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V1RJ 2022, prova exclusiva de canoas polinésias V1, será transmitida ao vivo neste sábado (01) pelo ... leia mais
Olá queridos amigos leitores!
Dando continuidade na nossa coluna, a matéria dessa semana vai ser de um fato que mostra a paixão entre o surf e a canoa polinésia, e como concretizei o sonho de unir os dois esportes que mais amo.
Antes de falar desse caso, deixe-me narrar o fato que me levou à canoagem polinésia para que seja entendido todo o contexto desse Caso e Acaso.
Desde muito novo tive no surf meu contato com o mar, é uma memória que guardo com muito carinho.
Minha primeira prancha comprada no extinto jornal balcão, uma Ricardo Martins, 5’9” no ano de 1990, depois veio uma Spirit 5’1”1 feita pelo Marcio Mundin, irmão do nosso querido remador Ivan Mundin e, a partir daí, inúmeras outras.
O surf me fez ver o mundo. Através das revistas, das fotos viajava em locais como Peru, Panama, Chile, Noronha, o temido e ao mesmo tempo fascinante Havaí, as ilhas polinésias…
E essas viagens, com o passar dos anos, foram se concretizando. Pouco dinheiro e muita disposição para lidar com toda as situações que apareciam, desde ondas grandes até gente querendo tirar vantagem.
Só que havia um porém. Eu era tão viciado (como a maioria dos surfistas é) que quando chegava o verão, época de poucas ondas, ficava em casa sem ter muito o que fazer.
De vez em quando nadava, fazia uns mergulhos, umas trilhas, mas nada substituía o prazer de surfar, nada mesmo.
Até que em 2005, no início do verão, em dezembro, comecei a remar com o mestre Marcelo Depardo, meu primeiro grande professor de Canoa Polinésia.
Com Depardo entendi o va’a na sua essência, com todos os seus ritos, crenças, CULTURA milenar, e, acima de tudo, um profundo respeito aos Oceanos. E aquilo começou a me fascinar! Muito!
Pronto, tinha achado um motivo para ocupar meu tempo em dias de mar flat!
O tempo foi passando, e em 2009 adquiri minha primeira OC1, a Hokule’a.
Tinha lido o livro do Eddie Aikau e ter uma canoa tinha que ser de alguma forma uma homenagem a esse gigante lendário de Oahu, guarda-vidas incrível de Waimea e Sunset e que mudou o conceito de surfar ondas grandes e de resgatar pessoas nas situações mais criticas, tendo a proeza de não perder nenhuma vida durante seus plantões nas areias havaianas.
Com a Hokule’a me sentia livre no mar. Nessa época, ela ficava na Praia Vermelha e como sou de Niterói, comecei a ir para Itacoatiara de canoa para encontrar meus amigos, esperar a Lestada e voltar voando para casa! Oh tempo bom! Tudo ainda sendo descoberto, explorado.
Com o treino, a confiança passou a ser maior e aí um antigo sonho começara cada vez mais a vir na minha mente: Uma Expedição de Canoa levando uma prancha e tudo o mais que precisar para ficar dias no mar!
Mas como? Não havia literatura de como carregar bagagens, como prender as coisas, muito menos como amarrar uma prancha em uma Oc1.
Era tudo muito novo dentro do va’a brasileiro e os atletas estavam muito focados em provas; eu estava focado em ir para longe, para onde eu pudesse sonhar.
Bem, essa era um problema que a gente ia resolver. Mas, primeiro, definir a rota era a prioridade.
A escolha foi sair de Paraty Mirim e chegar em Trindade, um local que passei boa parte da minha juventude surfando, acampando e criando laços de amizade! Pela rota, locais como Martin de Sá, que tanto amo, e lá era o objetivo principal do percurso, Praia Grande da Cajaíba, Ponta Negra, Antigos, Antiguinhos…
Rota definida, era hora de escolher amigos para ir. Chamei minha amiga Sussu Duarte e Eduardo Marins, que foram de Caiaque Oceânico. A Hokule’a havia quebrado e chamei outra pessoa para ir de OC2 comigo, e fomos.
E assim, antes do carnaval, embarcávamos para nossa aventura.
Chegamos em Paraty Mirim e tentamos amarrar a prancha e as coisas todas. Claro que não deu certo né? Acertar de primeira algo novo no mar é muito improvável. Ele não vai te dar essa moleza não (risos), tem que ralar!
No meio do caminho a prancha se solta e aí no meio do mar, sem ter muito o que fazer, recondicionamos as bagagens e fomos arrastando a prancha! Que sufoco!
Chegamos na Praia Grande da Cajaíba pela primeira vez! Bem como pela primeira vez uma canoa polinésia aportava por lá!
Era novidade de lá e de cá! Todos ficaram fascinados com a nova embarcação que até então ainda não havia aparecido ali, e então o sr. Valdomiro gentilmente cedeu uma de suas casas para pernoitarmos e contar os causos daquele lugar ainda tão virgem!
No dia seguinte acordamos antes do amanhecer e passaríamos pela primeira vez pela poderosa Ponta da Juatinga!
O coração explodia com essa expectativa, afinal, era um trecho de navegação contado pelo mestre Amir Klynk como um dos mais sinistros que ele já passara em todos os seus infinitos caminhos pelo mar!
O destino era Martin de Sá! Amarramos as coisas, usamos uma fita de rack para prender a prancha na canoa, e de novo, ao passarmos pela Ponta de Juatinga, a prancha se soltou e foi para o mar.
Logo ali! O pensamento era: “Logo aqui, não acredito!”. Mas mantivemos a calma e de novo fomos rebocando a canoa até Martin de Sá!
Chegávamos ao nosso principal destino da viagem e onde passaríamos dois dias. Era um domingo de Carnaval do ano de 2011.
O sr. Maneco ficou muito impressionado e, ao mesmo tempo, com aquele sorriso típico, que quem o conheceu, sabe, de cantinho de boca, falando assim:
– “Meus ‘fios’, ‘ocês’ são doidos! Que coisa de doido, mas que admiração por vocês quatro! Olha, não precisa montar barraca, fica no rancho dos barcos, mas não acende fogueira que tem gasolina ai dentro!”.
E assim, como um paizão, nos recebeu de braços abertos. Ele, Dona Lorenza… Grandes amigos que hoje brilham como estrelas e guardiões no céu.
Estava chovendo e apesar de ser carnaval em Martin de Sá, estava muito vazio, com alguns amigos de Niterói, Lucas e Pablo, e altas ondas sem ninguém no mar!
Ali vi que valeu a pena todo o esforço, todo aquele perrengue para chegar. Os amigos foram para a trilha, eu fiquei me esbaldando no surf por dois dias inteiros! Literalmente mágico esse momento que nunca me esquecerei!
Depois de dois dias fomos embora. Dessa vez já tinha entendido a hidrodinâmica, porque havia soltado as coisas e fiz uma amarração muito mais consciente.
Tínhamos um paredão de pedras de 8 km, sem desembarque pela frente, até nossa próxima parada: Antiguinhos.
Dessa vez nada saiu do lugar. Encontrei a forma de carregar minhas coisas na canoa polinésia, mas, acima de tudo, achei a minha liberdade de poder remar e surfar em lugares que só de barco se chega, porém, usando o remo como locomoção.
Antes de chegar em Antiguinhos, avistamos um barco de pesca. O rango do jantar seria “macarrão e macarrão”! Olhei para o barco e falei, vou arrumar um peixe para o jantar!
Cheguei no barco e na humildade pedi um peixe para cada um e o pescador, no auto daqueles anos todos no mar, não acreditava no que via:
– “Estão vindo de onde?”
– “De Paraty Mirim, mas agora de Martin, do sr. Maneco”, respondi.
O pescador saiu, foi para o porão e voltou com duas sacolas de peixe! Olhei meio assustado…
– “Ei amigo, não tenho dinheiro para isso tudo!“
E ele responde uma frase que naquele momento encheu minha alma de alegria!
– “Meus fios, vocês são do mar, e para quem é do mar peixe não se vende, peixe se dá! Vai lá, coma tudo e ore por nós, eu orarei por vocês”.
E assim, nós acenamos e partimos. Nunca mais o vi, não sei seu nome, mas sei que foi um anjo de guarda enviado por Deus!
Desembarcamos, fizemos uma fogueira, catamos umas folhas de bananeira e dormimos ali mesmo, na areia, ao luar, saboreando o melhor peixe de nossas vidas!
No dia seguinte remamos até Trindade em um mar de Almirante! Golfinhos surgiram, seres do mar se conectando e dando a benção deles para passarmos. E depois de três horas de remada chegamos em Trindade!
O sentimento era que conseguimos algo para toda a vida! Que aquele tipo de viagem era possível, que navegar de canoa polinésia surfando, correndo atrás de ondas perfeitas na essência da conexão era a coisa mais irada do mundo e que aquilo seria meu propósito na canoa polinésia.
E, de fato, é. Depois disso tudo, levei alguns amigos para viajar comigo ensinando a arte da navegação autônoma, sem barco de apoio, sem pressa, e com muito foco nos detalhes.
Hoje já fiz inúmeras travessias dessa forma, só Angra x Aventureiro foram mais de 10 vezes atravessando, algumas voltas na Ilha Grande, Angra x Ubatuba três vezes, entre outras, em um tempo que não havia mídia. Tudo ficava registrado na memória. Algo que a gente faz pela gente.
“Para se conectar é preciso se desconectar“
No final, descobrimos que para se conectar é preciso se desconectar. É preciso olhar para o horizonte muito mais do que para uma tela de celular.
É guardar os ensinamentos, os erros e acertos que uma viagem em conexão entre os elementos natureza, oceano, canoa, remo, tripulação nos mostra.
É ousar com consciência, um passo de cada vez, pois, ir para o mar sem estar preparado, muitas vezes, é uma vez só.
O oceano nos ensina a cada dia, e uma expedição como a que fizemos foi uma lição atrás da outra, e essas lições a gente ensina para os amigos e amigas que precisarem e quiserem um dia buscar esse tipo de remada, o silencio, o visual, o feeling, seja remando ou remando e surfando!
Na próxima matéria, Quanto tempo leva para ir de A a B? As variâncias que há entre esses dois pontos são o alicerce para um planejamento acurado!
Não perca!
Aloha!
Douglas Moura
Capitão Amador