“Waterman”, filme sobre Duke Kahanamoku, abre festival em Ubatuba
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Até o ano de 1595, a região da Polinésia, que compreende uma área de 298.000 km² do oceano pacífico onde se encontram ilhas e arquipélagos, permaneceu isolada do resto do mundo, quando então o navegador espanhol Álvaro de Mendaña de Neira encontrou as ilhas Marquesas, que hoje fazem parte da Polinésia Francesa.
Nos anos seguintes, outras ilhas da Polinésia foram encontradas e mapeadas, contudo, devido à escassez de recursos minerais ou geológicos, a exploração da região por navegadores europeus (cujo interesse principal era econômico) foi pouco mais do que uma curiosidade passageira.
Até que, no século 18, capitão inglês James Cook tornou-se o primeiro a efetivamente tentar explorar o máximo possível da Polinésia, vendo ali um potencial logístico de muita valia na rota entre ocidente e oriente, via Pacífico, principalmente com o início da mercantilização do óleo de baleias, abundantes naquela região.
A partir dos seus diários de viagem, a civilização ocidental passou a ter contato com a aquela cultura e seus “exóticos passatempos”, como o surfe e o va’a, representando formas de interação dos nativos com o mar e as ondas.
Mas nos anos que se seguiram, essas atividades eram retratadas como nada mais do que passatempos frívolos e inúteis. Conceito reforçado pela nova lógica capitalista que tomou conta das ilhas com a chegada dos colonizadores e seus novos hábitos e visão de de mundo.
Somente no final do século XIX essa atividades passariam a chamar a atenção de escritores e intelectuais, que não apenas deram início ao longo processo de revitalização da cultura polinésia antiga, mas, também, se tornaram alguns dos primeiros “haoles” a experimentar a sensação de deslizar pelas ondas.
Os escritores Mark Twain e Jack London podem ser considerados os primeiros escritores a entender o surfe e a cultura polinésia e, de certa forma, pavimentaram o caminho para que Duke Kahanamoku popularizasse o surfe e a cultura polinésia ao redor do mundo.
Leia abaixo alguns desses maravilhosos relatos.
Escritor norte-americano e crítico do racismo. É mais conhecido pelos romances “As aventuras de Tom Sawyer” (1876) e, principalmente, pela sua sequência “As aventuras de Huckleberry Finn” (1885), este último frequentemente chamado de “O Maior Romance Americano”.
Twain conheceu o surfe em 1872, enquanto visitava o que era então o Reino do Havaí.
Em seu diário de viagem semi-autobiográfico, “Roughing It”, que serviu de prévia para seu primeiro livro, “A Viagem dos Inocentes”, ele escreveu:
“Em um lugar encontramos uma grande companhia de nativos nus, de ambos os sexos e de todas as idades, divertindo-se com o passatempo nacional do banho de surfe.
Cada pagão remaria a trezentos ou quatrocentos metros para o mar (levando consigo uma prancha curta), depois esperaria uma onda particularmente prodigiosa; no momento certo, lançava a prancha sobre a crista espumosa e ele próprio sobre a prancha, e ali passava zunindo como uma bomba!
Não parecia que um trem expresso pudesse disparar a uma velocidade mais arrepiante. Tentei tomar banho de surfe uma vez, posteriormente, mas não consegui.
Coloquei a prancha no lugar certo e no momento certo também; mas perdi a conexão. A prancha atingiu a costa em três quartos de segundo, sem carga, e eu bati no fundo na mesma hora, com um par de barris de água em mim. Ninguém, a não ser os nativos, domina completamente a arte do banho de surfe.”
Jornalista, escritor e ativista social norte-americano, Jack London foi um dos primeiros romancistas a tornarem-se uma celebridade mundial somente com suas histórias.
Entre suas obras mais conhecidas, estão “O chamado da natureza”, “Caninos brancos” e “O Lobo do Mar”.
Em 1907, London escreveu sobre a experiência de ter observado crianças nativas surfarem na praia de Waikiki, no Havaí, enquanto navegava pelo Pacífico à bordo de um veleiro.
Em “O cruzeiro do snark”, o escritor descreveu o surfe da seguinte forma:
“E de repente, lá fora, onde um grande volume de água fumante ergue o céu, erguendo-se como um deus do mar da confusão de espuma e de um branco agitado, na crista vertiginosa, derrubada, saliente e decadente, precária aparece a cabeça escura de um homem.
Rapidamente ele se levanta através do branco correndo. Seus ombros negros, seu peito, seus lombos, seus membros – tudo é projetado repentinamente na visão de alguém.
Onde, no momento anterior, havia apenas a ampla desolação e o rugido invencível, agora há um homem, ereto, cheio de estatura, sem lutar freneticamente naquele movimento selvagem, não enterrado, esmagado e golpeado por aqueles poderosos monstros, mas de pé sobre todos eles, calmo e soberbo, equilibrado no cume vertiginoso, os pés enterrados na espuma agitada, a fumaça salgada subindo até os joelhos, e todo o resto no ar livre e na luz do sol, e ele está voando pelo ar, voando para a frente, voando rápido como a onda em que ele está.
Ele é um Mercúrio – um Mercúrio moreno.”
As crianças polinésias fizeram o surf parecer simples para o escritor que, fascinado, tentou, sem sucesso, correr uma onda em pé.
Foi então que Alexander Hume Ford aproximou-se de London para prestar-lhe ajuda.
As dicas, muito bem-vindas, ajudaram o escritor a então surfar sua primeira onda:
“’Saia dessa prancha’, disse Ford. Olhe para o jeito que você está tentando montá-la! Pegue minha (prancha). É do tamanho certo para um homem.
… E dentro de meia hora eu era capaz de começar a surfar sozinho. Fiz isso várias vezes, e Ford aplaudiu”, descreveu London, naquele que é considerado o primeiro relato sobre a arte de correr ondas escrito em primeira pessoa.
E enquanto Twain comportou-se como um outsider descrevendo uma cultura exótica pela qual ficara fascinado, London mergulhou fundo na cultura polinésia de correr ondas.
Na temporada em que permaneceu em Oahu, o escritor passou a surfar constantemente e, inclusive, ajudou a salvar uma turista que estava se afogando em Waikiki.
Alguns anos mais tarde, outros escritores consagrados, como Tom Wolfe e Agatha Christie, também escreveriam sobre o surfe, mas London e Twain foram os pioneiros.
Uma curiosidade final foi o fato de que apoiado por London, Alexander Hume Ford formaria, pouco tempo depois, o Outrigger Canoe Club, primeiro clube de canoa havaiana da história, e considerado um marco no renascimento do surfe e da cultura de praia havaiana.