Volta à Ilha da Magia remando de OC2
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No início do ano brasileiros fizeram história na canoagem polinésia. Marcelo Bosi e seu filho Rudah Bosi, a bordo do lendário veleiro Kotik, tornaram-se os primeiros remadores de va’a da era moderna a realizar uma expedição pela Antártica.
O feito se torna ainda mais importante para o Brasil pelo fato de que a canoa usada foi uma V3 da Life’s a Boat , a Manu Tere, de fabricação 100% nacional.
Marcelo Bosi conta que tudo começou a partir de uma conversa com seu amigo João Paulo Barbosa, renomado fotógrafo e historiador, com trabalhos publicados na National Geographic, entre outras publicações conceituadas.
O fotógrafo acabara de voltar da Antártica e estava fazendo uma exposição em Brasília sobre a viagem.
Bosi, que estava na cidade, conta que foi prestigiar o amigo e, durante uma conversa, João Paulo sugeriu ao remador a ideia de levar uma canoa polinésia para uma expedição ao continente gelado.
“Quando o João Paulo deu a ideia fiquei interessado na hora, mas, ao mesmo tempo, questionei de que forma iríamos realizar isso”, conta Marcelo Bosi.
Foi então que o fotógrafo sugeriu uma conversa com o experiente capitão do veleiro Kotik, Igor Bely, que passou boa parte da vida navegando pelos mares do Sul e já havia feito algumas expedições ao lado do notável Beto Pandiani, um dos maiores velejadores de travessias oceânicas do mundo.
Mais um fato serviu de incentivo para que a expedição se realizasse: em 2020, comemoram-se 200 anos em que o continente antártico foi avistado pela primeira vez.
No entanto, relatos narrados em um mito polinésio contam que um navegador Maori de Raratonga teria navegado sua va’a pela região antártica muito antes, no século 7, aproximadamente na mesma época em que Aotearoa (Nova Zelândia) foi descoberta por esses povos.
As histórias, passadas de geração para geração, falam sobre os feitos de navegadores polinésios que teriam avistado uma terra fria, coberta por montanhas de gelo e habitadas por animais exóticos.
Para o fotógrafo, a presença de uma canoa polinésia ali, remando por aquelas águas gélidas, seria também um manifesto. Uma reinvindicação ancestral por mais respeito a um continente cada vez mais ocupado por países ricos e grandes corporações.
A expedição serviria, portanto, para lembrar que a Antártica é um continente livre, sem pertencer a nenhuma nação, e assim deve permanecer, como um bem de toda humanidade.
Bosi conta que o segundo passo foi levantar verba para conseguir viabilizar a expedição.
Eles montaram um projeto e apresentaram a algumas produtoras. A ideia seria, além das fotos, produzir um documentário sobre a viagem.
Uma produtora se interessou, porém, não conseguiu captação de recursos para viabilizar a empreitada.
No entanto, o capitão Igor Bely manteve o convite e Bosi decidiu encarar o desafio, mas com algumas alterações:
“No início, pensamos em levar uma OC4 e mais duas remadoras e toda a equipe de filmagem. Como não foi possível por falta de verba, optamos por trazer uma V3. Remaríamos eu, meu filho Rudah, de 14 anos e o João Paulo”, relata o remador.
O Brasil teve um papel importante na primeira fase da exploração científica na Antártica, já que servia de parada para abastecimento dos navios que viajavam rumo ao sul.
Em reconhecimento a esse apoio logístico, alguns acidentes geográficos, como ilhas e montanhas, foram batizados com nomes de importantes personalidades da época.
João Paulo, um profundo estudioso da história da Antártica, quis aproveitar a expedição para trazer a atenção a essas toponímias (nomes próprios de lugares e sua origem) brasileiras no continente antártico, que são muito pouco conhecidas e faladas na nossa história.
A ideia seria fazer a circum-navegação das Ilhas Pernambuco e Sampaio Ferraz, além de visitar montanhas como os Montes Rio Branco e o pico Alencar.
A expedição teve seu início em janeiro. Foram, no total, 28 dias embarcados, partindo de Ushuaia, extremo sul da América do Sul, rumo ao continente gelado.
Após cinco dias navegando, o Kotik cruzou o Estreito de Drake, chegando oficialmente à Antártica.
Esse estreito é conhecido por ser um dos piores pontos de navegação do mundo, no entanto, as condições durante a travessia foram muito favoráveis, e o capitão aproveitou a oportunidade para seguir rumo ao sul, explorando áreas menos visitadas.
As primeiras remadas foram feitas com bastante cuidado. A visibilidade não estava muito boa e os ventos, um pouco fortes, demandavam atenção o tempo todo.
Se a canoa virasse, cair naquela água congelante levaria o corpo a um estado de hipotermia com iminente risco de morte se um resgate não fosse feito a tempo.
“Usamos dry suits para remar, que é a roupa mais indicada para esse tipo de condição. Sem eles seria praticamente impossível fazer essa remada por causa do frio, além de ser uma grande imprudência, já que vestido assim já seria um risco cair na água, sem essa roupa, seria praticamente morte certa por hipotermia”, relata Marelo Bosi.
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Marcelo conta que as remadas duravam cerca de 40 minutos. Mesmo equipados com os dry suits, que mantiveram o corpo bem aquecido, a falta de luvas específicas acabou por dificultar a ação.
“Comprei luvas para escalada em montanhas acreditando que elas resolveriam o problema, porém, com a movimentação da remada, à medida que elas molhavam, a mão ia congelando e éramos obrigados a parar”, revela.
Mesmo assim, as remadas foram épicas, culminando com um encontro com baleias que durou mais de uma hora:
“Foi inesquecível. Ancoramos o veleiro em uma das baías com a maior população de baleias da Antártica. Colocamos a V3 na água e fomos nos aproximando com cuidado delas. A adrenalina era forte já que estávamos em um ambiente totalmente selvagem, mas aos poucos fomos relaxando e curtindo a experiência”, conta.
As baleias, por sua vez, também foram aos poucos se aproximando e interagindo com os visitantes:
“São seres extremante inteligentes e educados. Elas se aproximavam, nos acompanhavam e interagiam com a gente. Difícil explicar em palavras o que vivenciamos esse dia. Inesquecível!”, revela Marcelo Bosi.
Estavam na canoa: Marcelo, Samanta, mulher do capitão, e Rudah, que acabara de fazer 14 anos.
“Foi um rito de passagem para Rudah. Pra mim, como pai, foi grandioso viver essa experiência com meu filho. Uma oportunidade única. Desde o contato com a vida selvagem, as focas, os pinguins nas ilhas em que desembarcávamos, à remada com as baleias. Foi algo que fortaleceu muito nossos laços de pai e filho. Uma lembrança que levaremos pra sempre com a gente”, pondera.
E o que muda para um remador de va’a após uma experiência como essa? Marcelo Bosi conta:
“A minha relação com a canoagem polinésia ganhou uma dimensão muito maior após essa expedição. Algo que vai muito além das competições. Sinto que consegui vivenciar o que esses exploradores polinésios sentiram ao navegar por regiões desconhecidas e inóspitas, onde você se sente uma parte minúscula integrada a um todo.
Remamos por lugares onde a natureza ainda está em harmonia e longe do impacto negativo causado pelo homem. Foram duas semanas sem avistar nenhuma outra embarcação além da nossa. Fica também um sentimento de que aquilo deve ser preservado e mantido como está.
Precisamos mostrar que há algo muito maior do que uma medalha ou um título, valores muito mais importantes e com um significado maior do que ficar apegado a conquistas efêmeras.
Além disso, a vontade de buscar novos desafios e experiências diferentes aflorou de uma forma muito forte em mim após essa expedição, e pretendo investir em novos projetos.
A minha relação com o va’a mudou para sempre após essa viagem.”
Marcelo Bosi conta que agora busca apoiadores para colocar essa vivência em um livro voltado ao público infanto-juvenil.
Ele também estuda a realização de um documentário autoral com o material captado durante a viagem. Mesmo com uma equipe enxuta para registrar a viagem, há muitas imagens em vídeo, inclusive de drone, de alta qualidade.
Interessados em fazer parte desses projetos podem entrar em contato com Marcelo Bosi pelo e-mail marbosi@gmail.com, Instagram @marbosi e Facebook / RudahnaAntartica.