A história por trás do handsurf de Alagoas
Nossa colunista, Letícia Parada, traça um olhar sobre a evolução do palmar em Alagoas, criando um estilo ... leia mais
Quando falamos em surfe de ondas grandes, ocorrem pensamentos massivos. “Essas pessoas são loucas?”; ou: “Eles não tem amor à vida?”; ou: “Que falta de ter o que fazer!”.
No entanto, poucos compreendem que ser um big rider é uma profissão de um risco absolutamente alto e que, sim, os surfistas sabem bem disso. Porém, existe todo um preparo específico para que o surfe seja realizado nessas condições. Não basta uma prancha e coragem para lidar com mares enormes.
Felizmente, os big riders brasileiros têm se tornado cada vez mais referência no mundo todo. E isso não é algo recente, uma vez que grandes nomes foram responsáveis por impulsionar a modalidade no Brasil por anos e anos até chegar onde estamos.
Um deles é o experiente potiguar Aldemir Calunga, que surfa ondas grandes desde os seus 15 anos de idade, em Fernando de Noronha.
Hoje, aos 46 anos, Calunga já percorreu o mundo em busca das ondas mais temidas do mundo, como Jaws, Pipeline, Puerto Escondido, Teahupoo, Waimea e tantos outros picos.
Em setembro de 2012, Calunga encarou a morte de perto. Após dropar uma onda em Puerto Escondido, no México, e levar uma vaca, o big rider foi sugado pela massa d’água, sendo arrastado pela prancha, presa a ele pelo leash.
Em meio à turbulência do caldo, foi atingido no rosto com força pela prancha, chegando a perder a consciência. Calunga ficou cerca de seis minutos debaixo d’água, até ser resgatado pelo experiente surfista de ondas grandes e guarda-vidas Marcos Monteiro.
Levado em estado grave para o hospital, Calunga ficou 16 dias na UTI, dos quais, sete dias em estado de coma.
Esse, o entanto, não foi o primeiro perrengue em sua trajetória de big rider.
Aliás, quem deseja surfar ondas realmente grandes, precisa estar sempre preparado para o pior cenário.
No ano de 1999, quando surfava um swell pesado, em Waimea, com séries chegando aos 25 pés, Calunga levou um caldo e passou muito tempo debaixo d’água, durante duas ondas pesadas.
Por mais que nadasse forte para fugir daquele turbilhão de água, o surfista não conseguia emergir para respirar.
“Esse dia foi muito marcante também. Quando eu finalmente consegui chegar à superfície tinha um pessoal que estava na contenção com guarda-vidas. Meu leash tinha estourado e meu nariz estava sangrando porque tinha estourado um vaso. Rapidamente saí do mar para colocar um leash e retornei ao outside”, relata o big rider.
Certo, mas qual a relação entre Aldemir Calunga, leash, ondas grandes e bodysurf? Antes de mais nada, o leash que também é conhecido como ‘strep’ ou ‘cordinha’, é tido atualmente como item básico de segurança para a prática do surfe, mas, no passado, já foi considerado supérfluo.
Calunga lembra que antes da invenção do leash, todo bom surfista era um bom nadador e/ou um excelente mergulhador, além de saber como fazer bodysurf, aproveitando a energia da onda para se deslocar.
Ele garante que a galera daquela época amava levar caldo e que ficava bem à vontade debaixo d’água:
“A cordinha foi criada há décadas, mas o que acontece é que em alguns lugares, como Puerto Escondido, o leash, além de fazer com que a prancha volte no seu rosto, potencializa o risco de que ela se quebre ao meio, por ficar sempre na zona de impacto, atrelada ao surfista”, revela.
A onda de Puerto Escondido é tubular e tão pesada que quebrar pranchas por lá é algo muito comum. Por isso, Calunga afirma que antigamente não “cair” de leash era a prevenção para não se machucar e também não ter a melhor prancha quebrada de imediato.
O surfista ainda diz que quando levava aquele caldo pesado e ficava rolando debaixo d’água, sua grande vontade era deixar o mar, sair de lá e chegar logo na área de conforto: a areia.
“Ao levar a pancada do lip da onda de Puerto eu ficava naquele turbilhão. Então, sempre descia um pouco no nível da água para me proteger porque ali sempre levávamos aquele empurrão da própria água. Era só deixar o corpo suficientemente relaxado para que o mar me projetasse até a beira da praia”, conta.
Inclusive, Calunga recordou-se das dicas de um amigo americano muito querido, que faleceu após ter sofrido uma vaca em Puerto no ano de 2010.
Noel Robinson brincava que quando ondas grandes de 10 a 15 pés subiam à sua frente e não havia alternativa, o melhor era ficar deitado com as pernas para o alto. Pois, nessa posição, seu corpo seria projetado para a praia mais rápido.
“Ele dizia que se transformava em um golfinho fazendo isso e ia até a beira. Algumas vezes eu fiz isso e funcionou mesmo. O Noel fazia isso e dava certo, tanto é que ele conseguia chegar na praia sempre antes da gente”, revela Calunga.
Quando você perde a prancha, seja qual for a situação, você consegue recuperá-la mais rápido se você utilizar as técnicas do bodysurf.
Para Calunga, o surfe de peito sempre foi um aliado. Tanto é que um dos maiores tubos de bodysurf em sua vida foi no México, para sair de um mar com ondas de 10 a 12 pés.
Outro dia memorável foi durante uma session na Ilha da Páscoa, quando Calunga perdeu sua prancha, que foi parar nas pedras.
Raciocinando de maneira inteligente, o surfista potiguar aproveitou enquanto o mar estava no momento de calmaria e nenhuma onda vinha.
Então, surfou de bodysurf até chegar perto das pedras, onde conseguiu recuperar a prancha.
“Tudo isso foi possível por causa do bodysurf. Entendi o tempo que eu tinha que permanecer na onda para poder sair em segurança e nadar entre as pedras, escalar, pegar minha prancha e levar para o penhasco numa área que não tinha onda quebrando. Sem o bodysurf o surf não rende tanto assim em situações como essa porque você acaba ficando limitado”, afirma Calunga.
Mostrando-se totalmente adepto ao surfe de peito como parte da rotina de atleta, o big rider acredita que todo surfista que se preze, que goste de pegar onda boa, tem que ser um bom bodysurfer.
Calunga enfatiza que: “Quanto à aquacidade, condicionamento cardiorrespiratório e resistência, o bodysurf ajuda bastante. É a partir dele que você aprende a lidar com as nuances do mar, os balanços, as correntes de retorno, a onda em si, o jogo do corpo para dar aquela deslizada a mais para você fluir melhor e desfrutar da onda.
Praticando o surfe de peito você entende bem o ambiente e consegue usar a força do mar ao seu favor porque a força do mar é soberana à nós”.
Por fim, como me disse Calunga, para surfar ondas grandes você tem que estar entre os mais preparados, mais saudáveis e resistentes… e ainda assim sua vida estará em jogo.
E nesse ritual é essencial que os surfistas em geral, big riders ou não, incorporem o bodysurf em suas práticas, afinal ele é a base do surfe.
Porque na hora do perrengue, você vai sentir medo e precisará tomar decisões que vão te salvar ou te matar. E talvez tudo o que você mais precise naquele momento, é saber deslizar sobre uma onda com o próprio corpo para recuperar a sua prancha e chegar rapidamente em segurança à praia.
É, nunca vamos vencer o oceano! A natureza é suprema e sempre será assim, portanto, o respeito é primordial. Mas uma coisa é certa: podemos aprender artifícios que vão nos ajudar a evitar fatalidades nesse mar de possibilidades que temos à nossa frente.
Aloha
Letícia Parada
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