Nas asas do Dragão: Nove dias sob vela e remo

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Vela e remo
Søren Knudsen relata a incrível experiência à bordo do Havhingsten, maior réplica de navio de guerra viking da atualidade. Foto: Arquivo pessoal

Søren Knudsen, diretor executivo da ASS, acabou de voltar de uma aventura nos fiordes dinamarqueses onde esteve embarcado na maior réplica de navio de guerra viking em existência.  Conversamos com ele sobre a experiência.

Por que um navio viking?

É um sonho antigo que somente agora consegui realizar.  Sendo dinamarquês de nascença, mas radicado no mundo, sempre tive grande interesse pela história, os navios e as façanhas dos vikings.  Eram a referência que eu usava quando ia explicar o que era ser dinamarquês.    

Morei no Havaí por cinco anos.  Lá conheci o mestre navegador Nainoa Thompson.  Ele e a Polynesian Voyaging Society propulsaram a renascença da navegação polinésia e a construção dos catamarãs a vela, wa’a kauluas, que foram fundamentais em assentar o triangulo polinésio entre a Nova Zelândia, Havaí e a Ilha de Pascoa. 

Atualmente a sociedade planeja circum-navegar o Pacífico em 2022 na canoa Hōkūle’a para chamar atenção a conservação marinha, divulgar a cultura, a arte e a navegação dos polinésios que conquistaram o maior oceano do planeta como a Disney mostrou com maestria no recente filme Moana.  A ideia me cativou, mas eu queria navegar não como os polinésios, mas sim como os meus ancestrais nórdicos.     

O Museu do Navio Viking, Vikingeskibsmuseet, em Roskilde na Dinamarca faz o mesmo há 60 anos na busca de entender a construção e a navegação dos navios que possibilitaram aos povos nórdicos da Dinamarca, Noruega e Suécia a impor sua presença na Europa, América e Ásia por 300 anos.  Tão bem quanto Moana retrata a odisseia polinésia, a série “Vikings” retrata essa época de aventura dos escandinavos.  Mas, somente navegando réplicas de navios encontrados em sítios arqueológicos e usando métodos tradicionais é que se reaprende como essas joias da arquitetura naval se comportam. 

Seguindo o exemplo do Nainoa, era aqui que eu iria me aproximar aos navegadores do meu passado para talvez, como ele, entender um pouco mais da minha própria essência.

Vela e remo
Assim como os havaianos recriaram a Hõkūle’a para manter viva a cultura polinésia, os dinamarqueses recriaram a Havhingsten para manter viva a cultura viking. Foto: Arquivo pessoal

E como conseguiu fazer parte dessa tripulação seleta? 

Sempre visitei o Museu quando de férias na Dinamarca desde que eu era menino.  Alguns anos atrás coincidiu de ser no dia que o Havhingsten e sua tripulação estavam se preparando para iniciar a travessia anual. Estava acompanhado de meus sobrinhos e quando vi o brilho nos olhos deles percebi que eu não tinha mais tempo a perder. Naquele momento decidi que era hora de realizar o meu sonho.

Me inscrevi na agremiação do Havhingsten e comecei a aprender o que seria o necessário para estar apto a fazer parte da tripulação como se estivesse na Dinamarca.  Estudei e obtive meu certificado de arrais e mestre amador, participei de treinamentos de primeiros socorros da Cruz Vermelha, treinei na academia e me reaproximei do mar por meio da canoa havaiana com a ajuda do amigo Naldo Lima.  E para assegurar a minha vaga, pedi ao mestre do Havhingsten que me permitisse navegar sob o comando dele.  Ele concordou.    

Como é o navio Havhingsten?

Havhingsten fra Glendalough é uma reconstrução de um dos maiores navios Viking encontrados. O original foi construído nas proximidades de Dublin por volta de 1042, usando carvalho de Glendalough no condado de Wicklow, Irlanda.  A réplica foi construída em Roskilde em 2004 e atravessou o Mar do Norte para a Irlanda em 2007.  O navio é do Museu, mas é mantido e tripulado pela agremiação Havhingsten.

O navio é uma máquina de guerra, desenhado para carregar até sessenta guerreiros em alta velocidade.  Com 30 metros de comprimento, 4 metros de boca e baixo calado, ele tem linhas arrojadas.  É pesado e forte o suficiente para sustentar 100 m2 de vela e atingir até 12 nós, 22 km/h e ao mesmo tempo leve e longo o suficiente para ser remado por trinta pessoas.  O seu baixo calado o permite entrar por rios bem rasos e desembarcar facilmente nas praias. 

Conhecido como drakkar, dragão, pela imagem fixadas nas suas proas, é o encontro prefeito de força e leveza e foi temido pelos povos da Europa.

A não ser os equipamentos modernos exigidos pela marinha para navegar, como o de resgate e de localização via satélite, o navio é uma réplica fiel do modelo original.  Sem motor, ele navega pelo conhecimento do mestre e dos métodos escandinavos tradicionais.

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Søren empenhando os tradicionais remos vikings. Foto: Reprodução

Qual foi o propósito da Travessia de 2021?

Esse ano foi para treinar a tripulação e as suas lideranças para que possamos navegar para a Polônia em 2022 e depois circum-navegar o Mar Báltico em 2023 para um encontro de navios vikings de vários países.  A ideia, como a do Hõkūle’a, é a de formar uma equipe que possa navegar em mar aberto por muitas semanas e representar a missão do Museu não só na Dinamarca, mas também no exterior. 

Seguindo as rotas que levaram os vikings a explorar todas as ilhas do Mar do Norte até a Terra Nova no Canadá, colonizar a Grã-bretanha, Normandia e a Rússia, fazer comércio nos rios do leste europeu até chegarem na antiga Constantinopla, no Oriente Médio,saquear todos os portos na Europa do Norte onde havia prata para se obter e deixar uma impressão permanente na língua e cultura dos povos que encontraram, o Havhingsten é símbolo do renascimento da navegação nórdica em todos os seus aspectos..

E como foi a experiência?

Foi indescritível.  Imersão total.  A tripulação era composta de sessenta pessoas mais os cinco da ponte.  Mulheres e homens de idades entre vinte e três e setenta e oito sendo a média quarenta e cinco. 

Gente de todo tipo de experiência.  A metade já tinha navegado com o navio e o mestre está no comando a mais de 10 anos.  Nós fomos divididos em duplas para assegurar que sempre havia alguém para ajudar o outro nas tarefas e no aprendizado.    

Navegamos para e acampamos num porto no fiorde de Roskilde localizado na saída para o Mar de Kattegat.  De lá partimos diariamente para treinar manobras, içamento e abaixamento de velas, nomenclatura das partes da embarcação, comandos e termos náuticos, uso de cabos, deitar e erguer o mastro, emergências, responsabilidade das vigias e, lógico, aperfeiçoar a remada.  Normalmente ficávamos seis horas no mar e toda a água e comida era levada à bordo para simular a travessia.

Dormimos em barracas em terra.  O navio era composto de três equipes, proa, meia-nau e popa cada qual com suas responsabilidades no navio.  As equipes tinham suas barracas onde homens e mulheres dormiam juntos.  A cada dia cada equipe tinha seus deveres e pessoas eram designadas para cozinhar jantar, preparar café da manhã e almoço, lavar os pratos, cuidar da ordem a bordo, abastecer a água e limpar os banheiros. O que começou como um monte de desconhecidos, tornou-se uma equipe coesa ao final dos nove dias. Foram dias de chuva, sol, vento, calmaria, cansaço, euforia, dúvidas e vitórias.  Aprendemos as funções e responsabilidades necessárias para fazer parte de uma equipe unida.  Aprendemos a confiar um no outro e nos tornamos parte da irmandade do navio.  

Vela e remo
Acampamento da tripulação. Foto: Arquivo pessoal

O que mais marcou você?

Sem mencionar o poder do mar, a força da natureza e a delicadeza do drakkar, foi o senso de inclusão e de convivência.  Em momento nenhum me senti como se não pertencesse.  Como foi dito no primeiro dia na reunião pós-navegação – “É como se você sempre estivesse aqui.” 

Durante o tempo à bordo não houve discussões e todos nos comportamos do jeito que o mestre pediu ao iniciarmos a viagem – “Sejam gentis e cuidem um do outro.”  Para conviver num espaço confinado com sessenta pessoas e fazer com que se chega ao seu destino sem complicações, assim tem que ser e assim foi.

Uma nova família foi criada.  Uma família tão real como as famílias do mar aos quais pertenço aqui em Santos na canoagem e no surfe.  Pessoas reunidas ao redor de algo que lhes agrada e interessa.  Gente que quer o bem um ao outro.  Homens e mulheres que conhecem e respeitam o mar e que formam a grande tribo que chamamos de nossa.

Pensa em fazer o que com isso?

Está na hora de fazermos com que a navegação costeira caiçara também renasça com suas grandes canoas de voga à vela.  O Caiçara, como o polinésio e o escandinavo, tem raízes culturais no mar.  Está na hora de comemorar o que é nosso e deixar de sempre olhar para fora para aprovação.  Como os polinésios e os escandinavos, é fazer com que os nossos sobrinhos também conheçam a bonita história daqueles que desbravaram a costa e os rios brasileiros e a sua relação com o mar.  É hora de cuidar e ter orgulho dessa herança cultural e natural que nos faz quem somos.

A Associação Surf Santos gerencia um espaço ideal para isso.  Localizado no Quebra Mar de Santos, O Museu do Surf é a nossa “Casa do Mar”.  Um espaço ideal para fazer com que a nossa vocação natural para o mar renasça, não somente por meio do surf, mas por todos os esportes do mar contando com todas as famílias que compõem essa grande tribo do oceano.  Penso que está na hora certa para um grande projeto marítimo nosso e que é possível fazer isso acontecer.

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