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Após concluir a expedição de remada de SUP de Guarujá (SP) a Florianópolis (SC), Marcelo Batata bate um papo com nosso editor onde faz uma retrospectiva de sua aventura. Confira.
Dá pra descrever a sensação de ter concluído uma travessia como a que você fez?
(Longa pausa) É um sentimento de dever concluído… Consigo mesmo, como algo que você se propôs a fazer e conseguiu. É uma coisa bem pessoal, foram várias provações ao longo do caminho. Poderia ter desistido, mas tive que me adaptar aos imprevistos. É difícil explicar a sensação.
Mudou alguma coisa na tua forma de encarar a vida depois dessa remada?
Mudou. É uma experiência bem pessoal. Acho que cada um reagiria de uma forma, mas pra mim foi uma grande lição e acredito que evolui na minha maneira de lidar com imprevistos, com pessoas e até comigo mesmo.
Falando em imprevistos, foram muitos?
Sim. Eu fiz essa travessia sem nenhum tipo de apoio. Fiz realmente “solo”. Contei apenas com amigos como o Marco Gorayeb, que checava as condições de vento e ondulação pela internet e me passava as informações via whatsapp. Alguns amigos que moravam pelos lugares onde passei também entravam em contato comigo para dar uns toques sobre a região. Mas nem sempre as previsões batem. A natureza é imprevisível e logo no primeiro dia passei um perrengue.
Como foi?
Eu acreditei que nos dias de tempo bom conseguiria cobrir uma distância boa, pois estava fisicamente preparado. Acontece que desde o começo foi a natureza quem ditou as regras. Saí da praia do Guaiuba, no Guarujá, em um dia de tempo bom, e pouco swell. O objetivo era passar Santos e São Vicente remando por fora e chegar à Praia Grande no começo da tarde. Porém, quando estava atravessando a baia de Santos, a maré começou a secar e a me puxar pra costa. Além disso, entrou um vento sudeste bem mais forte do que o previsto, me empurrando na mesma direção da maré. Como se não bastasse, a grande movimentação de navios, entrando e saindo do porto, atrapalhou bastante a minha concentração e deixou as coisas ainda mais tensas. Resultado: não consegui contornar o último costão e fui parar nas pedras perdendo vários mantimentos.
Aquele costão que fica lá fora da baia, certo?
Isso, aquele que você contorna pra chegar a Praia Grande.
E como você fez?
Encontrei uma prainha minúscula cheia de pedras onde consegui me abrigar pra deixar a adrenalina baixar e pensar numa estratégia. Nessa hora pensei em pedir ajuda. Falei com o Gorayeb e ele botou pilha pra eu me acalmar e tentar sair dali. Foi bem tenso porque na medida em que eu ficava lá, o vento ia aumentando. Deitei na prancha e comecei a remar deitado, mas o vento me jogou de volta para as pedras. Tentei de novo e consegui avançar. Contornei o costão no limite, restabeleci minha confiança e assim consegui chegar à Praia Grande.
Lá tinha alguém lhe esperando?
No Guarujá conheci um bombeiro que me colocou nem contato com o tenente Moacir, que já havia pedalado de bicicleta de São Paulo a Santa Catarina. Através dele consegui apoio do Corpo de Bombeiros de Praia Grande para deixar meu SUP no posto de salvamento enquanto eu descansava.
Durante toda a travessia foi assim? Você contando com a ajuda de pessoas que você ia conhecendo?
Planejei parar em lugares onde eu conhecia alguém e mandava mensagens pedindo algum tipo de apoio, desde um lugar para guardar o SUP até um canto para dormir ou acampar. Mas nem todos me retornavam, até porque eles não tinham nenhuma obrigação de me ajudar. A decisão de fazer essa expedição foi minha e sabia que as pessoas tem que tocar a vida delas e nem sempre é possível parar o que você está fazendo para dar uma força para aquele amigo “maluco” que está remando pelo litoral do Brasil!
E ai entram em cena as pessoas que você conhecia na hora…
Sim, porque quando eu terminava as remadas diárias e não conseguia um apoio em terra, tinha que me virar e ir falando com pessoas que eu nunca tinha visto na vida. A galera achava que eu era louco…
Como você fazia?
A primeira coisa era deixar a adrenalina baixar primeiro e não me cansar muito durante essas remadas. Porque antes de sair procurando lugar pra comer e dormir, eu tinha que me recompor e encontrar um lugar para guardar o SUP. Imagina que você tem lá seu estabelecimento, sua pousada, seu restaurante, e chega um maluco todo descabelado, exausto, perguntando se pode deixar uma prancha de 14 pés guardada lá! (risos)
Mas você sempre conseguia né?
Sim. A única vez que uma pessoa me negou ajuda foi em Itanhaém (SP), mas eu também sai da água super estressado, tenso e com a prancha quebrada. A minha energia não estava das melhores. Acho que esse senhor se assustou e não quis papo, mas na mesma hora o vizinho dele viu a situação e me ofereceu ajuda.
Foi quando você quebrou o SUP?
Isso. Nesse dia o swell aumentou e eu vinha remando de Mongaguá. Fiz uma parada para descansar e me hidratar um pouco e quando voltei para o mar, o impacto da prancha com as ondas fazia ela vibrar muito e isso foi rachando parte da laminação no meio do SUP. Pra piorar, o mar estava balançando muito, fazendo com que a prancha vibrasse mais ainda. Isso somado aos impactos com a superfície da água foi aumentando os trincados e começou a entrar muita água, a ponto de eu sentir a prancha mais pesada. Tive que sair da água e procurar ajuda.
Esse incidente influenciou na sua decisão de “pular” uma parte da travessia?
Logo depois que esse senhor permitiu eu deixar a prancha guardada na casa dele, eu entrei em contato com o Marcelo Nunes, local de Itanhaém que é irmão do Binho, ex. competidor profissional de surfe, pra encontrar um lugar para reparar a prancha e repensar na estratégia da expedição. Muita gente me ajudou em Itanhém. Meu amigo Eduardo Dutra me hospedou na casa dele com sua família enquanto o SUP estava no reparo. No período em que fiquei lá, o Joca, local de Paranaguá (PR) entrou em contato comigo porque leu a matéria sobre a expedição publicada no Aloha Spirit Club oferecendo ajuda no litoral do Paraná. Conversamos, contei sobre o que estava acontecendo, e ele sugeriu que nos encontrássemos em Cananéia (SP) de onde sairia um barco levando de volta para Pontal do Sul uma galera do Paraná que estava fazendo uma surf trip na Ilha do Cardoso. Consegui uma carona de carro e me encontrei com o Joca, que ao ver que eu não tinha nenhum tipo de apoio, ofereceu uma vaga no barco até o Paraná. A viagem durou um dia e é uma parte linda do nosso litoral. Quero um dia voltar lá e fazer esse trecho, na divisa de SP com o PR, remando.
Você disse que teve gente ironizando você por causa desse trecho que você percorreu de carro e de barco. Como isso te afetou?
Cara, sempre tem os críticos. Fiquei um pouco chateado, mas isso passa. O que essas pessoas não entendem é que essa expedição foi uma coisa totalmente pessoal. Não tive a pretensão de provar nada pra ninguém, só pra mim mesmo. Achei que a prancha não iria aguentar aquele trecho de mar aberto entre o litoral sul de SP e PR e não quis me colocar em uma situação desnecessária de risco. Outra coisa que esquecem é que eu fiz essa travessia sozinho, sem nenhum tipo de apoio. As pessoas assistem a esses programas do Off, veem pessoas bonitas fazendo aquelas expedições com toda estrutura de segurança, equipe de filmagem, barcos de apoio, comida à vontade, e não imagina o que é uma expedição solo. De certa forma, esses programas acabam banalizando um pouco esse espírito aventureiro.
Chegando em Paranaguá você seguiu com a remada…
Durante a viagem de barco o Joca me deu altos toques sobre o litoral do Paraná e me deixou em Pontal do Sul e de lá segui remando até Matinhos onde encontrei outro amigo, o Márcio, que trabalhou comigo aqui na loja (Cultura Surf, na Praia Mole de Florianópolis). De lá segui rumo ao litoral de Santa Catarina.
Esse trecho foi tranquilo então?
Foi. Mas ao atravessar a entrada do canal de Guaratuba peguei uma correnteza muito forte. Remei a 2.5 km/h, olha só! (nesse momento Marcelo me mostra a gravação do GPS onde é possível conferir a velocidade atingida por seu SUP durante a remada). Fiquei exausto e acabei ficando por lá, adiando em um dia a chegada ao litoral de Santa Catarina. Toda travessia de baia foi complicada.
Em Santa Catarina você desenvolveu bem a remada não foi?
Sim. O litoral sul de Santa Catarina é bem recortado. Dá pra ir remando próximo à costa mais abrigado dos ventos. Tive uma ajuda em São Francisco do Sul do Otoney Xavier, que estava organizando uma etapa do Catarinense de SUP, que iria rolar na semana seguinte. Ele me deu um suporte em terra e depois me posicionou em um ponto mais favorável da cidade para eu seguir remando.
Teve algum perrengue em Santa Catarina?
Não exatamente, mas em Balneário Camboriú teve um episódio inusitado. Antes de começar a expedição, entrei em contato com um amigo de lá e perguntei se ele poderia me dar um suporte quando eu passasse por lá e ele disse que sim. Acontece que ao longo da expedição, ele “sumiu” e não respondia mais minhas mensagens. Desde o início sabia que não poderia contar com favores e que ninguém é obrigado a me ajudar. Também não posso julgar sem saber o que aconteceu. Pode ser que ele estava tendo que lidar com algum problema familiar, enfim. O fato é que cheguei à Praia Brava de Balneário sem apoio em terra. Fiquei um tempo na areia esperando a adrenalina baixar e fui pedir ajuda para um pessoal que estava na praia para me ajudar a levar a prancha até o calçadão. Eles prontamente me ajudaram e eu fiquei descansando próximo a uma árvore. Notei que havia dois garotos ali do lado comendo uma marmita e fui perguntar onde eles haviam comprado. A gente conversou um pouco, e eles na hora ofereceram a marmita deles pra eu comer quando souberam que eu estava remando desde SP (risos). Tipo, a ajuda várias vezes vinha de onde eu não esperava! Agradeci, mas disse que tinha dinheiro e que podia comprar uma pra mim. Ainda sim, um deles foi até o restaurante e trouxe a quentinha para eu comer!
De barriga cheia fica mais fácil pensar…
Pois é! Já mais descansado, mas ainda sem saber para onde ia, entrei em contato com outro amigo morador de Balneário pra pedir ajuda. Ele estava fora da cidade, acompanhando a mulher que seria operada, mas me colocou em contato com outro amigo dele que felizmente me prestou todo suporte necessário.
De lá até Florianópolis foi mais tranquilo?
Sim, fiz mais uma parada em Porto Belo e no dia seguinte parti bem cedo para Floripa. Estava desenvolvendo bem a remada, mas quase na chegada, na altura de Biguaçu, peguei um vento frontal muito forte. Eu não conseguia avançar, veja a minha velocidade (mostra novamente o aplicativo de GPS que mapeou sua remada). Faltava muito pouco, mas estava exausto. Sentei na prancha e comecei a rezar, conversar com Deus. Perguntei se deveria seguir tentando ou parar por ali, com a ilha bem na minha frente. Nessa hora passou um pescador de barco e perguntou se estava tudo bem comigo e eu disse que não. Ele veio ao meu encontro e pediu pra eu subir no barco. Eu contei pra ele tudo que tinha feito, que faltava bem pouco pra chegar e desabei no choro, exausto. Ele só falava “Calma meu filho, calma, você conseguiu”. Quando eu me acalmei, ele me conduziu de barco mais para dentro do canal de Florianópolis, mais abrigado do vento, e de lá eu consegui concluir a expedição chegando a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, em Jurerê. Aquela sensação de chegar em Floripa é indescritível.
E daqui pra frente, você planeja novas expedições?
Com certeza! Essa travessia foi um grande aprendizado e pretendo partir para novos projetos, só que com mais planejamento e preferencialmente com mais estrutura. Já tenho algumas ideias em mente e lugares que quero conhecer. Quero aproveitar para agradecer a todos que me ajudaram a realizar esse sonho. Aos amigos que incentivaram ao longo da expedição, às novas amizades que essa remada me proporcionou e em especial a minha namorada Silvia Barreto que acompanhou minha saída e estava me esperando na chegada, sempre apoiando. Por tudo isso sou muito grato. Obrigado a todos vocês!
OS NÚMEROS DA EXPEDIÇÃO ILHA A ILHA
DISTÂNCIA TOTAL: 470 km
DISTÂNCIA REMADA DE SUP: 250 km
TEMPO DE EXPEDIÇÃO: 18 dias
EQUIPAMENTOS: Prancha race 14 pés com 26 polegadas de largura e um remo da Quickblade, ambos fornecidos pela Gzero, equipamentos básicos de segurança como cordinha, colete, apito, um celular com um carregador e uma capa estanque, fornecidos pela Phonebox Floripa, com o app Sports Tracker instalado para mapear a remada.