A história de Nick Gabaldon, o primeiro surfista afro-americano
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Às vezes uma pessoa nasce predestinada e persegue seu destino mesmo que a maré tente levar para o lado contrário. Assim tem sido a história do jovem Eduardo Gadelha, um dos maiores talentos da nova geração da canoagem polinésia brasileira dos últimos tempos.
Eduardo é filho de pais retirantes do interior da Paraíba que vieram para o Rio em busca de um futuro melhor para construir sua família. Quando chegaram no Rio tinham pouco dinheiro e foram morar em uma favela na cidade de Niterói. Lá tiveram seus filhos, Eduardo e sua irmã mais nova Carol, e os criaram com muito carinho e dignidade.
Há poucos anos, o pai de Eduardo recebeu um convite para ser porteiro de um prédio residencial no bairro da Urca, na zona sul do Rio de Janeiro. A família toda o acompanharia nessa nova fase e também morariam no edifício, que oferecia um apartamento para o porteiro.
Mesmo com nova situação de estabilidade do trabalho do pai, ainda foi preciso que sua mãe contribuísse com a renda familiar, e a opção foi trabalhar como empregada doméstica diarista e a cada dia está na casa de uma patroa diferente.
Com a mudança para a Urca, Eduardo passou a estudar na Escola Municipal Minas Gerais, quando foi convidado para participar do projeto social do clube Rio Va’a. O projeto Canoa Rio atende crianças e adolescentes oriundos de escola pública oferecendo a prática esportiva da canoa havaiana e é inteiramente gratuito para essa garotada. Ele ingressou no programa um pouco antes da pandemia e já nas primeiras remadas demonstrou um talento nato para o esporte, despontando dos demais.
Com o lockdown, o número de alunos reduziu bastante. Eduardo, porém, não desanimou e persistia treinando diariamente no Rio Va’a. Sua dedicação e capacidade técnica logo o fizeram se destacar, chamando a atenção do técnico do projeto, Chico Soveral.
Chico sabia que Eduardo iria brilhar e, assim como se faz com um craque do futebol que está nas categorias de base e passa a jogar no time principal, Eduardo passou a integrar a equipe masculina adulta do clube, competindo em provas coletivas (canoa com 6 integrantes) e individuais.
Nos últimos meses, Eduardo também passou a receber apoio de Tuca Santacreu com as planilhas de treinos e é acompanhado de perto por Igor Lourenço Oliveira, o que tem sido muito importante em sua evolução como atleta.
Este ano ele conseguiu o incrível feito de alcançar pódio duplo em uma grande competição: foi campeão brasileiro na categoria Junior 16 V1 (para jovens até 16 anos) e prata na categoria Junior 19 V1. Com isso, ele conseguiu índice para participar no Campeonato Mundial de Canoagem Va’a, tão sonhado por remadores de todas as idades, que acontece em Windsor, Inglaterra, entre 10 e 16 de agosto.
No entanto, o desafio estava apenas começando: qual infraestrutura precisaria ser mobilizada para um jovem pobre de 16 anos, proveniente de um projeto social, poder participar de um campeonato mundial fora do país?
Seria necessário mobilizar equipe de apoio e recursos financeiros inacessíveis para aquela família e que escancara a realidade do va’a nacional.
Apesar da rápida popularidade alcançada pela canoagem polinésia em nosso país, o esporte ainda é muito pequeno se comparado com outras modalidades mais populares; a confederação brasileira – CBVA’A não recebe nenhum tipo de recurso do governo federal e praticamente não existem empresas do segmento que patrocinam atletas. Dessa forma, tudo acaba sendo pago pelo bolso dos próprios atletas.
Foi então que o Clube Rio Va’a se uniu com todos seus participantes e passou a realizar inúmeras ações para levantar dinheiro para mandar o jovem talento ao Mundial; desde então vem realizando rifas, vaquinhas, remadas especiais e até mesmo uma barraquinha de canjica na festa junina do bairro, onde a mãe do Eduardo fez mais uma ação para arrecadar dinheiro.
“Como somos o primeiro clube e canoagem Va’a da américa latina, temos a responsabilidade de fomentar o esporte, formando campeões e abrindo novas frentes; tanto que além do projeto com a escola pública, nós temos um específico de paracanoagem para atletas portadores de deficiência física. Assim o clube inteiro entrou de cabeça nesse objetivo de mandar o nosso Edu para o Mundial”, diz a diretora do Rio Va’a Alessandra Mapeli.
Pouco a pouco, o cofrinho foi enchendo, mas mesmo assim ainda havia mais um grande problema:
Quem se responsabilizaria pelo jovem de 16 anos durante toda a viagem do campeonato? Foi aí que surgiu a figura do amigo e quase padrinho, Luciano Olivieri, um dos associados do clube e integrante da equipe masculina adulta.
Luciano tem 39 anos e morou na Inglaterra por um período. Diante de tal situação, não pensou duas vezes, se disponibilizou para ser o tutor de Eduardo nessa grande aventura do prodígio.
“Quando percebi que sem esse apoio o Edu perderia o maior momento da sua vida, não tive dúvidas e me ofereci para acompanha-lo. Me identifico muito com ele, pois já fui um garoto pobre no subúrbio e conhecia as barreiras sociais que alguns esportes tem e que parecem não ser opção para nós. Ajudar o Edu é como voltar ao meu passado e ajudar todos os garotos da Escola Municipal que eu estudei minha infância lá no Méier a terem uma nova perspectiva.”, conta Luciano.
Levando na bagagem toda essa história de parceria e desafios, a dupla embarcará no início do mês que vem para a prova, que será realizada no dia 12 de agosto. Em meio a toda essa expectativa, Eduardo poderá contar com a experiência do atleta Reginaldo Birbeck (31 anos), que também foi atleta proveniente desse mesmo projeto social do Rio Va’a, estudou na mesma escola pública e sabe bem das rajadas e correntezas que se tem que atravessar para conseguir realizar esse sonho. Atualmente, Reginaldo é um dos maiores campões brasileiros na categoria masculina adulta de canoa havaiana.
Os próximos capítulos dessa história saberemos em breve, mas sem dúvida é uma história marcada por superações e pela força do coletivo.