1ª Expedição Aloha Spirit Ilhabela entre as novidades do final de semana
A Expedição Aloha Spirit Ilhabela será uma das grandes novidades preparadas pelo festival de water sports ... leia mais
No final da tarde do dia 6 de fevereiro, uma quarta feira, me vi desembarcando no píer da pequena cidade de Barra Grande, na Bahia, depois de um longo dia de viagem que incluiu duas enfadonhas pernadas de avião, duas horas de carro e trinta minutos de lancha. Não obstante o cansaço da jornada, naquele momento senti aquele choque cultural revigorante típico dessas mudanças bruscas que só as viagens são capazes de nos proporcionar.
Saí de Curitiba de manhã cedo debaixo de um céu cinzento e chuvoso e, agora, ali estava a Bahia, na sua melhor forma: ruas de areia, pessoas andando descalças, céu azul, coqueiros com suas folhagens dançando ao vento, casinhas simples e simpáticas a cada esquina.
Estava ali pra participar de uma expedição de quatro dias remando de canoa havaiana pelas praias e estuários da região, proposta pelo amigo Alexandre Manzan, de Brasília.
Logo mais, no começo da noite, encontrei-me com os demais membros do grupo pra compartilhar uma pizza. Ao todo éramos dez pessoas, sendo quatro mulheres. O capitão da embarcação que remaríamos era o Marcelo Bosi, morador local, oriundo de Brasília, e também, juntamente com o Manzan, organizador da empreitada.
Senti que o grupo teve uma boa sintonia. As meninas já se conheciam de remar juntas em Brasília, onde o Marcelo conduziu, por algum tempo, uma escola de remo Va’a (como também é conhecida a Canoa Havaiana). Isso já deu ao grupo uma identidade base.
O dia seguinte foi dedicado aos ajustes finais de equipamentos e logística. Aproveitando o cenário inspirador, no meio da manhã saí pra uma corridinha na praia na companhia dos colegas de expedição.
No final da tarde tive meu primeiro contato com a canoa. Reunimo-nos na praia para fazer um briefing da viagem e o Marcelo me deu uma instrução básica sobre essa que era, para mim, uma nova modalidade de remo. Aproveitamos que estávamos reunidos e fizemos uma remada de uns trinta minutos, pra ver como o grupo se adaptava à dinâmica.
Utilizaríamos duas canoas, uma para seis pessoas (OC 6) e uma para quatro (OC 4), unidas por duas travessas de madeira amarradas com tiras elásticas, formando, assim, uma espécie de catamarã.
Pra mim era uma completa novidade remar esse tipo de embarcação, e, por isso, tinha, naturalmente, dúvidas sobre como me adaptaria à demanda: será que estaria à altura do esforço físico exigido? Será que me adequaria bem à dinâmica da remada em grupo? E o balanço do mar?
A ideia era fazermos uma viagem no estilo expedição, de forma autônoma (sem barco de apoio), percorrendo em torno de 100 km de mar e estuários nos próximos quatro dias, pernoitando em praias desertas e vilas de pescadores pelo caminho. Os planos eram inspiradores, mas como seria a realidade dos fatos?
Em função do estudo da maré e dos ventos predominantes na região, o Manzan e o Marcelo marcaram a saída para as seis horas da manhã do dia seguinte. Para isso, pouco depois das cinco estávamos na praia, carregando o material e fazendo os ajustes finais.
Antes de partir, reunimo-nos em círculo e o Marcelo conduziu uma concentração para o início da jornada. Com o sol nascendo no horizonte, uma brisa suave acariciando nossos rostos e as ondas do mar ali do lado a entoar aquele marulhar sagrado, foi um belo momento, em que se percebia a excitação e a sintonia de cada um pelo que estávamos prestes a iniciar.
Remos n’água! Partimos. O Marcelo, como capitão do barco, ficou no leme, no último assento da OC 6, de onde conduzia a direção a ser seguida e fazia constantes observações sobre o ritmo e técnica da remada. Do meio da embarcação outro remador se encarregava de ditar o ritmo das mudanças de lado da remada, que acontecia a um ciclo de dez a doze repetições.
Muito bacana essa dinâmica. Além do ato de remar em si, era necessário sentir o impulso do barco à frente a cada apoio dos remos na água, e movimentar o corpo em sintonia com essa energia. É uma atividade que requer alto nível de concentração. Não há conversas entre os remadores e a atenção não pode ficar dispersa.
Comparando com o caiaque, com o qual tenho um pouco de experiência, há grandes diferenças: a posição parece um pouco mais confortável, pois senta-se num ângulo mais natural e o espaço para movimentar as pernas não é tão apertado; a mecânica da remada parece ligeiramente mais amigável, talvez pelo fato de ser um trabalho em grupo, o que dá uma consciência de inércia mais animadora; a necessidade de concentração é bem maior, pois qualquer distração compromete o ritmo do grupo ou mesmo o momento certo de entrar com o remo na água. No final das contas, cada modalidade tem suas virtudes e exigências próprias.
A pernada prevista rendeu muito bem. Cumprimos os 27 km até nosso destino do dia, uma vila de pescadores na Ilha de Boipeba, sem desembarcar, em pouco mais de três horas.
O restante do dia foi empenhado em conversa fiada, reidratação, alimentação, descanso e, no final da tarde, uma caminhada ao alto de um morro próximo pra contemplar a paisagem e o belo pôr do sol sobre o horizonte distante. Pernoitamos numa pousadinha local, com uma sútil sensação de que o mundo todo balançava levemente pra lá e pra cá, no ritmo da canoa.
No segundo dia da expedição contornaríamos toda a Ilha de Boipeba pelo estuário que a circunda, e para tentar nos adequar ao ciclo da maré enchente e vazante nesse sistema, acordamos cedo e às sete horas já estávamos com o barco na água. Pouco depois entramos no estuário e o ambiente em volta mudou totalmente. Superfície lisa, calmaria ao redor e margens próximas. A maré, no entanto, não ajudou, conforme se esperava. Estava de neutra a levemente contra.
Às onze horas paramos num barco-plataforma ancorado no meio do rio e desembarcamos para degustar ostras frescas e água de coco gelada. Paradinha bem revigorante.
Umas três horas depois deixamos o estuário pra trás e retornamos ao balanço do mar, junto à Vila de Velha Boipeba. As praias que se seguiram pareciam cena de filme. Águas ora transparentes, ora verde-esmeralda, temperatura agradabilíssima, coqueiros a perder de vista na costa e um céu perfeitamente azul sobre nós. Uma bênção.
No começo da tarde paramos numa praia um tanto movimentada pra descansar um pouco e, aproveitando a oportunidade, almoçamos uma deliciosa lagosta grelhada no restaurante local, com direito a música ao vivo e aquela sensação de se sentir em outro planeta.
Como estávamos próximos do destino previsto para o dia, retornamos aos remos sem pressa, e fomos aproveitando as piscinas naturais do caminho, com mergulhos ocasionais naquelas águas incrivelmente cristalinas. A certa altura encontramos um barco de pescadores e o Bernardo, um dos nossos colegas, negociou a compra de um belo dourado, com planos de prepara-lo para o jantar.
Por volta das cinco da tarde chegamos ao Pontal do Bainema, onde pernoitaríamos. O local era uma praia isolada do vilarejo mais próximo e contava com a estrutura de um bar, camping e banheiros, além da calorosa receptividade dos cuidadores do lugar.
Embalados por boa música e boas vibrações, montamos nosso acampamento e dedicamos as horas seguintes a bater papo e curtir a peculiar paz daquele cantinho do planeta.
O Bernardo empenhou-se em preparar e assar o seu dourado em folhas de bananeira na fogueira, que foi degustado por todos mais tarde, com indisfarçável entusiasmo, acompanhado de vinho branco, queijos, azeitonas e outros petiscos que apareceram na hora.
Sentamo-nos em volta da fogueira, depois do jantar, pra trocar ideias sobre os temas propostos pelo Manzan para a viagem – o idílico conto “Walden”, de Henry David Thoreau, e a emblemática expedição de Shackleton à Antártica, em 1914.
Essa combinação de fatores fizeram dessa uma noite realmente muito especial. É difícil ficar melhor do que isso…
Mais tarde, entretanto, toda a euforia do momento foi desafiada quando o Bernardo teve um inusitado acidente com um copo quebrado, que caiu sobre o seu pé num ângulo exato para provocar um profundo corte sobre um dos seus dedos. Passado o susto inicial, verificou-se que a extensão do ferimento demandava uma sutura, caso contrário poderia causar uma inflamação no local ou, no mínimo, uma inconveniente dificuldade de cicatrização.
Isso seria um problema num local isolado como aquele, se não contássemos com as habilidades cirúrgicas do nosso líder de expedição, Manzan, que prontamente sacou seu kit de primeiros socorros padrão profissional e se dispôs a dar os pontos necessários no pé do nosso amigo. Tarefa essa cumprida no balcão do barzinho local, com atenta plateia, algumas cervejas e uma bela lua por testemunha. No final deu tudo certo.
No dia seguinte, refeitos do choque do momento e comentando o acontecido, perguntaram ao Manzan onde ele tinha aprendido a fazer sutura. “É que leio muito” – foi sua resposta, que arrematou de vez a proeza do ousado procedimento da véspera.
O clima de festa da noite anterior custou-nos certo tempo pra engrenar as coisas na manhã seguinte. Somente às onze horas da manhã colocamos os remos n’água, retomando nossa viagem.
Cerca de quarenta minutos depois um forte estalo tirou todos da profunda concentração em que nos encontrávamos. De imediato percebemos que algo havia quebrado. Uma rápida inspeção nos mostrou que uma das hastes que unia as duas canoas havia rompido. Por sorte, foi bem embaixo de um ponto de amarração, o que evitou uma possível desestabilização da embarcação.
Estávamos bem distante da costa e numa situação de mar não muito tranquila, digamos assim. O Marcelo e o Manzan agiram rápido e fizeram uma nova amarração na haste danificada, aliviando a parte que quebrou do esforço que se submetia a ela.
Assim tocamos mais meia hora até uma praia próxima, onde paramos pra fazer um conserto mais firme e eficiente. O pequeno incidente serviu para nos alertar que estávamos em uma embarcação que exercia um constante esforço pra se contrapor às forças também constantes do mar em volta, e que nesse tipo de ambiente não se pode descuidar em momento algum, sob pena de se ver numa eventual enrascada de uma hora pra outra.
No começo da tarde iniciamos uma longa travessia, distante da costa, até uma ilha que, inicialmente, nem víamos de onde estávamos. Foram quase três horas sobre um mar turbulento, chacoalhando incessantemente, com aquela sensação de não sentir o progresso do barco.
Mas aos poucos fomos vencendo a longa distância e acabamos chegando à Ilha de Quiépe, aonde fizemos uma rápida parada técnica e, em seguida, rumamos para o nosso destino do dia.
No final da tarde, já com o sol adernando no horizonte, entramos num pequeno rio e poucos metros depois chegamos a um verdadeiro oásis, uma casa situada num lugar isolado e paradisíaco, cuja moradora, Andréa (previamente avisada), nos recebeu super bem e nos deixou totalmente à vontade.
Contou-nos histórias de sua vida pessoal, em extensas e animadas conversas, e mais tarde preparou-nos uma iguaria finíssima, polvo grelhado de entrada, com risoto de polvo como prato principal (e ainda pudim de leite como sobremesa). Foi a chave de ouro de um dia longo e fisicamente cansativo. Todos se recolheram cedo às barracas, montadas em volta da casa, para uma merecida e silenciosa noite de sono.
No quarto dia da expedição retornaríamos a Barra Grande, nosso ponto de saída. Como estávamos a aproximadamente apenas dez quilômetros do nosso destino, acordamos sem pressa e fomos arrumando as coisas aos poucos. Às dez horas despedimo-nos da nossa anfitriã, declaradamente emocionada com a nossa visita, e colocamo-nos no nosso caminho.
O trajeto, por dentro da baía de Camamu, não exigiu maiores esforços. Pouco depois das onze horas estávamos de volta ao nosso ponto de saída, na praia de Barra Grande. Missão cumprida!
Reunimo-nos novamente em círculo pra agradecer pela sorte de termos podido fazer aquilo a que nos propusemos, e por estarmos todos bem. É indescritível a sensação de satisfação em concluir uma expedição como essa. Sob todos os aspectos foi muito bacana!
A Bahia realmente tem uma personalidade muito marcante e cativante. Pra usar um termo popular nos dias atuais, é uma terra “good vibes”, que nos faz relembrar que não adianta mesmo correr freneticamente de um lado para o outro, em busca sabe-se lá de que, e que tudo de que precisamos, muitas vezes, nós já temos. O que é necessário é diminuir o ritmo pra perceber e aproveitar.
Cabe destacar ainda o cuidadoso trabalho do Alexandre Manzan e do Marcelo Bosi em organizar essa expedição e proporcionar a nós, que nos dispusemos a participar, toda a infraestrutura, segurança e conhecimento necessários para que entrássemos apenas com a disposição em remar e curtir a trip. Assumir a responsabilidade de conduzir uma expedição como essa não é pra qualquer um.
Vale ressaltar também a admirável habilidade e paixão do Manzan em montar e executar a expedição, indo muito além do processo meramente organizativo. Sua preocupação em compartilhar e ensinar técnicas de orientação com bússola e em propor e discutir temas filosóficos nos vários momentos de conversa atestam que esse tipo de viagem é muito mais do que apenas percorrer um roteiro ou cumprir uma meta. É, em essência, uma lição de vida.
A interação entre os colegas de expedição e com moradores locais foi também um ponto alto desses dias especiais que passamos aconchegados à mãe natureza. Trocar ideias e experiências, bater papo furado, rir de brincadeiras inocentes, respeitando cada um, é uma vivência que não tem preço.
Força sempre.
Gratidão!
Observações:
Meu muito obrigado a todos os amigos que participaram dessa expedição, pela companhia, pelos bons momentos, pela disposição de viver a vida com plenitude. Aloha!
Para conhecer os projetos realizados e acompanhar o Manzan, visite o site: alexandremanzan.com.br e o instagram @alexandremanzan
Saiba mais sobre o trabalho de Sidnei Assis visitando seu blog pessoal: sidneiassis.blogspot.com.