Privatização de Praias? Entenda a controvérsia em torno da PEC 03/2022

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Privatização de praias
Especialistas alertam para o fato de que a PEC 03/2022 pode redefinir acesso e manejo a diversas praias no Brasil. Foto: Flo Dahm / Pexels

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso Nacional está gerando comoção entre ambientalistas e comunidades costeiras, além de provocar um intenso debate público nas redes sociais. A PEC 03/2022 propõe a transferência de terrenos de marinha, atualmente pertencentes à União, para ocupantes diretos, estados ou municípios. Especialistas alertam que essa medida pode abrir caminho para a “privatização” das praias brasileiras, pois os acessos ao mar poderiam passar a ser controlados pelos novos proprietários desses terrenos, além de questões envolvendo ao manejo de Áreas de Preservação Permanente (APPs).

A PEC propõe a extinção dos chamados ‘terrenos de marinha’, que são áreas situadas na costa marítima, margens de rios e lagoas, em faixa de trinta e três metros a partir da posição da maré cheia. Essas áreas, apesar de não pertencerem à Marinha, são propriedades da União conforme determina a Constituição Federal.

Defensores da PEC argumentam que a atual regulamentação dos terrenos de marinha gera inseguranças jurídicas, principalmente no que se refere aos imóveis construídos nessas áreas, ou seja, praticamente todas as casas e edifícios localizados em frente ao mar. Segundo eles, muitas pessoas que adquiriram imóveis nessas áreas enfrentam contestações da União após longos processos demarcatórios, além de serem obrigadas a pagar uma taxa anual, denominada laudêmio, que seria extinta com a aprovação da medida.

No entanto, há um enorme receio de que a falta de clareza na PEC em relação à manutenção de APPs costeiras abra espaço para que essas regiões, hoje preservadas, recebam megaempreendimentos, como resorts de luxo, por exemplo, causando danos severos ao ecossistema local e ao próprio microclima da região. Além disso, por deixar que prefeitos e governadores tenham liberdade para regularizar esses terrenos, há um enorme receio de que a PEC, na prática, facilite a privatização de diversas praias. “Ela permite que prefeitos e governadores regularizem a participação da iniciativa privada. Logo ela é a porta para a privatização, pois poderia restringir o acesso da população a esses locais”, disse o biólogo Ronaldo Christofoletti, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ao portal Congresso em Foco.

O projeto já passou na Câmara dos Deputados e foi discutido no Senado na última segunda-feira (27). Com forte resistência da sociedade civil, até o momento da publicação desta matéria, a PEC acumula mais de 58 mil votos contrários e apenas 949 a favor.

Conhecida também como a “PEC da Cancun brasileira”, se aprovada, a proposta busca atrair empresas interessadas em reproduzir praias do litoral brasileiro um modelo semelhante ao adotado no México, como é o caso de Cancun. Porém, mais uma vez, o que críticos ao projeto alertam é o fato que de a experiência mexicana, na prática, expulsou populações nativas de seus locais de origem, restringiu acessos às praias aos hóspedes dos hotéis e fez com que essa região, no passado povoada por pacatas comunidades pesqueiras, tenha se tornado uma das mais violentas do país.  

Organizações pedem apoio da população civil

Organizações como a Articulação Nacional das Pescadoras (ANP), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP) emitiram uma nota de repúdio à PEC 03/2022.

As entidades ressaltam que os terrenos de marinha desempenham uma importante função socioambiental na proteção da diversidade e no sustento de comunidades tradicionais, especialmente as comunidades pesqueiras. A nota destaca ainda que a privatização dos terrenos de marinha ameaçaria os territórios de povos tradicionais, aumentando os conflitos fundiários e ameaçando culturas e modos de vida dessas populações.

Por sua vez, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) também se manifestou contra o projeto, expressando preocupação com as possíveis consequências ambientais, econômicas e sociais da proposta. O IBDU também destaca os riscos de desalojamento forçado de comunidades que dependem dos terrenos de marinha para sua subsistência, além de levantar questionamentos sobre os interesses do setor hoteleiro e de jogos de azar associados à proposta.

Diante disso, tanto a ANP, o CPP e o MPP quanto o IBDU conclamam a sociedade a se opor à aprovação da PEC 03/2022, pressionando os senadores e conscientizando a população sobre os riscos envolvidos na privatização dos terrenos de marinha. Em um momento em que a sociedade busca o desenvolvimento sustentável e a justiça social, é crucial garantir que as decisões tomadas estejam alinhadas com esses princípios.

A população pode participar ativamente do debate sobre a PEC 03/2022 enviando e-mail aos senadores, além de votar através do portal e-Cidadania do Senado Federal. Clique aqui para votar.

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