Salvamento e resgate: aprendizado nunca é demais

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Ubatuba Hoe
Da esq. para dir.: Cabo godoy, Lucas Mion, Fernando Bonfá e Rafael Maciel Fernando Bonfá. Foto: Elisa Hupsel

Fugir da rotina é sempre edificante, mesmo que a gente goste dela. Sair da Zona de conforto pra viver uma experiência diferente, está nos planos de muitos de nós.

Porém, a desculpa do tempo e até da quebra da frequência incessante de treinos, são obstáculos que nos seguram para abrir a mente pra novas vivências. No fim de semana passado, foi o momento de desligar o piloto automático.

Credito também aos nossos ‘desgovernantes’ essa quebra. Em virtude das restrições impostas por conta do aumento de casos da COVID 19, a nossa remada sagrada de fim de semana, no Clube Team Brazil, localizado na represa da Guarapiranga, foi adiada.

“É a voz da ciência”, como dizem alguns políticos tiranetes ‘quarenteiners’ de plantão (qurarenteiner é o apelido que se dá em quem caga regra na quarentena alheia).

Sabemos que a necessidade de evitar aglomerações é primordial no momento, mas impedir o livre arbítrio e tolher a prática de esportes ao ar livre, meu principal alento neste momento de crise pandêmica, reflete a pobre cultura esportiva que vivemos no país.

Sabiamente, a prefeitura de Ubatuba classificou em seu decreto a prática de esportes outdoor como atividade essencial.  Um brinde á esta nesga de sensatez!

Ubatuba após oito anos

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Saída da praia do Itaguá até a deserta praia do Cedro. Foto: Gabriel Ferreira

Dito isso, fui visitar uma cidade em que há oito anos eu não pisava: Ubatuba! A “Capital do surf”, terra que revelou grandes feras da história da modalidade como Felipe e Ricardinho Toledo,  Wigolly Dantas,  Suellen Naraísa, Tadeu Pereira, Zecão Rennó , Josil Mandacarú e tantas outras lendas. 

Morada também do maior fotógrafo brasileiro de Surf do todos os tempos Alberto “Cação” Sodré, que infelizmente nos deixou recentemente.

Porém, a proposta era remar, tentar manter em outra região a rotina de treinos, agora em um dos recortes mais bonitos do litoral brasileiro.

Fui convidado pelo amigo Lucas Mion, diretor do Ubatuba Hoe, um clube que já me chamava a atenção pelo trabalho feito com a base, visto que a faixa etária dos alunos difere um pouco do perfil “Máster/Supermaster” que vemos na maioria dos clubes. 

Lucas vêm conseguindo conquistar a atenção dos mais jovens, parte também pelo seu carisma e pela sua qualidade como educador físico.

O “Bigode mais bonito de Ubatuba”, alcunha que utilizo nas competições, me fez um convite inusitado: participar de um treinamento de salvamento e resgate, ministrado pelo Sr Cabo Godoy, bombeiro do grupamento da cidade e remador do seu clube. 

Treinamento de Salvamento e resgate

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Cabo Godoy ensina técnicas de resgate e salvamento aos remadores. Foto: Gabriel Ferreira

Confesso que à primeira vista, culpa do “piloto automático”, imaginei que aquela atividade complementar poderia dar uma azedada no treino de sábado: ledo engano, foi uma experiência ducaralho.

Após um aquecimento com muitos exercícios de mobilidade, ministrado pelo professor Rafael Maciel, transportarmos as canoas até a água –  com o envolvimento de todos os alunos, que absorveram muito bem o verdadeiro conceito de esporte em grupo, remamos por 4km da praia do Itaguá até a deserta praia do Cedro.

Cabo Godoy iniciou suas explanações em um curso que ainda terá mais três módulos –  pois não dá para aprender algo tão complexo em tão pouco tempo.  

Na parte teórica, um princípio fundamental foi despertado em todos aqueles que estavam presentes:  a necessidade de agir rapidamente, porém com técnica e cautela, para que você, como agente do resgate, também preserve sua integridade. Esse conceito é muito interessante para que uma solução não vire um duplo problema.

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É fundamental que em todo clube de va’a existam pessoas com conhecimentos em técnicas de resgate. Foto: Gabriel Ferreira

Ou seja:  em primeiro lugar, pense em sobreviver, para que você possa estar em plenas condições de salvar a vítima. 

Outros conceitos muito interessantes foram passados: posicionar o corpo da vítima na areia com o lado direito para baixo, pois o pulmão direito é o primeiro a encher de água.

Posicionando do lado contrário, o cenário tende a piorar, pois a água pode se deslocar para o pulmão esquerdo, agravando o quadro da vítima.

Na hora de manipular a vítima, deve-se estar sempre de joelhos, para ter estabilidade caso você sofra uma abordagem brusca de uma terceira pessoa.

Outro conceito interessantíssimo é o de ver, sentir e ouvir; utilizar das suas próprias percepções sensoriais para avaliar o quadro da vítima.

Ou seja, enxergar pra ver se a vítima esboça alguma reação (ver), colocar os dois dedos próximos à carótida para ver se tem pulso (sentir) e checar se a vítima consegue respirar aproximando os ouvidos ao nariz da vítima (ouvir). 

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“Temos que estar minimamente preparados pra uma adversidade, saber calcular os riscos do que fazemos é fundamental”. Foto: Gabriel Ferreira

O momento do resgate na água deve ser feito em caráter de “fator surpresa”, pois uma vítima em desespero age de forma instintiva e pode te puxar pra baixo e te afogar junto com ela. Por isso, o agente do resgate deve segurar a vítima pelas costas, tranquilizá-la e nadar até o ponto de terra.

A hora da parte prática também requer fôlego e condicionamento físico – ledo engano deste que vos escreve que a atividade física não seria intensa. 

Confesso que fiquei tão empolgado que pedi pra repetir o movimento diversas vezes, deu até pra sentir um milésimo da adrenalina que estes bravos homens do Corpo de Bombeiros sentem em seus momentos extremos de trabalho. 

Saí dali ainda mais admirado pelo trabalho destes heróis, que dedicam as suas vidas pra salvarem as nossas.

Saí dali também com a percepção de que este tipo de aprendizado é fundamental para todos nós que navegamos por águas doces e salgadas.

Muitas vezes por estarmos tão acostumados à nossa atividade de remada por conta da rotina, que esquecemos que os riscos existem, por menores que sejam. 

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Claro que uma boa remada não poderia faltar. Foto: Gabriel Ferreira

Temos que estar minimamente preparados pra uma adversidade, saber calcular os riscos do que fazemos é fundamental.

Passei a repensar muitos conceitos após este dia. E espero que esta iniciativa do Ubatuba Hoe seja um exemplo a ser seguido por todos os clubes espalhados pelo país.

Não sou a favor de obrigatoriedades impostas por autoridades públicas, mas como navegante me senti no dever de aprender mais sobre esses conceitos. Se todos fizerem a sua parte, assim como nesta crise pandêmica, poderemos transformar o ambiente em que vivemos num local mais seguro.

Domingo de V3 e muitas risadas

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No domingo, uma remada longa de V3 e muitas risadas, com os amigos Maick Wallace e Elisa Hupsel, com direito a observação de golfinhos “toninhas”. Foto: Gabriel Ferreira

Para finalizar, domingo foi um dia de remada longa de V3 e muitas risadas, com os amigos Maick Wallace e Elisa Hupsel, com direito a observação de golfinhos “toninhas” e também do privilégio de enxergar o line up da famosa praia de Itamambuca sob outro ângulo, o da canoa.

Maick é um grande empreendedor que teve seu comércio fechado por conta das restrições pandêmicas, mas teve nesta remada seu grande alento pois há meses não treinava.

Tive também mais um aprendizado neste momento de crise pandêmica e monetária:  as amizades que nosso esporte constrói são mais valorosas do que muitas cifras em polpudas contas bancárias.

Dinheiro é bom? Sim, mas não é tudo nesta vida. Estar vivo e cercado de pessoas boas é o que realmente importa.

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