Jamie Mitchell rema 273 quilômetros e conclui o desafio Seven Crossings
Remando de paddleboard por seis dias, ao longo de sete ilhas, australiano Jamie Mitchell completou com ... leia mais
Eu digo que já fiz muita coisa nesta vida. Já fiz aventuras extremas, em percurso e risco, mas sempre tenho a sensação de que o tempo está correndo mais veloz do que eu. Olhando para trás, vejo que na verdade eu ainda não fiz absolutamente nada, e nem me arrisco a abrir livros sobre países, culturas, para não “cair em depressão” (risos).
Olhando para frente, vejo uma infinidade de experiências que eu gostaria de ter. Por este motivo é que quando me convidam para algo, eu tento ajustar meu tempo, o meu trabalho, para que dê certo, principalmente se for algo no mar ou na montanha.
Fui convidado a velejar por uma pessoa que conheci há pouquíssimo tempo, mas alguém que me parece estar “em busca”, de maneira verdadeira, de coisas verdadeiras. Seriam apenas três noites e dois dias, por isso confesso que de início meu Ego e o vício de dizer não para aventuras sem muitos riscos ou nada doloridas, me empurraram para responder não, mas que bom que usei a regra dos “30 segundos”.
Esta regra diz que, quando receber uma notícia boa ou ruim, um convite bom o ruim, nunca responda de bate e pronto, mesmo que a resposta lhe pareça estar pronta, e certa. Estes 30 segundos são o tempo mínimo para que você não reaja e, sim, aja. O mínimo para uma resposta mais precisa, mais alinhada com aquilo que você realmente busca ou acredita.
Após pensar, eu disse “sim”. Disse sim por ser uma experiência inédita, que despertou em mim algo maior, dizendo que se eu gostasse desta curta viagem eu poderia talvez projetar e realizar uma jornada bastante especial no futuro.
O percurso apresentado era Ilhabela, Ilha Anchieta (Ubatuba), navegar por alguns pontos naquela região, e voltar.
Era para sermos sete pessoas, mas justamente a que me convidou, e com ela duas amigas, não puderam ir. Dos desconhecidos entre si, embarcaram Carolina, Anna, eu e o Skipper José, no veleiro chamado SY Travessura.
Vou pular detalhes, para que este texto não fique longo, mas já com a Carolina e Anna no carro, chegamos onde o veleiro estava ancorado e iniciamos toda a missão, afinal tem muito trabalho antes e todos estavam bem afiados, com espírito de equipe.
Dormimos no veleiro e após o café da manhã soltamos âncora, partindo para a viagem. Logo de saída, avistei um veleiro catamarã, lembrei de uma serie do canal Off, onde dois caras em um veleiro catamarã da Mormaii, fazem viagens incríveis. Lembrei também da família Shurmann, do meu ídolo, Amyr Klink, ou seja, já estava incorporando a coisa, sendo tomado pela água salgada.
Vale dizer que não se trata de alguém que nunca navegou, com pouca vivência no alto mar. Eu vivi literalmente a minha vida toda no mar. Quando mais novo isso acontecia em praias, onde praticava canoagem, surf, esportes aquáticos ou contemplação, mas já mais velho, a navegação entrou na minha vida pela porta do lazer, mas também do trabalho. Eu já viajei muito, me divertindo ou trabalhando, mas nunca em modelo de embarcação onde o vento é o senhor da velocidade e do tempo. Todas as minhas experiencias anteriores haviam sido à motor.
Saindo do canal de São Sebastião, logo após o farol da Ponta da Sela, “soltamos as velas”. Vento fraco, de leste, mas ali começou a nossa experiência. Primeiros toques sobre a ciência de velejar, de aproveitar o vendo, em sua força e direção, da melhor maneira possível. O destino era inicialmente invisível, mas vagarosamente foi se revelando.
Mais ao longo do dia, pela falta e vento, tivemos que acionar o motor. Inicialmente um pouco de decepção, mas imediatamente a compreensão de que aquilo fazia parte daquela prática. Não são poucas as histórias que ouço sobre a necessidade de usar o motor.
Neste primeiro dia chegamos no objetivo que era a Ilha Anchieta. Soltamos a âncora, almoçamos, nadei um pouco e fomos visitar o parque, olhar as ruínas do antigo presidio, mas muito mais que isso, bater um papo, caminhar descalços pela areia e trilhas, nos conhecendo ainda melhor. Ao retornarmos ao Barco, o José decidiu mudar de ponto, deveríamos ir para uma baía mais abrigada, para que pudéssemos dormir mais tranquilos. Havia uma ondulação que mesmo abrigados, nos atingia um pouco. Seguimos então para Ubatuba, praia do Flamengo.
Mais uma vez veleiro bem ancorado e aí sim começou “A noite”. Tomamos aos poucos tudo que tinha de álcool no barco, e o tudo era: Duas garrafas de vinho e um golinho de cachaça. Para quatro pessoas, não é nada, mas foi o suficiente para ficarmos no deck do veleiro, enrolados em cobertor, falando de navegação, da vida de cada um.
O ponto alto na minha opinião, foi o José. O cara já viveu quase que no planeta todo. Já foi de Skipper a pedreiro, sempre vivendo com o suficiente e mais uma vez, aquilo que já sei há tanto tempo, se mostrou novamente: “Para sermos felizes não precisa muito!”
Eu sempre busquei seguir esta máxima na minha vida. Confesso que gostaria de ser melhor, mas acho que me encaixo neste clube do viver com pouco, mas viver feliz. É muito louco como pessoas simples se dão naturalmente bem. Comida simples, bebida simples, histórias simples de vida, de cada um de nós a bordo, seja no berço ou nas escolhas feitas e vividas, expusemos a nossa simplicidade. Música rolando, lua, céu estrelado, risadas e por fim… cama! Afinal o dia seguinte prometia.
Acho que posso parar por aqui pois repetiria muitas das coisas narradas até agora. O que fizemos; como foi; onde paramos; como comemos… mas devo terminar esta narrativa contando que na volta, aí sim, pegamos um bom vento, daqueles que deitam um pouco o veleiro, que exige trabalho em equipe. Um recolhe o outro solta. Arribar, bombordo, boreste e por aí vai.
Foi incrível conduzir o veleiro com a roda de leme, timão nas mãos. Sentir as rajadas, usar o pouco que havia aprendido para não falhar com todos e seguirmos aproveitando o melhor que podíamos extrair daquele vento. Ao entrarmos no canal de São Sebastião, após dois dias, a maioria dos profissionais já estaria de saco cheio e nos dirigiria para a marina, para encerrarmos. Mas o José, com toda a sua paixão pelo que faz, algo bastante transparente, com o seu carinho e atenção pelas pessoas, decidiu que tínhamos tempo para ficar ali no vento, treinando manobras, mudando posição de velas, rolando até o que chamam de “Asa de Pombo”. Que delícia foi aquele final de dia, terminando na marina e nos despedindo com cervejas, no barco.
Que final de tarde.
Que inicio de noite.
Que astral.
Que despedida!
Terminando este texto, me veio à cabeça a seguinte pergunta: Por que alguém acharia este texto interessante? Texto que irá para dois sites em que sou colunista, e um deles regado de grandes nomes, atletas que realizam grandes e verdadeiros desafios, como a amiga Karina Oliani, que subiu o Everest duas vezes, fez o K2, entre outras coisas; ou a minha ex cunhada, Ana Elisa Boscarioli, que foi a primeira brasileira a fazer o Everest e os sete cumes?
Mas a resposta é que eu decidi redigir este texto apoiado em uma experiência bastante simples, que também não está alinhada com o que faço ou fiz, principalmente para tentar atingir os leitores que se acham incapazes de realizar qualquer coisa, a principal delas, tirar a bunda do sofá de casa ou da cadeira do trabalho, mas que tem, sim, o desejo de algum dia fazer algo especial. Estes leitores estão nestes portais, e leem cada aventura, se transportando para onde nós estivemos, tentando viver essas histórias.
Leitores, minha torcida é que um dia sejam vocês em alguma aventura. Eu vou adorar ler seu texto, simples ou complexo!