
A história do Prone Paddleboard no Brasil
A história do prone paddleboard Brasil é mais antiga do que se imagina e remonta dos anos 1970, com a ... leia mais
Aproximadamente 5.000 anos atrás, navegadores polinésios alcançavam ilhas distantes e isoladas do oceano pacífico a bordo de canoas transoceânicas de casco duplo, como a Hokule’a, empreendendo uma das mais extraordinárias histórias da navegação mundial.
Para realizar suas viagens, os navegadores polinésios dispensavam mapas e instrumentos de navegação considerados modernos pelo padrão ocidental — como sextantes, bússolas ou sistemas de GPS. Em vez disso, dominavam técnicas ancestrais de orientação, baseadas na observação das estrelas, correntes marítimas, padrões das ondas e até mesmo o voo das aves, transformando a natureza em seu próprio sistema de coordenadas.
Não é por acaso que os primeiros exploradores europeus a desbravar o Pacífico, como o britânico James Cook, costumavam ter navegadores polinésios em suas tripulações: o conhecimento ancestral sobre como se orientar nos mares era, e ainda é, parte essencial da cultura local.
Contudo, além dos conhecimentos de observação e tradição oral, os polinésios também fabricavam os próprios instrumentos de navegação para auxiliar o processo – como o compasso estelar desenhado na areia e feito com cordas e conchas representando as constelações, mostrando um horizonte em 360 graus com a embarcação ao centro, e permitindo alinhar direções com o movimento das estrelas.
Outra ferramenta importante de navegação eram os “gráficos de gravetos”, espécie de mapa físico construído em madeira, com pedaços de varas e gravetos desenhando as ondas e marés ao redor de determinadas ilhas. Tais mapas eram especialmente úteis em períodos nublados, em que o sol e as estrelas desapareciam, e representavam não tanto distâncias, mas sim tendências e relações marítimas.
Outro ponto fundamental da tecnologia de navegação polinésia, que não tinha tanto a ver com a orientação, mas sim com a própria estabilidade e duração da viagem, eram as canoas. Embarcações que assim como a arte da navegação, evoluíram ao longo dos anos, à medida em que uma nova ilha era alcançada.
De Samoa, que se tornaria um dos centros irradiadores da cultura polinésia – herdeira da antiga tradição Lapita, matriz das civilizações que se espalhariam pelo Pacífico –, as grandes navegações avançaram rumo ao sudeste por volta de 830 d.C. alcançando Rarotonga, a maior das Ilhas Cook. Acredita-se que os navegadores, guiados por saberes ancestrais, provavelmente avistaram a ilha a distância graças às nuvens formadas pela atividade vulcânica que coroavam seus picos elevados.
Aproximadamente no ano de 1050, a expansão continuou em direção ao nordeste, alcançando o arquipélago que hoje forma a Polinésia Francesa. De acordo com o historiador Alexander Ionnidis, esse conjunto de ilhas tornou-se um eixo estratégico para a ocupação humana do Pacífico Sul, servindo como base para rotas posteriores que se estenderiam até os confins do triângulo polinésio.
“É uma área gigantesca, equivalente à que se estende da Inglaterra à Grécia. Seus primeiros ocupantes precisavam ter uma cultura marítima muito rica e canoas excelentes para navegar de ilha em ilha”, explica o Dr. Ionnidis em estudo basedo na migração polinésia publicado na revista Nature.
A esse período é atribuído o início da segunda fase de povoamento das ilhas do Triângulo Polinésio, em que evolução da tecnologia empregada na construção das canoas foi decisiva para o sucesso do empreendimento, permitindo aos navegadores se aventurarem a milhares de quilômetros de distância em mar aberto.
É a partir da Polinésia Francesa que as migrações mais distantes se seguiram: umas para o Norte, para as Ilhas Marquesas e Havaí, outras para o Leste, via Mangareva (arquipélago das Ilhas Gambier), seguindo até ao fim, no extremo leste, para a Ilha de Páscoa e, ao sul, para a Nova Zelândia (Aotearoa).
A chegada dos europeus no Pacífico trouxe consigo um processo de supressão cultural que quase levou ao desaparecimento desses conhecimentos ancestrais, no entanto, esses saberes ancestrais foram resgatados graças a movimentos de resistência e revitalização cultural iniciados a partir da segunda metade do século XX, entre eles, a criação da Polynesian Voyaging Society (PVS) e a primeira viagem da Hokule’a, nos anos 1970, que impulsionaram o interesse pelas tradições náuticas polinésias e garantiram sua preservação até os dias atuais.
A PVS e a Hokule’a são um marco no resgate dessa arte da navegação, que tem em Mau Piailug, um mestre navegador da Micronésia, um papel decisivo nesse processo. Um pouco dessa história eu conto em meu livro, Raiz: uma viagem pelas origens do surfe, canoa polinésia, stand up paddle e prone padlleboard, cuja leitura eu recomento a todos que se interessam pela origem dos esportes de matriz polinésia.
Concluindo, graças aos esforços dessas pessoas, as técnicas e sabedorias de navegação polinésia vêm sendo devidamente ensinadas às novas gerações, como forma de manter um conhecimento vivo e útil, e também de celebrar e respeitar hoje os desbravadores do passado.
Fontes: US National Library / Wikimedia Commons / AFP / Polynesian Voyaging Society / We, the Navigators (David Lewis – 2ª edição, 1994).