
Tríplice Coroa | Balanço da W2, tempos e ranking final
Em mais um dia de condições excelentes de prova, W2 encerra a temporada de disputas da Tríplice Coroa de ... leia mais
A canoa polinésia é, antes de tudo, um esporte coletivo. Mais do que técnica ou força, ela exige harmonia, sintonia com a natureza e respeito à cultura ancestral que a sustenta. No entanto, quando o ego de um remador entra na embarcação, a dinâmica muda, e não para melhor. O ego inflado pode contaminar treinos, minar a energia do clube e, curiosamente, costuma aparecer logo no início da jornada, quando o atleta mal compreendeu 10% daquilo que constitui a essência da remada.
É crucial diferenciar: confiança se constrói com conhecimento e entrega; o ego se alimenta de fantasias. O remador egóico acredita que já domina tudo, um fenômeno explicado pelo efeito Dunning-Kruger, onde a pouca experiência leva à superestimação do próprio conhecimento. Na prática, ele começa a se comparar com atletas mais avançados sem entender os degraus percorridos, a corrigir colegas mais experientes, ignorar o treinador e querer liderar sem bagagem. Ele dominou o básico e os primeiros elogios alimentam sua vaidade, mas ele ainda não compreende a complexidade da leitura do mar, da cadência, do ritmo e, principalmente, do movimento correto. Ele não sabe o quanto ainda não sabe.
O ego de um único remador não afeta apenas seu desempenho; ele gera ondas que desestabilizam a todos. Atitudes como não aceitar correções, fazer comentários desnecessários ou desprezar orientações criam uma desarmonia silenciosa. Esse ruído é interpretado pelos colegas como arrogância e desrespeito, afetando a fluidez da remada, a moral do time e a autoridade da liderança. Se não houver intervenção, o clube inteiro desacelera sua evolução, não pela técnica, mas pelo clima emocional contaminado.
Esse é aquele remador que se impõe como guia, mesmo sem preparo técnico ou aval do clube. Corrige sem ser chamado, orienta de forma errada, tenta comandar o ritmo da equipe e do treino mesmo não tendo o mínimo de conhecimento para isso. Atrapalha os treinos não seguindo as orientações e fazendo o que acha certo na sua visão.
À primeira vista, parece alguém comprometido. Mas, na prática, essa conduta deslegitima os líderes reais, gera confusão na comunicação, instala uma disputa por influência e, atrapalha todo um planejamento que ele mesmo nem se dá conta.
A responsabilidade de conter o ego não é apenas dos colegas. Treinadores e líderes têm um papel essencial. É fundamental estabelecer uma cultura clara desde o início, onde o respeito ao grupo e a abertura ao aprendizado são inegociáveis. O feedback deve ser direto, firme, mas sempre construtivo e individualizado, mostrando como a atitude afeta o coletivo.
Uma maneira prática de oficializar isso é criar um Código de Conduta. Definir princípios sobre respeito, escuta e posturas não toleradas transforma “avisos do treinador” em uma política do clube, conhecida e validada por todos.
Na cultura havaiana, a canoa (wa’a) é sagrada, uma extensão da comunidade. Ao entrar nela, o remador deve deixar seu ego de lado e se conectar com a ancestralidade, o mar e os colegas. Princípios como pono (retidão) e lokahi (harmonia) ensinam que o caminho do verdadeiro remador é a humildade. A performance individual só vale quando está a serviço do coletivo. Quem rema “sozinho” dentro de uma equipe, mesmo com força, atrapalha mais do que ajuda.
Cuidar do ego do remador é mais do que disciplina: é um ato de preservação do espírito da canoa. Remadores com ego elevado não precisam ser eliminados, mas convidados à maturidade. A canoa funciona como um espelho, revelando nosso ritmo, nossa escuta e nossa entrega. Se você é remador, treinador ou apaixonado pelo esporte, comece a refletir sobre os sinais de ego à sua volta. Mas, acima de tudo, olhe para dentro de si. É aí que a verdadeira mudança começa.