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Durante a última edição do Aloha Spirit TV, Sergio Prieto, integrante da equipe Samu, destacou a importância das competições tradicionais de va’a, como a Molokai Hoe e a Hawaiki Nui Va’a, no cenário internacional do esporte, afirmando que elas são mais prestigiadas do que o Campeonato Mundial da Federação Internacional de Va’a (IVF), tanto pelo nível técnico dos competidores, quanto pelo que representam diante da comunidade da canoagem polinésia.
Alguns dias após a exibição da entrevista, que você pode concluir na íntegra, em nosso canal do YouTube, Aloha Spirit Midia, um internauta, que pediu para não se identificar, entrou em contato comigo para perguntar se eu concordava com a afirmação de Prieto.
Mais do que concordar com o remador da Samu, vi nessa indagação uma oportunidade para esclarecer alguns pontos que talvez não tenham ficados muito claros durante a entrevista. Competições tradicionais, como a Molokai Hoe e a Hawaiki Nui Va’a, possuem um prestígio especial por uma combinação de tradição cultural, desafio extremo e reconhecimento comunitário, que supera o impacto do Campeonato Mundial da IFV.
Obviamente não se trata de diminuir a importância dos eventos organizados pela Federação Internacional de Va’a, que desempenham um papel fundamental no fomento e na internacionalização da canoagem polinésia. No entanto, é importante contextualizar esses campeonatos em relação às competições tradicionais, entendendo as particularidades e os diferentes pesos simbólicos que cada um ocupa dentro da modalidade. A seguir, explico os principais fatores e peculiaridades entre esses eventos:
Molokai Hoe e Hawaiki Nui Va’a estão profundamente enraizadas na cultura polinésia, sendo muito mais do que apenas competições esportivas. A va’a (canoa polinésia) carrega uma história de ancestralidade, espiritualidade e navegação tradicional, práticas centrais para povos como os havaianos, taitianos e maoris.
Essas corridas reforçam identidades culturais e valorizam saberes tradicionais, como a habilidade de navegar por longas distâncias no oceano. Assim, ganhar essas provas é visto como uma honra maior, refletindo a continuidade de uma tradição milenar.
Em comparação, o Campeonato Mundial da IVF foca em equipes de diferentes nacionalidades, muitas das quais não possuem uma ligação histórica profunda com a va’a, diluindo o componente cultural.
A Molokai Hoe é uma das competições mais desafiadoras do mundo, com 65 km de remada pelo perigoso Canal Ka’iwi, conhecido por fortes correntes e ondas imprevisíveis.
A Hawaiki Nui Va’a, realizada no Taiti, é uma prova ainda mais longa, com mais de 128 km distribuídos em três dias, atravessando várias ilhas e enfrentando condições oceânicas difíceis. A logística e resistência exigidas nesses eventos são brutais.
Por outro lado, o Campeonato Mundial da IVF ocorre em locais variados (lagos, rios ou mar) e, apesar de técnico, não tem o mesmo nível de perigo e desafio físico extremo das travessias de Molokai ou Hawaiki Nui.
A vitória na Molokai Hoe ou na Hawaiki Nui Va’a tem uma carga simbólica importante. No Pacífico, equipes vencedoras são celebradas como guardiãs das tradições ancestrais e conquistam respeito em suas comunidades e entre outros remadores.
Essas competições atraem a elite da va’a, especialmente times do Taiti e do Havaí, que possuem a tradição e técnica mais refinadas no esporte. Assim, vencer nesses eventos é considerado o auge da carreira de um remador.
Em contraste, o Campeonato Mundial da IVF segue um formato mais padronizado e busca ampliar a participação internacional, o que, apesar de importante, não carrega o mesmo peso cultural ou o prestígio de vencer um evento com raízes tão profundas na Polinésia, razão pela qual os maiores nomes do esporte priorizam a participação em competições como a Molokai Hoe e Hawaiki Nui Va’a.
Tanto a Molokai Hoe quanto a Hawaiki Nui têm histórias lendárias e são acompanhadas por uma aura de reverência e superação, algo que foi se construindo ao longo de décadas. A primeira edição da Molokai Hoe aconteceu em 1952, e a Hawaiki Nui nasceu em 1992, mas ambas rapidamente se tornaram ícones do esporte.
A IVF, apesar de desempenhar um papel importante na promoção do va’a internacionalmente, carece desse tipo de narrativa épica e não possui o mesmo apelo emocional. O foco maior em regulamentos padronizados e categorias múltiplas acaba por diluir o sentimento de singularidade e desafio heroico que distingue as outras competições.
Molokai Hoe e Hawaiki Nui Va’a são mais prestigiadas porque não são apenas competições: são celebrações da história e cultura polinésia, além de oferecerem desafios oceânicos únicos. Esse contexto cultural e o reconhecimento local superam a dimensão mais esportiva e técnica do Campeonato Mundial da IVF, que, apesar de relevante, ainda não carrega o mesmo peso simbólico ou histórico.
Tanto a Molokai Hoe quanto a Hawaiki Nui Va’a contam com um aparato de comunicação robusto, envolvendo assessorias de imprensa especializadas e parcerias com emissoras de televisão que garantem a transmissão ao vivo das provas. Esses eventos recebem ampla cobertura midiática, com entrevistas e documentários que ampliam a visibilidade global e geram engajamento não apenas entre praticantes, mas também entre o público em geral.
Por outro lado, o Campeonato Mundial da IVF enfrenta limitações orçamentárias e ainda utiliza uma comunicação mais modesta e descentralizada. Muitas vezes, a divulgação é feita por meio de redes sociais das próprias equipes e da federação internacional, com transmissões online sem o mesmo alcance ou profissionalismo das grandes provas polinésias. Essa diferença na estratégia de comunicação contribui para que o público e patrocinadores atribuam maior prestígio aos eventos como a Molokai Hoe e a Hawaiki Nui, razão pela qual super equipes, como a Shell Va’a, por exemplo, nunca participaram de uma competição mundial da IVF.
Por fim, o contexto cultural é o que torna a canoagem polinésia um esporte único no mundo, carregando tradição, identidade e desafios que transcendem a competição. Por isso, eventos tradicionais como a Molokai Hoe e a Hawaiki Nui Va’a continuarão desfrutando do prestígio que conquistaram ao longo dos anos. No entanto, dentro desse cenário, a IVF exerce um papel essencial ao expandir as fronteiras da modalidade, levando a va’a a novos lugares e nações. Assim, a federação cumpre a importante missão de fomentar a prática internacionalmente, garantindo que a canoa encontre espaço para florescer ao redor do mundo.