Canoa havaiana impulsiona pesquisa sustentável de microplásticos na Amazônia

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Canoa havaiana impulsiona pesquisa sustentável de microplásticos na Amazônia
A canoa Intolerância (OC4 sail) logo após vencer a rebentação da praia de Ajuruteua (PA). Foto: José Luiz Vieira Costa Neto

Remadores e pesquisadores paraenses estão utilizando uma canoa havaiana OC4 à vela, batizada de “Intolerância”, para realizar expedições científicas na Amazônia Atlântica. O objetivo dessas viagens é avaliar a presença de microplásticos na região e testar a viabilidade da canoa como uma alternativa sustentável de transporte em longas travessias, sem o uso de embarcações motorizadas de apoio.

As expedições fazem parte de um projeto desenvolvido pelo grupo de expedições UBATÃ, em parceria com os projetos OLAMAR (Observatório do Lixo Antropogênico Marinho) e Mangues da Amazônia, com apoio da escola de canoagem Muiraquité. Ao longo de várias etapas, os remadores percorreram aproximadamente 200 km pela costa amazônica, coletando amostras de água tanto em áreas de água salgada quanto doce, com o intuito de mapear, quantificar e identificar os tipos de microplásticos presentes na região.

O grupo UBATÃ e a educação ambiental

O UBATÃ é um grupo de remadores que decidiu ampliar o impacto de suas expedições, transformando as travessias desafiadoras em projetos com propósito científico e educativo. Ao se unir aos projetos OLAMAR e Mangues da Amazônia, o UBATÃ encontrou uma forma de agregar mais sentido às suas viagens, colaborando diretamente com a pesquisa sobre conservação e poluição ambiental.

Outra parte importante das expedições UBATÃ é a integração de remadores que não possuem formação científica às pesquisas voltadas à conservação ambiental. Essa interação aproxima esses profissionais do trabalho de campo, promovendo educação ambiental prática. “Colocar essas pessoas em contato com a pesquisa de campo cria uma conscientização sobre a importância da conservação que vai além da prática esportiva”, explica Davidson Sodré, biólogo e integrante do grupo UBATÃ.

O problema dos microplásticos

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Plásticos descartados, como sacolas e redes de pesca, poluem as praias da Amazônia Atlântica. Esses resíduos se degradam e se transformam em microplásticos, ameaçando a vida marinha. Foto: Davidson Sodré

Os microplásticos são pequenos fragmentos de plástico, com tamanho inferior a 5 mm, que resultam da degradação de resíduos maiores, como garrafas, sacolas e embalagens descartáveis, e da fabricação intencional em tamanho microscópico, como partículas usadas em cosméticos, esfoliantes e produtos industriais.  Praticamente invisíveis a olho nu, eles se acumulam nos oceanos, rios e até na atmosfera, representando uma ameaça significativa à saúde dos ecossistemas e à qualidade da água.

Essas partículas são facilmente ingeridas por organismos marinhos, entrando na cadeia alimentar e impactando a biodiversidade como um todo. O consumo humano de frutos do mar contaminados por microplásticos também gera preocupações quanto aos possíveis riscos à saúde. Diante da gravidade desse problema, essa iniciativa visa analisar a presença de microplásticos na Amazônia Atlântica — uma região de alta biodiversidade.

“A contaminação por microplásticos (MPs) é um problema emergente que vem sendo pesquisado no mundo todo. Essas partículas de plástico acumulam-se em áreas costeiras, porém essa contaminação nos ecossistemas amazônicos ainda é pouco compreendida. Para preencher essa lacuna do conhecimento, realizamos coleta de amostras de água ao longo da costa paraense, com o intuito de mapear a distribuição espacial dos MPs e suas principais fontes” destaca a Dra. Dayene Santiago Mendes, pesquisadora do projeto OLAMAR e Mangues da Amazônia.

Mobilidade Sustentável

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Parada em uma das inúmeras praias do litoral amazônico, em São João de Pirabas, para revisão dos estais e descanso. Foto: Paula Danielle Lima da Silva

A escolha da canoa havaiana OC4 não foi apenas por sua eficiência em longas travessias, mas também por sua sustentabilidade. Ao contrário de barcos motorizados, que dependem de combustíveis fósseis e causam impactos ambientais diretos, a canoa havaiana utiliza apenas a força do vento e dos remadores. Isso permitiu que o grupo UBATÃ realizasse expedições sem gerar emissões de carbono e com um impacto mínimo nos ecossistemas costeiros.

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A canoa havaiana ancorada entre os barcos de pesca em São João de Pirabas, destacando-se no meio da frota tradicional da região. Foto: José Luiz Vieira Costa Neto

Além disso, a canoa é leve e estável, permitindo que a tripulação navegasse por áreas rasas e de difícil acesso, onde embarcações maiores não conseguiriam chegar. Essas características tornaram a OC4 uma escolha ideal para essas expedições científicas. “A canoa havaiana facilita a mobilidade durante campanhas de coleta de amostras em diferentes pontos com rapidez e eficiência, permitindo uma cobertura mais ampla. Além disso, apresenta baixo custo em comparação às embarcações motorizadas e baixo impacto ambiental”, ressalta o Professor Dr. Marcus Fernandes, coordenador do projeto OLAMAR e Mangues da Amazônia.

Preparação e desafios da expedição

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Canoa com os seus trampolins instalados antes da saída de Colares (PA). Foto: José Luiz Vieira Costa Neto

A preparação da canoa havaiana foi meticulosa, visando garantir que a embarcação estivesse pronta para enfrentar longas distâncias. Trampolins foram instalados em ambos os lados dos iakos (hastes de madeira que ligam a canoa ao seu flutuador lateral, denominado ama) duplos para aumentar a capacidade de carga, permitindo que a tripulação levasse suprimentos como comida, água, cabos e ligas sobressalentes, além de equipamentos de camping para uma eventual necessidade de pernoite. Antes de partir para as longas travessias, a equipe do UBATÃ realizou trajetos menores para testar a capacidade da canoa e da tripulação em condições semelhantes às esperadas nas expedições.

Os trajetos das expedições incluíram uma região complexa e ecologicamente diversa, que abrange tanto águas salgadas quanto doces. O trecho da Amazônia Atlântica na costa paraense é caracterizado por uma série de penínsulas separadas por baías rasas, com grandes variações de maré que podem alcançar até 4 metros. Esse fenômeno cria condições desafiadoras para a navegação, pois, em determinados momentos da maré, surgem bancos de areia e ondas quebrando, aumentando o risco de encalhe. Durante as expedições, a tripulação da canoa havaiana precisou lidar com essas condições dinâmicas, manobrando habilmente para evitar áreas traiçoeiras e garantir a continuidade da coleta de amostras.

Expedições realizadas

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Vista aérea da Baía de Pirabas durante a maré seca, revelando seus bancos de areia. Essa paisagem característica é uma das muitas que compõem a dinâmica costeira da Amazônia Atlântica. Foto: José Luiz Vieira Costa Neto

A primeira etapa da expedição ocorreu em julho de 2024, com a partida da praia de Ajuruteua, em Bragança – PA, rumo à cidade de Salinópolis. No primeiro dia, a tripulação percorreu aproximadamente 81,9 km (44,2 milhas náuticas), enfrentando ventos fortes e correntes intensas nas Baías do Maiaú e Quatipuru. Durante esse trecho, foram realizadas coletas de amostras de água salgada em quatro pontos estratégicos ao longo do trajeto. No entanto, um problema técnico com o rastreador SPOT, utilizado para monitorar o progresso da expedição, obrigou a equipe a desviar para Boa Vista, onde reavaliaram o plano original.

Na segunda etapa, a expedição continuou por terra até Colares, de onde a tripulação navegou 23,22 km (12,5 milhas náuticas) até Mosqueiro. Após essa travessia, a equipe fez uma pausa para descansar e se preparar para a próxima etapa. No dia seguinte, a tripulação percorreu mais 46,17 km (24,9 milhas náuticas) até Belém, totalizando cerca de 69,39 km (37,4 milhas náuticas) em águas doces. Durante esse trecho, com ventos fracos, os tripulantes precisaram remar intensamente. Oito pontos de coleta de amostras de água doce foram realizados ao longo desse percurso.

Professor Roberto Ruffeil medindo a salinidade de um dos pontos de coleta. Foto: Leônidas Dahás

A última etapa da expedição ocorreu em agosto de 2024, quando a canoa navegou aproximadamente 42,15 km (22,8 milhas náuticas) de São João de Pirabas até Salinas, impulsionada por ventos favoráveis. No entanto, a tripulação enfrentou desafios no desembarque devido à grande quantidade de ondas quebrando e às pedras submersas na praia. Essa fase foi crucial para coletar as últimas cinco amostras na área de água salgada.

Os remadores se revezaram em cada trecho da expedição, assumindo diferentes funções a bordo. No que diz respeito às coletas, o remador do banco 1 era responsável por medir a salinidade, o do banco 2 manuseava a rede coletora, o do banco 3 captava a água com o balde e despejava pela rede, enquanto o remador do banco 4 controlava a vela e o leme. A equipe de remadores que participou da expedição incluiu: Roberto Ruffeil (professor de educação física), Ubiratan Pinheiro (professor universitário), Denis Domingues (oceanógrafo), Paula Danielle Lima da Silva (analista ministerial), Leônidas Dahás (empresário) e Davidson Sodré (biólogo).

O apoio terrestre foi fundamental em todas as etapas da expedição. José Luiz Vieira Costa Neto (UBATÃ) coordenou o suporte logístico, junto com a equipe científica dos projetos OLAMAR e Mangues da Amazônia, composta por Dayene Santiago Mendes, Samanta Mescouto e Lorrainy Simões. O grupo acompanhou o deslocamento da canoa por terra e garantiu o correto armazenamento e transporte das amostras de água coletadas pela equipe em cada etapa.

Análise das amostras e próximos passos

Remadores da UBATÃ utilizam a rede coletora durante a expedição científica. Foto: Davidson Sodré

As amostras de água coletadas durante essas expedições estão em análise, com os resultados previstos para divulgação em breve. Esses dados serão fundamentais para entender a distribuição espacial do nível de poluição por microplásticos na Amazônia Atlântica, especialmente comparando as águas salgadas e doces. Com base nessas informações, será possível fornecer subsídios valiosos para ações de conservação ambiental. Além disso, o objetivo é expandir essa abordagem de coleta de dados para outras regiões e novas aplicações.

Última amostragem antes de desembarcar em Belém (PA). Foto: José Luiz Vieira Costa Neto

As expedições da UBATÃ demonstraram que é viável unir ciência, prática esportiva e sustentabilidade em prol da preservação ambiental. Que os primeiros 200 km ao longo da costa amazônica sejam apenas o início de algo muito maior. Espera-se que essa distância se multiplique para milhares de quilômetros, assim como o impacto positivo da utilização da canoa havaiana se amplie para novos objetivos, aumentando sua contribuição para a conservação dos ambientes por onde navega.

Mapa do trajeto percorrido pela canoa havaiana durante as expedições na costa paraense. O percurso inclui pontos de amostragem em áreas de água salgada e doce, que foram analisados para investigar a presença de microplásticos. Foto: Reprodução

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