivo para Nainoa, treinado desde os tempos de escola para ler palavras, mapas e gráficos. Outras habilidades demandavam prática e vivência.
O mais difícil, para Nainoa, foi aprender a ler as ondas do oceano da maneira que Mau as lia. O mestre navegador era capaz de extrair uma série de informações através da observação do swell, desde a direção em que a canoa avançava até a aproximação de uma ilha.
Mas esse conhecimento, bastante sensitivo, era, de fato, difícil de transmitir, pois dependia em grande parte da conexão que cada pessoa tem com o mar.
Um dia, perto do final de 1979, Nainoa foi com Mau para o costão de Lanai, em Oahu. Um conhecido ponto de observação da ilha.
Lá, Mau pediu a Nainoa que apontasse na direção do Taiti. Nainoa hesitou um pouco e então apontou. Em seguida, o mestre navegador perguntou ao jovem havaiano se ele conseguia ver a ilha que estava há 2.200 milhas de distância.
Nainoa respondeu que não conseguia avistar o Taiti, mas, ao mesmo, era capaz de ver uma imagem da ilha em sua mente.
“Ótimo”, disse Mau. “Nunca perca essa imagem ou você estará perdido”.
Nainoa respondeu que não conseguia avistar o Taiti, mas, ao mesmo, era capaz de ver uma imagem da ilha em sua mente.
“Ótimo”, disse Mau. “Nunca perca essa imagem ou você estará perdido”.
Passados alguns meses, era chagada a hora do teste final. Em 1980, Nainoa guiou Hokule’a até o Taiti e voltou, usando as técnicas tradicionais de orientação ensinadas por Mau, que participou da expedição como como observador.
A travessia transcorreu sem maiores problemas e Nainoa Thompson recebeu a aprovação pela qual ansiava. Mau Piailug, por sua vez, sentiu-se aliviado por ver ali que a tradição seria mantida viva.
De 1985 a 1987, Hokule’a navegou cerca de 12.000 milhas percorrendo toda a Polinésia e convidando pessoas das ilhas visitadas para se juntar à tripulação em partes da viagem.
“Agora posso acreditar nas histórias de meus ancestrais”.
Em uma passagem noturna para a ilha de Nomuka em Tonga, um capitão profissional tonganês, chamado Sione Taupeamuhu, expressou suas dúvidas de que Nainoa pudesse encontrar a ilha sem o auxílio de instrumentos. Quando Nomuka apareceu no horizonte, ao amanhecer, Taupeamuhu disse: “Agora posso acreditar nas histórias de meus ancestrais”.
Mau, que estava a bordo da Hokule’a novamente como observador, sorriu. Era o sentimento de orgulho que aflorava e transparecia à sua maneira, discreta e imponente, ao mesmo tempo.
Graças em grande parte a Mau, Hokule’a e a Polynesian Voyaging Society provocaram uma onda de interesse pela navegação ancestral em todo o Pacífico, inspirando a construção de novas canoas de navegação em diferentes ilhas da Polinésia.
Quando a Hokule’a e duas outras canoas havaianas retornaram às águas do Taiti, em 1995, juntaram-se a elas canoas de outras ilhas. Desta vez, Nainoa foi o observador. Seus aprendizes guiaram as canoas do Havaí ao arquipélago de Tuamotu e, de lá, à ilha do Taiti.
Nesses anos, outros havaianos receberam ensinamentos de Mau Piaulig, inclusive na arte de da construção das canoas.
Mas a saúde do mestre navegador já não era a mesma. Acometido pela diabetes, Mau passou a sentir muita dificuldade para movimentar as pernas e perdeu parcialmente a visão. Debilitado, não seria mais seguro a ele participar das viagens da PVS.
Se permanecesse no Havaí, Mau teria acesso a uma boa estrutura hospitalar e pronto atendimento médico e, assim, prolongar seus anos de vida, mas o mestre desejava descansar em sua terra natal após o dever cumprido.
Pouco tempo após o retorno de Mau à Micronésia, A Polynesian Voyaging Society perdeu Clay Bertelmann, que havia se destacado como o melhor aluno de Mau na construção de canoas.
Clay estava terminando a construção de uma canoa e seu legado precisava continuar.
Dessa forma, seu irmão, Shorty Bertelmann, que também recebera os ensinamentos de Mau, propôs que a PVS terminasse a canoa para então entrega-la de presente à Mau Piailug, em Satawal.
Assim, em 2007, Shorty, acompanhado de Nainoa e outros membros proeminentes da Polynesian Voyaging Society percorreram 4.000 milhas até Satawal com o propósito de presentear Mau com a canoa na qual navegavam.
A embarcação foi batizada de “Maisu”, uma palavra Satawalesa para a fruta-pão que cai no chão durante uma tempestade e, portanto, está livre para qualquer um pegar. O nome é uma metáfora para o conhecimento de viagem que Mau compartilhou tão livremente.
Nessa visita, Mau introduziu 16 pessoas na irmandade Pwo (mestres navegadores). Os homenageados, ungidos com açafrão amarelo e adornados com colares de flores, incluíam cinco havaianos, entre eles Nainoa Thompson, Chad Baybayan e Shorty Bertelmann. A cerimônia foi a primeira em Satawal desde a posse de Mau como mestre navegador, 56 anos antes.
Nainoa conta que após a cerimônia, quando todos deram adeus e começaram a partir, ele olhou para trás e viu Mau, em silêncio, sozinho, envolto à penumbra no interior do salão.
Do fundo de seu coração ele sentiu que talvez aquela fosse a última vez em que veria o mestre navegador e decidiu voltar para uma última conversa.
Quando Mau o avistou, disse: “Você veio se despedir de novo?”
Então Nainoa perguntou: “Quando você nos ensinou a navegar, nós estávamos, na verdade, aprendendo você, certo?”
“Sim”, respondeu Mau Piailug.
“Então, enquanto nós ensinarmos, você permanecerá conosco”, disse Nainoa.
“Sim, vejo você em breve”, agradeceu o mestre.
Mau morreu três anos depois, em 2010, mas a tradição que ele jurou proteger continua viva e cada vez mais forte.
A canoa que Mau recebeu de presente dos havaianos agora reside na ilha de Yap, onde serve como uma sala de aula flutuante para os navegadores da Micronésia.
Para escrever e gravar a série que você acabou de ouvir eu pesquisei através de livros e documentários sobre a história havaiana e a Hokule’a, mas boa parte das informações contidas aqui foram extraídas do site oficial da Polynesian Voyaging Society, que é o hokulea.com. Lá você vai encontra muita informação sobre o passado e o presente da navegação ancestral polinésia.