Molokai Challenge | Hank McGregor e Jordan Mercer fazem história no Havaí
Com direito a quebra de recorde, sul-africano e australiana vencem a Maui Jim Molokai Challenge 2019, ... leia mais
Na capital capixaba permanecemos cinco dias, cumprindo agenda com imprensa e elaborando o difícil planejamento do final da expedição. Falo difícil, pois estava chegando a hora de tomar uma decisão importante: Conseguiríamos chegar à Baía de Guanabara diante da inversão climática que estávamos vivenciando?
As previsões dos mapas e gráficos de ondas, ventos e correntes não eram animadoras, o fenômeno La Niña associado a uma onda de calor no sul do globo convergiram para a instalação de frentes frias de sul constantes no eixo Bahia-sudeste, causando estragos em cidades baianas, mineiras, capixabas e cariocas. Inundações, enchentes, pessoas morrendo e desabrigadas. O bloqueio de alta pressão atmosférica impediu que as chuvas se deslocassem para o sul, fazendo com que elas ficassem retidas sobre as regiões nordeste e sudeste do Brasil. O resultado? Grandes ondas em swells intermitentes que a cada dia nos fazia pensar se conseguiríamos chegar à Baía de Guanabara.
O último trecho da nossa viagem, entre São João da Barra e a Baía de Guanabara é o mais perigoso do Brasil, com mar aberto e virado diretamente para o sul, recebe fortes correntes oceânicas e ondulações grandes a qualquer sopro de ventos dessa direção. Desde o princípio sabíamos que precisaríamos de condições de verão para passar por lá, e elas não vieram.
No dia 05 de janeiro saímos de Vitória em direção a Barra do Jucú e lá cheguei sob calafrios, corpo mole e fortes dores de cabeça. Não cheguei a fazer exames, mas foi uma doença que me acamou por nove longos dias. Graças a Deus estávamos na casa do grande amigo Gordinho e tive condições e tranquilidade para recuperar minha saúde. Esses nove dias também serviram para esperar condições de mar melhores nas previsões do Rio de Janeiro, algo que não aconteceu. Insistentemente, os dias se passavam e o gráfico não alterava, grandes ondulações de sul se aproximavam dia após dia, sem brecha para navegação a remo.
No dia 13 de janeiro seguimos viagem para Setiba, um dos lugares mais bonitos do Espírito Santo e no dia 14 chegamos à duras penas na cidade de Anchieta, após 38 km da remada mais difícil que realizei na expedição. Não gozava ainda de saúde plena, com a imunidade baixa, ainda adquiri lá uma infecção intestinal que nos prendeu em terra por mais três dias. Emocionalmente não me abati com as doenças, o foco no cumprimento de um sonho que durou nove anos falava mais alto. Estava ali, escrevendo minha história e precisava seguir adiante.
No dia 17 remamos para Itaipava, distrito de Itapemirim. Fomos recebidos como estrelas pela comunidade local, momento mágico da nossa viagem. Em seguida remamos 25,89 km para Marataízes e a essa altura, onde chegávamos as pessoas nos reconheciam através das matérias realizadas pelas TVs locais e jornais impressos. O reconhecimento e carinho das pessoas pelo nosso esforço e objetivos ambientais e histórico-culturais foram motivações que nos acompanharam desde o princípio, e ganharam corpo à medida que a expedição chegava ao seu fim.
E por fim veio à decisão: finalizaríamos a expedição na primeira cidade do estado do Rio de Janeiro, São Francisco de Itabapoana. Uma decisão difícil tomada após 78 dias de observação dos fenômenos da natureza, seus sinais e também as previsões que não se alteraram. Poderíamos continuar por mais um ou dois meses, com longas paradas à espera de condições mínimas de segurança para passar pelos trechos mais perigosos, e ainda assim com mais de 90% de possibilidades de não obtermos êxito. O planejamento financeiro nos dava suporte até oitenta dias de expedição, enfim, todos os fatores indicavam para o desfecho no litoral norte fluminense.
De Marataízes seguimos para a praia das Neves, distrito de Presidente Kennedy, última cidade capixaba antes de chegarmos ao Rio de Janeiro. Mais uma vez fomos abraçados pela comunidade local e a emoção se agigantou quando percebemos que o último dia da expedição estava por vir. E ele veio, com 81 dias remados e aproximadamente 1200 km percorridos, chegamos na Barra de Itapapoana, um rio que determina a fronteira entre o Espirito Santo e o Rio de Janeiro.
Adentramos nele de uma maneira inusitada, paramos antes da foz aportando na praia e carregamos os caiaques para o outro lado onde o rio corria com força até a foz. Em função das enchentes, as comportas das barragens haviam sido abertas e o rio não estava obedecendo ao ciclo das marés, correndo com muita força para o mar 24 horas por dia e tornando a entrada a remo impossível. Do ponto onde entramos foi necessário remar ainda por 1 km sob forte corrente contra, para depois atravessarmos para a margem esquerda onde estava o tão sonhado Rio de Janeiro.
Diante de tudo o que vivemos, as dificuldades, riscos e desgaste físico e emocional, nossa chegada na Barra de Itabapoana teve sabor de Baía de Guanabara e uma forte alegria nos invadiu quando vimos uma comitiva liderada pela prefeita da cidade, secretários, vereadores e o comandante da Polícia Militar vindo nos receber. Reconhecimento justo para tamanho esforço que se iniciou em 2012 e que se concretizava ali, às 12h do dia 20 de janeiro de 2022.
Por todo o percurso observamos que o litoral pede socorro! A urbanização sem planejamento vem tomando conta dos principais vilarejos e percebe-se claramente a omissão do poder público na maioria dos municípios. São tantos crimes ambientais que poderia escrever um livro inteiro sobre o tema. Especulação imobiliária, indústrias, portos e turismo depredatório que geram efeitos ambientais devastadores e também do ponto de vista humano e cultural.
Ao mergulhar um pouco na história do trecho litorâneo percorrido, pude constatar as consequências da formação colonial da nossa sociedade, que desde o princípio foi pautada na concentração de riquezas, na formação de grandes latifúndios e na exploração. Os séculos passaram e as transformações se traduziram numa ampliação do abismo social e da desigualdade. O que era latente apenas nos grandes centros agora se expande e toma conta do restante do litoral. Inchaço populacional, esgotos a céu aberto, desmatamentos, pesca artesanal sendo substituída pela indústria da pesca e o mais importante, comunidades tradicionais sendo substituídas e transformadas sob o efeito avassalador da globalização capitalista. Se haviam locais isolados no litoral ainda preservados dessa selvageria, hoje são cada dia mais escassos ou quase inexistentes.
É preciso repensar o mundo em que vivemos, que sociedade queremos para nossos filhos! É preciso aprender com a história, com o passado, corrigir erros e transformar urgentemente a realidade atual, antes que seja tarde!