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As representações de tubarões são abundantes na cultura havaiana. As criaturas aparecem na arte, nas ferramentas, nas lendas. No Bishop’s Museum, em Honolulu, os visitantes podem ver velhas ferramentas e armas feitas com dentes de tubarão e peles de tubarão usadas em tambores.
O professor Charles Kauluwehi Maxwell (1937 – 2012) foi um dos grandes responsáveis por resgatar a importância cultural do tubarão para os havaianos no final do século XX.
Em 1991, depois que o estado do Havaí autorizou a caça indiscriminada aos tubarões, após um ataque fatal em Maui, Maxwell compreendeu que, para além das graves consequências ambientais resultantes de uma ação como essa, havia, também, a perda de um dos vínculos mais profundos da cultura de seu povo com suas raízes.
O professor, então, conseguiu reverter a matança de tubarões realizando um importante trabalho cultural e de conscientização, resgatando tradicional reverência ao animal dentro da cultura havaiana e sua importância para as famílias locais.
Para entender por que os tubarões são altamente respeitados na cultura havaiana, você deve primeiro entender o conceito de ‘aumākua.
‘Aumākua são membros espirituais de uma família humana, assumindo a forma de um determinado animal ou objeto. Na cultura havaiana, todas as coisas – animais, plantas, rochas, arco-íris, nuvens – têm uma energia interna ou espírito dentro delas, que fornece um meio de comunicação com uma das quatro entidades maiores: Kane, Ku, Lono e Kanaloa.
Esses objetos ou animais não são adorados diretamente, em vez disso, são vistos como vias de conexão, portas de entrada para a divindade. Eles recebem reverência simbólica, talvez comparável à cruz ou ao Graal na religião cristã. A sua presença é procurada tanto em momentos de festa como de crise, e atuam como curandeiros, conselheiros e protetores de uma determinada família.
O ʻaumakua é a quem os humanos podem invocar para estabelecer contato com uma entidade de uma forma fácil e menos ritualística.
No artigo “Hawaiian Shark Aumakua”, publicado em 1917, na American Anthropologist, a etnógrafa Martha Warren Beckwith, relata sua experiência com a cultura havaiana e sua ligação com os tubarões: “[Tubarões] são, de fato, considerados como espíritos de seres meio-humanos que, fortalecidos pela oração e sacrifício, assumem sua morada em algum corpo de tubarão e agem como sobrenaturais conselheiros para seus parentes, que consequentemente os honram como divindades domésticas.”
Normalmente existem vários ‘aumākua por família havaiana, mas um deles será um tubarão, assim como golfinhos e baleias.
Eles são valorizados por seu alto intelecto e sensibilidade. Antigamente, acreditava-se que o tubarão ‘aumākua nascesse de fetos abortados que não nasceram e não eram capazes de se sustentar em vida. O feto seria levado ao mar e dado aos tubarões, apenas para renascer como um tubarão bebê ‘aumakua. Dessa forma, foi criado o vínculo entre a família e o tubarão.
Outros ‘aumākua do mar são a concha de cauri (búzios), a lapa, a lula e a enguia. Cada Shark ‘aumakua tem seu próprio kahu, ou tratador, um membro da família responsável por seu cuidado. O kahu alimentava regularmente o tubarão de sua família, despejando baldes de Kava no mar, criando lagoas de alimentação especiais ao redor das ilhas. Até hoje, algumas dessas áreas ainda são habitadas por uma população saudável de tubarões.
Em tempos de alegria ou crise, o tubarão ‘aumākua pode aparecer para sua família, na forma de uma visão ou sonho, ou fisicamente no oceano, na presença de um membro da família. Segundo a crença, poderá ser masculino ou feminino, de cor vermelha, brilhante e em tons claros ou manchados. Pode ser invocado pelos familiares, atuando como conselheiros espirituais, protegendo-os de afogamento ou auxiliando no suprimento de alimentos da casa. Existem muitas histórias de nadadores perdidos sendo guiados de volta à costa por tubarões. Se um membro de uma família morre, um tubarão pode aparecer próximo a uma baleia-jubarte, sob um arco-íris. Na cultura havaiana, esses são sinais de importância.
“O papel do tubarão é eliminar os mortos, moribundos e doentes do oceano”, explicou, na época, o professor Maxwell ao The New York Times. “É um predador de topo e é o mais importante para manter o equilíbrio do estoque de peixes. Os havaianos são ensinados desde muito novos que tudo no meio ambiente está conectado. Queremos reforçar seu papel de guardião do oceano e incentivar o respeito quando entrarmos em sua casa. ”
Existem muitas lendas em torno de tubarões específicos. Um famoso mito envolve a grande guerra dos tubarões, em que os tubarões comedores de homens foram expulsos do grupo. De acordo com a historiadora Mary Kawena Pukui, os tubarões carnívoros, como o tigre ou o grande branco, eram conhecidos como niuhi.
Antigamente, apenas os chefes eleitos da terra, eram considerados corajosos e habilidosos o suficiente para pegar um niuhi, e as mulheres normalmente não consumiam sua carne. Mas a mãe do rei Kamehameha I, que uniu as ilhas havaianas em 1810, disse ter pedido os olhos da niuhi durante sua gravidez para aumentar a coragem e as qualidades de liderança em seu filho ainda não nascido.
Na maioria dos casos, ‘aumākua são ancestrais, resultado de um membro falecido da família que retorna em outras formas, em uma espécie de renascimento. Quando o corpo é devolvido à Terra, ele alimenta o solo, as plantas, os animais em ciclos de vida e morte e renascimento.
Na cultura havaiana, as relações entre planta, animal, elementos e humanos são claras. O conceito “todos estamos relacionados” é mais do que uma mera afirmação, é um estado de espírito e o significado cultural dos tubarões, felizmente, voltou a ser inabalável.
Fontes de pesquisa: theculturetrip.com / American Anthropologist / kaainamomona.org.