De Nikiti à Floripa remando: Começa a expedição Hale Hoe Wa’a
Começa a expedição Hale Hoe Wa’a, formada pelos remadores Gabriel Mattos e Rodrigo Fernandez que irão ... leia mais
John Misky, um neozelandês de ascendência maori, está próximo de cumprir uma promessa de 20 anos feita a sua amada avó.
No interior do grande galpão preto que se estende por quase toda a extensão de sua casa, um enorme casco de canoa polinésia em madeira, adornada com esculturas e embelezada com conchas de pāua, repousa à espera de seus retoques finais.
Misky demorou duas décadas para chegar a esse ponto, embora seu trabalho tenha realmente começado a apenas quatro anos.
Foi em 2017 que ele decidiu que precisava cumprir uma promessa quebrada que carregava em seus ombros; uma promessa que ele fez, mas foi incapaz de cumprir.
Ao longo dos 20 anos, ele tentou cumpri-la algumas vezes, mas falhou. Até que esse peso começou a mantê-lo acordado à noite.
Em 2003, Misky jurou à avó que construiria um va’a e navegaria pela Ilha do Norte arrecadando dinheiro para o projeto de tradução da Bíblia em tokelau que ela tanto amava. Ele se lembra de como os olhos dela brilharam com sua promessa, mas os anos passaram e ela morreu sem ver a canoa pronta.
Por um tempo ele esqueceu a promessa; então as noites de insônia começaram. Às vezes, conta, podia sentir sua avó esperando que ele começasse o trabalho.
“Ela morreu antes de eu fazer qualquer coisa e há muito tempo carrego esse peso nas costas”, disse o construtor da canoa.
John Misky conhece bem a navegação marítima. Em 2009, ele se juntou à Polynesian Voyaging Society, que constrói suas próprias embarcações, e completou uma gigantesca viagem de canoa de casco duplo de Auckland ao Taiti. Depois navegou ao Havaí, Samoa, São Francisco e México.
Ele começaria a construir sua canoa assim que regressasse. No entanto, como costuma acontecer, a vida atrapalhou e os planos foram ficando para trás. Até que sua avó morreu.
Era então 2017 e as noites em claro tornam-se insuportáveis. Mesmo sem nunca ter feito uma canoa antes, ele deu início à construção.
No entanto, embora Misky tenha trabalhando muitas noites sozinho em seu galpão, ele foi amparado por toda comunidade na construção do va’a.
Mão de obra, materiais doados e conselhos úteis contribuíram para o avanço do projeto, e esse esforço combinado aumenta a autenticidade da canoa.
“Tradicionalmente, uma aldeia inteira ajudaria a construir um va’a e, para muitos aqui em Porirua, uma pequena cidade localizada na parte sul da Ilha do Norte de Nova Zelândia, onde vivemos, esta terá a primeira chance em que nossa comunidade se une em torno desse tipo de projeto, que nos remete a nossos ancestrais”, revela.
Misky recebeu visitas de estranhos, amigos e grupos comunitários sempre dispostos a ajudar e trazer palavras de incentivo. Ele, por sua vez, incentiva as pessoas a colocarem um pouco de si no va’a, seja lixando um pedaço de madeira ou apenas passando as mãos sobre ele. Tornou-se mais do que a construção de uma embarcação; tem sido uma maneira de reunir pessoas de todas as esferas da vida em um mesmo propósito.
Tem havido muita conversa, muita cura. Tanto para as pessoas que visitam a canoa, quanto para seu construtor. Misky conta que às vezes se pergunta se isso pode ter sido parte do plano de sua avó o tempo todo; às vezes ele conta que a sente sua presença, parada na porta do galpão.
A canoa polinésia foi feita principalmente pelo tato; Misky tem formação em carpintaria e marcenaria, e foi se aprimorando sobre a construção de va’a com o tempo. Tanto a Internet quanto as descrições antigas de exploradores o ajudaram a chegar aqui.
Quase todas as partes do va’a contam uma história. O casco foi feito de kahikatea e é embelezado com conchas formando o aglomerado de estrelas Matariki, símbolo da Nova Zelândia, que brilhavam fortemente no céu na noite que o reverendo Perema Leasi abençoou a canoa.
A ama foi feita de um salgueiro local que caiu em uma tempestade há alguns anos. Ela é ornada com uma tartaruga feita em concha pāua cintilante simbolizando um neto perdido incrustado em uma das extremidades.
Misky aprendeu a forjar suas próprias ferramentas tradicionais para criar partes do va’a e até mesmo o remo e os assentos têm um significado mais profundo, embora sejam um segredo que pelo menos por enquanto ele não quer revelar.
Prestes a ver sua canoa concluída, Misky conta que não tem intenção de competir com ela. É uma embarcação elegante, feita em um casco único de 10 metros, capaz de transportar uma tripulação de seis pessoas.
Quando a canoa atingir a água, ele planeja conduzi-la com jovens do Pacífico que navegarão até Auckland, prestando homenagens à cultura maori no caminho.
“Será como se os livros de história ganhassem vida”, diz, emocionado.
Depois de todos esses anos, é difícil para seu criador imaginar uma vida sem o va’a pairando sobre ele; ele diz que nunca pensou sobre a linha de chegada.
“Vou ficar aliviado, vou cumprir minha promessa e tirar um peso de minhas costas, mas acho que há outro propósito além disso, algo sobre unir a comunidade; fazendo algo pelos nossos jovens. E quanto a mim, espero conseguir dormir um pouco“, conclui.