Expedição Va’a: Angra dos Reis terá três opções de passeio
Clube Free Va’a realizará três dias de passeios de va’a região de Angra dos Reis na semana em que será ... leia mais
Não tínhamos ainda descansado depois da travessia entre Registro e Iguape (non stop) onde descemos por 72 km o rio Ribeira de Iguape e já estávamos novamente envolvidos em outro planejamento. Desta vez iríamos remar em mar aberto e o local escolhido era a Ilha da Queimada Pequena, situada a cerca de 20 km da costa, no litoral sul de São Paulo, entre os municípios de Peruíbe e Itanhaém.
A Ilha da Queimada Pequena, juntamente com a Ilha da Queimada Grande, faz parte de uma unidade de conservação marinha e também é área de relevante interesse ecológico. A Queimada Grande é conhecida também pelo nome de Ilha das Cobras, por ser o lar das temíveis jararacas-ilhoas, que são espécies endêmicas bastante venenosas.
Nesta travessia teríamos que considerar diversos fatores que não foram abordados na nossa última remada em ambiente fluvial, como as várias ondulações que podem ocorrer, as correntes marítimas, as variações de marés, ondas, além de toda a complexidade por se tratar de um ambiente de mar aberto, sujeito também as variações de ventos, chuvas e nebulosidades. Não esquecendo as questões de segurança, suplementação, hidratação e os equipamentos adequados para tal. Sendo assim nosso planejamento teria que demandar tempo e assim começamos.
A análise inicial foi monitorar as condições meteorológicas da região, tentando observar as tendências e com isso mapear as condições ideais ou, melhor dizendo, descobrir qual era a melhor janela operacional para realizarmos a travessia. Junto com esta análise tínhamos também que decidir qual o nosso trajeto, de onde sair e para onde chegar e como viabilizar tudo isso.
Durante nossas análises meteorológicas da região percebemos uma certa tendência recorrente de variações de vento e ondulações que nos fizeram escolher iniciar a travessia desde o município de Itanhaém que, apesar de aumentar em alguns quilómetros nossa rota, nos traria uma margem maior de navegação e também condições mais favoráveis de ventos e correntes. Sendo assim, entraríamos no mar na foz do rio Itanhaém, na região conhecida por Boca da Barra.
Tendo a nossa rota estabelecida, continuamos o monitoramento para identificar a janela climática ideal. Algumas semanas depois percebemos uma janela bastante propícia, onde os ventos e correntes nos ajudariam durante a remada em direção a ilha e também na volta para o continente. As condições climáticas também eram ótimas, com previsão de tempo aberto e sem chuva. Estas semanas de monitoramento também foram úteis para finalizarmos o restante do planejamento, organizando todo o material que seria utilizado e os contatos com nossa segurança em terra.
Fizemos as últimas compras de suplementos, alimentação e outras questões de logística de carro e pranchas e marcamos nossa travessia para um sábado, dia 28 de abril. Nos encontramos por volta das 7:30h na foz do rio Itanhaém, com o dia tranquilo, sem vento e céu azul, conforme as previsões. Iniciamos a organização de tudo na beira da praia e logo percebemos que teríamos uma certa dificuldade para ultrapassar a arrebentação, pois a maré estava muito baixa, com uma linha de quebra de ondas bem definida.
Definimos nossa estratégia, avaliando as ondas para escolher a linha de entrada entre as rochas que se encontram ao longo da foz e o melhor ponto para passar a arrebentação. Feito isso entramos no mar e, após algumas dificuldades durante a arrebentação, nosso primeiro obstáculo foi superado. Agora estávamos atrás das ondas e a situação era mais tranquila, com uma ondulação que, apesar de estar um pouco de lado, estava mais lisa e com um período bem longo. Apesar destas condições favoráveis, decidimos não forçar nosso ritmo e controlamos a nossa velocidade.
A Ilha da Queimada Pequena neste momento não passava de uma pequena mancha nublada no horizonte e iniciamos a navegação em direção a ela. Fomos nos acostumando com este início de remada e os primeiros quilómetros foram de certo aquecimento e entrosamento com aquelas condições de mar aberto. A partir do Km 5 ocorreram as primeiras mudanças, com a entrada de um vento em nossa direção, que acabou por dar uma mexida naquela ondulação que já estava pegando a gente de lado.
Estes ventos, contrariando as nossas previsões, se mantiveram na mesma direção por todo o trajeto até a ilha, fazendo com que não conseguíssemos manter uma isometria, tendo que remar quase que exclusivamente de um lado só. Com o passar do tempo foram ocorrendo uma sobrecarga muscular que teria impactos também na nossa técnica, no nosso equilíbrio e com isso as quedas se tornariam bastante constantes.
Com este vento de frente e a ondulação lateral bastante mexida era natural também que nossa velocidade de deslocamento caísse. Aliado a isso, com a entrada cada vez mais em mar aberto, as ondulações começaram a ficar com maiores amplitudes. Todas estas mudanças colocaram a remada em outro patamar, pois o fator desequilíbrio agora estava em outro nível. O Padovan, a partir deste momento, começou a sofrer mais com as quedas. Aproveitamos também algumas destas quedas para as paradas estratégicas de hidratação, suplementação e descanso.
Por volta do Km 10 começamos a avistar, com muita nebulosidade, a Ilha Queimada Grande, volumosa e imponente, bem mais a sudeste de onde estávamos. Por outro lado, começamos a perceber também as cores das rochas e da vegetação da Queimada Pequena e nos sentimos bastante motivados pela sua proximidade. Começamos a perceber vários barcos de pesca bem na direção da ilha, nos trazendo também certo conforto, pois não estávamos a sós naquele mar sem fim. Seguimos então em direção da silhueta da ilha, com as condições variando muito pouco, sempre a depender da intensidade do vento que soprava.
O tempo passava, as quedas do Padovan iam se acumulando e seu semblante já se mostrava bastante cansado e sério. Percebi também que sua técnica já não era mais a mesma do início. A ilha estava se aproximando, mas não chegava nunca, o vento continuava a soprar contra e decidimos avaliar nossa situação. Já eram 13h, uma a mais do que tínhamos acertado como tempo limite para iniciar a nossa volta. Tínhamos remado 22Km e, apesar de estarmos muito próximos da ilha, decidimos de comum acordo iniciar nossa volta, pois tínhamos muito a remar ainda e a possibilidade de chegar sem a luz do sol nos amedrontava e não poderíamos comprometer a nossa segurança e a nossa integridade.
Com o pensamento agora voltado no caminho de volta focamos todas as nossas energias neste propósito e, por um breve momento, nossos ânimos se acenderam novamente. Mas logo percebemos que nossa navegação seria complexa. Não conseguíamos distinguir os contornos do continente devido a uma grande nebulosidade na costa. Continuamos remando mais ou menos no mesmo sentido que tínhamos vindo, mais aberto, com a ondulação ainda de lado, mas agora com o vento a favor.
Estava muito difícil manter o equilíbrio com aquela ondulação lateral e percebendo que estávamos lutando contra forças grandes demais, decidimos mudar a nossa navegação, tentando aproveitar aquelas ondulações e ventos e seguir por um trajeto mais em diagonal em direção ao continente. O problema disso era que como nossa visualização estava ainda um pouco comprometida, poderíamos seguir para Peruíbe ao invés de Itanhaém. Mas naquela hora isso era o que menos importava.
Remando agora em condições mais favoráveis, essa mudança de posicionamento fez com que nossa velocidade de deslocamento aumentasse e após algum tempo conseguimos visualizar bem na linha do horizonte, muito distante ainda, pontos que pareciam pequenos prédios, que provavelmente eram do município de Itanhaém. Seguimos nesta direção, sempre acometidos ora ou outra pelas intermináveis quedas.
Por volta do Km 30 visualizamos um pouco pela nossa esquerda um grande barco pesqueiro. Decidi mudar momentaneamente de direção e ir averiguar o nosso correto posicionamento. Eles se surpreenderam com o encontro, pois não supunham encontrar remadores de SUP tão longe da costa. Confirmado que a nossa rota estava correta, mantivemos a nossa navegação em direção dos pequenos montes verdes, agora o nosso ponto focal de chegada.
A esta altura Padovan estava no seu limite, cada vez mais desgastado, com cãibras nas pernas e dedos dos pés, às vezes caia e não conseguia subir na sequência, se debruçando na sua prancha, respirando e mentalizando a energia necessária para seguir adiante. Seu equilíbrio estava comprometido pelo cansaço e o seu desânimo era cada vez mais constante. Tentamos permanecer bem próximos durante a remada para dar mais animo um para o outro, melhorando com isso o nosso lado psicológico.
As ondulações se fizeram mais presentes com bons momentos para condições de downwind que seriam bem melhor aproveitadas se estivéssemos menos cansados. Logo avistamos outro grande barco de pesca, que passou bem próximo da gente, em direção ao mar aberto. Perguntaram se tudo estava bem e seguimos cada um o seu caminho. Logo conseguimos identificar, bem ao longe, as duas enormes rochas que ficam em cima do morro de Paranambuco, local bem conhecido e um mirante fenomenal em Itanhaém.
Demos um tremendo grito quando o GPS marcou o Km 40, quando já estávamos contornando o Paranambuco, passando por uma pequena praia e já procurando um melhor posicionamento para adentrar pela foz do rio Itanhaém. Chegando mais próximo da linha da arrebentação percebemos que nossa saída do mar também não seria fácil, pois a ondulação estava entrando nervosa e teríamos que fazer um “surf race” em uma situação bastante mexida, provavelmente com a presença de barcos e escunas que sempre transitam ali na Boca da Barra.
O surf funcionou e apesar do cansaço, ondulações cruzadas e muita tensão chegamos na praia em Itanhaém, aos 42Km, ao lado da foz do rio, exatamente as 17h, com uma enorme satisfação de colocar os pés na areia e poder respirar tranquilo por mais uma grande aventura. Arrastamos nossas pranchas até um gramadinho, deitamos os remos sobre elas e demos um abraço aliviado por mais esta conquista.
São muitas coisas para digerir depois de uma remada dessas. 42 Km em mar aberto, sem ter um barco de apoio ao seu lado coloca o grau de dificuldade em outro nível. Os aspectos psicológicos, neste caso, podem ser até mais atuantes do que os aspectos físicos, isso pode variar de pessoa para pessoa. Outra coisa, nem tudo que é planejado as vezes acontece, pois quando as dificuldades avançam as prioridades mudam, as preocupações afloram e a cabeça vira um turbilhão de pensamentos. A ideia no fim vai ser sempre a luta pela sobrevivência em alguma faixa segura de areia. Os limites físicos e psicológicos são sempre acessados e a mente vai ter que trabalhar bastante para o restabelecimento do equilíbrio.
Esta travessia realmente vai ficar na memória como mais uma história de superação e com certeza já melhoramos o nosso entendimento sobre muitas coisas dentro de nós mesmos, sobre nossa convivência com as outras pessoas e principalmente na nossa relação com o mar. O mar ensina, já dizia o poeta, e com isso aumentamos consideravelmente o nosso respeito e admiração pela sua imensidão, sua enorme energia e sua sublime bondade.
São guerreiros os que encaram os desafios, apesar de tamanho cansaço e dificuldades extremas. A chegada na areia traduz o sucesso desta travessia, como também os olhares e expressões dos marinheiros que encontramos pelo caminho.
Então é isso, gostaria de agradecer ao meu irmão de remada pelo companheirismo e amizade, que se superou a cada instante durante toda a remada. Agradecer também as nossas famílias, pois somente por elas a energia flui de onde menos esperamos e conseguimos levantar e seguir avante. Agradecer também aos nossos apoiadores e nossos amigos remadores. Também aos exploradores que iluminam nossos semblantes com suas conquistas e instigam nossos instintos a querer sempre mais.
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