“100 Dias”: Épica travessia de Amyr Klink a remo pelo Atlântico vai virar filme
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Agora que você conhece um pouco mais sobre a história do Va’a no Brasil e no mundo, chegou a hora de conhecer mais sobre a nossa querida canoa. Neste terceiro artigo você encontrará informações importantes para todo remador, como por exemplo: as nossas canoas são polinésias, havaianas ou taitianas? Qual a diferença entre elas? Canoas OC6 e V6 são diferentes? Bora lá conhecer mais um pouco todos estes detalhes?
*Por André Leopoldino, capitão do Tribuzana Va’a e instrutor/ desenvolvedor do do Curso Básico de Va’a.
Para começarmos a entender melhor as particularidades de cada tipo de canoa, vamos voltar ao primeiro artigo onde aprendemos que a Polinésia é um conjunto de ilhas situadas em um triângulo tendo como vértices o Havaí ao norte, Nova Zelândia a oeste e Ilha de Páscoa a leste do oceano pacífico. É importante observar que todos os nativos originários deste triângulo possuem características similares entre eles, principalmente seus costumes, a navegação marítima através da orientação pelas estrelas, direção das ondulações, comportamento das nuvens, etc. Sobre o ponto de vista das canoas utilizadas em cada região deste triângulo, podemos observar características distintas entre cada uma delas, mas com todas respeitando as bases da tradição polinésia.
Os ancestrais do povo polinésio, principalmente no Havaí, construíam suas canoas utilizando o tronco de grandes árvores de Koa. A cultura polinésia até hoje, mantem uma tradição muito grande na construção de uma canoa, envolvendo rituais espirituais desde a escolha da árvore até a cerimônia de batismo. Quando uma família necessitava de uma canoa, ela procurava um Kahuna Kalai Wa’a que era um construtor de canoas e uma espécie de líder espiritual.
O Kahuna Kalai Wa’a após ter certeza da necessidade daquela família em possuir uma canoa, iniciava uma procura por um bom tronco de árvore de koa pela floresta. Para fazer uma boa escolha, além do aspecto físico da árvore, ele precisava saber se aquele tronco estava íntegro, ou seja, sua estrutura não podia estar comprometida por insetos, por exemplo.
Era então observando o comportamento do pássaro Elepaio, que o Kalai Wa’a podia comprovar a integridade do tronco, isso porque, o Elepaio se alimentava nas árvores de koa com cupins e outros insetos. Além disso o Kalai Wa’a procurava receber uma espécie de autorização de deuses através de sonhos, que pudessem indicar que aquela seria uma boa árvore.
Após escolher a árvore, o Kalai Wa’a pedia a permissão do espírito (mana) daquela árvore para que ela se tornasse uma canoa para servir a uma Ohana (família). O tronco era então cortado em um formato preliminar de canoa, para depois ser iniciado o transporte até a Halau Wa’a (casa da canoa), uma espécie de pequena casa de palha. Ali ela ficaria por meses para secar e depois ser esculpida não somente o casco, como também, a ama, os iacos e outras partes que compõem a canoa.
Algo muito interessante de ser observado, era que desde a derrubada da árvore até a sua construção ser realizada na Halau Wa’a, a canoa sempre era deixada com sua proa virada para o mar, e assim devendo permanecer durante toda a sua existência. Esta é uma das razões que até hoje, sempre devemos manter nossas canoas com sua proa virada para o mar, legal isso né?
Na finalização da construção, a canoa era então levada da Halau Wa’a até a praia, onde ali era realizada uma cerimônia de batismo. O batismo era realizado para que deuses e ancestrais pudessem abençoar e proteger a canoa e sua tripulação. Tudo isso que descrevo aqui, é muito bem detalhado por Naomi N.Y. Chun no livro “Hawaiian Canoe-Building Traditions”, e também por Edgar Henrique em seu relatório anual publicado na “Hawaiian Historical Society”, ambos descritos aqui na bibliografia consultada.
Entrando em épocas mais modernas, as canoas de koa começaram a perder espaço em relação as canoas construídas de fibra de vidro. Realizar o corte de uma árvore, que muitas vezes se encontrava em locais de difícil acesso nas florestas, bem como todo o trabalho de transporte até o local de produção artesanal, além de questões de preservação do meio ambiente, pouca disponibilidade das árvores de koa e o alto custo envolvendo toda esta logística, começaram a ser um problema na construção destas canoas. Desta forma, elas começaram a ser substituídas por fibra de vidro, que são mais leves e com um rendimento em competições muito superior, além é claro, um processo de construção muito mais rápido do que o artesanal.
Sempre que falamos “polinésia” estamos fazendo referência a todas as regiões pertencentes ao triângulo polinésio, como por exemplo: Havaí, Taiti, Nova Zelândia e Ilha de Páscoa. Canoa Polinésia abrange as canoas de todo o triângulo polinésio, mas ao falar canoa havaiana ou taitiana estamos limitando estas canoas a cada respectiva região. Dentro do triângulo polinésio cada região possui características específicas, principalmente analisando o comportamento marítimo de cada arquipélago e isso influenciou diretamente o desenho físico das canoas nestas regiões.
As canoas utilizadas nas ilhas havaianas possuem características bem distintas, principalmente referente ao seu design, justamente pelo mar mais agitado naquela região. Analisando as canoas de seis remadores podemos destacar a linha de fundo do casco principal (hull/kino) que possui uma linha mais curvada, ou seja, com um maior rocker facilitando desta maneira uma navegação mais fluída nas ondas e mares agitados. Outra característica das canoas havaianas é com relação ao seu cockpit aberto para todos os seis bancos e também para todas outras configurações de canoas, independentemente do número de remadores.
Analisando as canoas havaianas modernas de um ou dois remadores (OC1 e OC2), uma característica bem importante é a utilização de um leme no fundo da parte traseira (popa) da canoa, onde o remador utiliza pedais para poder direcionar a canoa para a direita e esquerda, decidindo assim a direção sem a necessidade de fazer o leme com o remo (como é feito nas canoas maiores). Outra característica das canoas OC1 e OC2 mais modernas é a fixação dos iacos com a canoa e com a ama, onde é feita através de iacos de alumínio encaixados em ambas as extremidades.
As canoas utilizadas no Taiti e principalmente em toda a Polinésia Francesa se diferenciam distintamente das canoas havaianas. Geralmente o mar naquela região é mais calmo e protegido por sua geografia, possibilitando que as canoas tenham uma linha de fundo (rocker) mais alongada e com o formato do fundo em “V”. Outra característica de todas as canoas taitianas modernas é a utilização de cockpits fechados.
Em praticamente todos os tipos de canoa taitiana o direcionamento é realizado na forma tradicional, onde o remador é responsável por direcionar sua canoa com seu próprio remo, ou seja, geralmente não existe lemes tipo “quilha” na maioria das canoas taitianas. Outra característica tradicional nas canoas taitianas é a utilização de iacos de madeira que são amarrados por suas extremidades na canoa e na ama, através de cabos ou fitas de borracha, tanto nas canoas V6 quanto nas V3 e V1.
Veja abaixo um quadro destacando as características tradicionais das canoas havaianas e taitianas.
O quadro apresentado leva em consideração as características tradicionais das canoas havaianas e taitianas, mas isso não significa que são regras rígidas a serem seguidas. Algumas vezes você poderá encontrar canoas taitianas individuais (V1) com leme, com iacos de alumínio e encaixe, como pode encontrar também, canoas V1 de alta performance com iacos de carbono. Veja o exemplo da V3 Mirage e V3 Genesis, sendo a Mirage com amarrações tradicionais e iacos em madeira e a Genesis com os iacos em alumínio e de encaixe.
Quanto assunto importante e interessante não é mesmo? Isso que estamos falando somente de canoas havaianas e taitianas (as mais comuns no Brasil), mas poderíamos ainda falar das canoas da Nova Zelândia, de Ilha de Páscoa e outras diversas ilhas do triângulo polinésio.
Acredito que agora você já conhece um pouco mais das particularidades das canoas havaianas e taitianas correto? Mas também acredito que você ainda possa ter dúvidas relacionadas a sopa de letrinhas do va’a. Canoas OC6 e V6 são as mesmas canoas? OC1 e V1R tem diferenças entre elas?
Vamos falar disso nos próximos artigos ok? Lembre-se também, que todo esse material e muito mais, está disponível no Curso Básico de Va’a e lá você poderá aprofundar-se em todos estes assuntos.
Encontro vocês lá! Um big aloha a todos!
WEST, Steve. Outrigger Canoeing The Ancient Sport of Kings – A Paddlers Guide. 2ª Ed. Batini Books, 2010.
CHUN, Naomi N.Y. Hawaiian Canoe-building Traditions. Edição Revisada. Kamehameha Schools Press, 1995.
EDGAR, Henrique. Hawaiian Canoes. Disponível em: http://archive.hokulea.com/ike/kalai_waa/henriques.html. Acesso em: 23 mai. 2020.