Quase 900 remadores participam da Tahoe Race (ex-Save Va’a)
Quase 900 remadores participaram da 2ª edição da Save Va’a, rebatizada para Taho'e Race, com a presença ... leia mais
Olá queridos amigos leitores!
Essa semana abordaremos um pouco de algo muito importante sobre quem singra o mar! A espiritualidade, não religião.
As pessoas me perguntam qual a minha relação com o Ser Divino, e se eu acredito em Deus… Ora, como eu não vou acreditar em Deus depois de tanto que já passei sozinho aqui neste pequeno barco, e que sem dúvida nenhuma já vivemos coisas inexplicáveis e como ainda estamos vivos, só por uma entidade superior.
Acontece que Deus, ou esse Ser Divino não é bonzinho. Ele jogará de acordo com o que você mostra de respeito a Ele.
Se você prevê uma tempestade, não muda seu rumo, não fecha as escotilhas do seu barco, não riza a vela de acordo e vai para dentro dela, e quando tudo estiver ruindo, você pede para Deus te salvar, provavelmente Ele não irá te atender.
Contudo, se neste mesmo cenário você fizer tudo de acordo, ajustar a vela no rizo certo, tentar passar por fora da tempestade, com tudo devidamente fechado, aí sim Deus te ajudará, e no mar, no vazio do mar, então você sentirá uma enorme energia enchendo este vazio.
“Comigo foi assim nas vezes em que precisei, definitivamente não estava sozinho”, Robinson Knots Johnson, o primeiro homem a dar a volta ao mundo solitário e sem escala, no livro “Um mundo só meu”.
Estávamos passando pela boca do Rio Paraíba, última parada antes do Cabo de São Tome, um local místico para navegação e de muitos naufrágios. Eu estava no trampolim da canoa, ou seja, local de contra peso onde ficávamos quando ventava muito.
A regra era que quem ficasse ali tinha que estar de coletes Salva Vidas (não auxiliar de flutuação) vestido. Nesta hora, Bárbara sai do banco 1 e vai para frente do mastro para aliviar o peso da proa da canoa. A canoa estava rápida! Acima de 7, 8 nós constante.
Olhei para Bárbara e na mesma hora digo: “Não estou gostando nada de ver você aí pendurada sem colete. Bota o colete”.
Do que ela me responde: “Me empresta o seu então, que esse é muito desconfortável”.
Trocamos de colete e quando estava amarrando o meu no trampolim, uma micro-onda fez a ‘ama’ levantar um pouco, mas o suficiente para me jogar fora da canoa!
Pensei, ferrou! Estou de colete laranja, no meio da saída do Rio Paraíba, tudo marrom, cheio de tubarão na boca do Rio, e a canoa a mil! Problema sério!
Só que nessa hora, não sei porque e como, consegui, ao cair, me agarrar no ‘iako’ da canoa – e agarrei pela minha vida!
Não pergunte o que fiz, foi puramente instinto, ou Deus, ou o anjo da guarda que me fez agarrar ali!
Tavo e Daniel conseguiram me puxar de volta para dentro da canoa. Coração a mil, olhei para minha Santinha Iemanjá que ficou o tempo todo comigo ao lado da bússola, e como agradecia a Ela!
Do Autor desta coluna, capitão Douglas, durante a Expedição Anamauê VAA 2021.
Já estávamos há três dias parados, esperando uma chance para seguir viagem e cruzar o Cabo de São Tome. O mar de Grussaí não deixou a gente sair.
Ondas e ventos força 7/8 (35 nós) eram uma constante. Pela janela de tempo só teria o sábado para singrar e avançarmos. Era nossa chance.
Fui à loja de material de construção para comprar material para alguns reparos necessários na canoa para o dia seguinte e já estávamos muito concentrados e orando muito para Deus nos permitir singrar aquelas águas tão desafiadoras e que nos testava tanto.
Estava na loja e ao olhar para o lado vi um padre. Meu pai foi criado na igreja católica, eu fui batizado, mas não me sinto católico e nem vou à igreja, mas sou temente a Deus e acredito em todos os Santos do bem.
Costumo dizer que na hora do perrengue bato na porta e pergunto quem está na escuta para me ajudar. Iemanjá, Anjo da Guarda, Jesus Cristo, Nossa Senhora…
Mas, neste caso, ao ver o Padre fora da igreja, senti a presença Divina e fui até ele.
– “Padre, estamos vindo desde a Bahia e estou com muito medo de parar minha viagem aqui. Preciso muito de uma palavra de Deus fora da igreja para eu me sentir confiante e singrar o mar e cruzar o meu objetivo maior que é o Cabo de São Tome. Por favor Padre, me de sua graça”.
– “Meu filho, meu papel como a voz de Deus nesse plano é confortar quem precisa de conforto. Vamos fazer uma oração para Nossa Senhora dos Navegantes e ela abençoará a passagem de vocês. Amanhã vocês cruzarão o Cabo e você terá seu objetivo conquistado. Deus está falando comigo e vai com fé. Acredite Nele e Ele te dará as forças e habilidades necessárias para essa singratura. Vá com Deus meu filho!”
Comecei a chorar. Um choro de um filho para um pai. Senti a presença Dele e fui concertar a Jubarte, nossa canoa Core VAA, orando, com todo o cuidado do mundo, em plena conexão com o Oceano a minha frente, com a canoa, e com o Divino.
O resultado foi que passamos e assim seguimos nossa viagem.
Mais uma experiência com o Divino durante a Expedição Anamaue VAA 2021.
Começo essa coluna com esses três casos em que o Divino esteve presente. São apenas três, mas poderia ficar relatando inúmeros casos assim de muitos esportes diferentes no mar.
Desde que a canoa polinésia começou a ser construída pelos polinésios a relação entre os remadores, canoa e oceano é transcendente ao plano material.
Os Polinésios tinham uma ligação com o sagrado extremamente fomentada, e isso é visível pelos seus cânticos, pelas suas poesias, pela forma como os ensinamentos eram passados de pais para filhos, de filhos para seus filhos.
Kanaloa, Keiki, entre outros, são nomes comuns na cultura polinésia e todos eles remetem a Deus.
Os Kahunas eram os grandes “caciques da tribo” e literalmente eram quem passava os conhecimentos de geração em geração.
Huna = Segredo
Kahuna = Guardião do Segredo.
Portanto, os Kahunas eram os Guardiões dos Segredos de muitos âmbitos da sociedade polinésia e dentre deles a espiritualidade.
É muito difícil imaginar uma pessoa que vai para o mar e seja ateísta. Posso afirmar que é ateu até na hora em que as coisas saírem do controle.
É inegável o poder da natureza, e muitas vezes as pessoas me perguntam se eu vou para o meu próximo desafio.
A minha resposta é que não! Que irei para meu próximo objetivo. Faço uma analogia perguntando se essa pessoa seria capaz de desafiar um Mike Tyson, um Anderson Silva… E a resposta é sempre a mesma: Você está maluco? Olha a força dele!
Onde eu respondo que se não é capaz de desafiar esses lutadores, como eu vou ter coragem de desafiar o oceano cuja força é infinitamente maior que a de qualquer ser humano!
Quantos lugares místicos, quantas lendas de mares bravios, de ondas gigantes desde sempre contadas pelos sete cantos da navegação histórica apenas no nosso vasto litoral… Cabo de São Tome, Foz do Rio Doce, Arraial do Cabo, Pontas da Juatinga e dos Meros, e inúmeros outros.
Com o tempo o que descrobrimos é que a gente aprende a lidar com os humores do oceano e saber quando ele está além de nossas forças.
É aquele olhar de rabo de olho dos pais, que a gente já se tremia todo. E que, com o tempo, vamos ganhando a confiança para cada vez mais podermos ir até a esquina, depois até o outro bairro, depois até a outra cidade e assim ganhando cada vez mais autonomia.
Com o oceano é a mesma coisa. Ele te permitirá passar se você for antes de tudo respeitoso. E ir aos poucos é sinal de respeito.
É ir ganhando experiência, estudando as teorias e vivenciá-las ao vivo; é perceber os movimentos dos elementos da natureza e realizar que não existe ser pego de surpresa, porque um gráfico errou.
Gráficos são ferramentas de previsão, não de acerto. Tudo o que ocorrerá nos próximos momentos está escrito nas nuvens, nas rondas de ventos, nas mudanças de temperatura… É a observação; é o feeling, é a conexão com o oceano.
E como em toda relação, esta confiança vai vindo aos poucos. Quando estamos no meio do mar, sozinhos ou mesmo em grupo, onde nos desconectamos de eletrônicos, passamos realmente a nos conectar com a espiritualidade.
É aquela remada que não pensamos em absolutamente nada, quase um processo meditativo de curtir o vento batendo no rosto, o sol queimando a pele, o silêncio barulhento da natureza.
Quando tudo isso começa a fazer sentido, começamos a desenvolver algo muito importante para quem vai para o mar: O sexto sentido.
É aquele frio na barriga que dá e que muitas vezes em que o ignoramos, nos damos mal, mas quando os seguimos nos damos bem.
Com o tempo de mar que tenho e por inúmeras situações que já passei, entendi que esse sexto sentido é na verdade a voz de Deus, ou a voz divina te alertando a repensar no que está sendo feito e te alertando muitas vezes que simplesmente hoje não.
Quando decidi ouvir minha voz interior, meu Deus interior, e passei a ter isso como uma premissa antes de singrar o mar, passei a ter mais sucessos nas minhas empreitadas.
Como foi na Expedição Anamauê: eu, no leme, tinha a bússola que me mostrava o caminho, e logo ao seu lado, Iemanjá que os abria e me guiava através daquela direção.
Era a conexão ciência – espirito. Uma conexão que nos fez chegar a Niterói depois de 1060km navegados!
E aos meus alunos queridos do projeto social Kamuhana JurujuVA’A.
Um grande Aloha do seu colunista,
Douglas Moura
Capitão Amador