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A prática havaiana Ho’oponopono está crescendo em popularidade, com uma variedade de cursos online, como vídeos, artigos, livros de autoajuda e seminários de fim de semana, dedicados a essa abordagem considerada “milagrosa” para a resolução de conflitos. No entanto, é crucial destacar que muitas pessoas desconhecem a verdadeira essência dessa tradição, muitas vezes distorcida ou simplificada nas atividades mencionadas.
Em seu perfil no Instagram, o historiador havaiano Adam Keawe, que há anos pesquisa e promove práticas e conhecimentos dos povos originários do Pacífico, fez uma postagem para alertar sobre mais um caso de apropriação cultural de saberes indígenas.
Seu alerta joga luz ao uso que toda a sorte de coaches, escritores e terapeutas alternativos fazem de práticas difundidas como Ho’oponopono, basicamente reduzidas à pronúncia de quatro palavras, mas que, na verdade pouco ou nada tem a ver com verdadeira filosofia havaiana. Essa deturpação levou à criação o termo “Fauxoponopono” (composição da palavra “Ho’oponopono Falso”) como forma de denunciar esse tipo de apropriação indevida.
Na postagem, Adam Keawe destaca que o autêntico significado do Ho’oponopono não está relacionado ao Huna e esclarece que, na realidade, o próprio Huna é uma criação do ocidente que não tem origem havaiana.
“Huna é uma prática New Age (movimento que se difundiu entre comunidades religiosas ocultistas e metafísicas ligadas ao movimento hippie nas décadas de 1970 e de 1980) criada por um escritor de ficção científica chamado Max Freedom Long, que não teve nenhum contato com praticantes culturais reais. Também é pouco provável que ele tenha se relacionado com nativos havaianos”, esclarece o historiador.
O mais grave, segundo revela Adam Keawe, é o fato de que Max Freedom Long alega que “aprendeu” a “magia havaiana” através dos ensinamentos de William Brigham, primeiro diretor do Bishop Museum de Honolulu, que era abertamente racista e detrator da rainha Liliuokalani (última monarca havaiana destituída após um Golpe de Estado apoiado pelos EUA). Brigham, por sua vez, era um homem branco de origem anglo saxã, que defendia a supremacia racial ariana e a inferioridade dos nativos, além de nunca ter aprendido a falar a língua havaiana.
Citando Mary Kawena Pukui, respeitada pedagoga nativa do Havaí e figura de destaque de movimentos de resistência e preservação da cultura havaiana, Adam esclarece que o verdadeiro Ho’oponopono jamais será uma solução rápida e instantânea trabalhada apenas através de “quatro frases milagrosas” e que somente pode ser aplicado a uma família com longas e sólidas relações. Ou seja, é uma prática que dura de semanas a anos envolvendo familiares em conflito, e que vai muito além de dizer “sinto muito, por favor, me perdoe, eu te amo, obrigado” diante de uma situação de desconforto, acreditando que ao dizer essas palavras, tudo se resolverá.
“Fauxoponopono prega que existe um alinhamento de energias controlado através de orações de perdão que são, basicamente, uma reprodução de conceitos cristãos de reza que não tem relação com a cultura havaiana. Essa prática não funciona se não exercida com sinceridade (algo que demanda tempo)”, esclarece o historiador.
Por fim, Adam cita o exemplo de Morrnah Simeona, outra respeitada educadora havaiana que incorporou a prática do Ho’oponopono a seus estudos filosóficos sobre a Índia e China, criando o seu próprio conceito de Ho’oponopono. O historiador explica que o trabalho de Simeona não deve ser lido como Fauxoponopono, uma vez que ela sempre deixou claro que a intenção de seu trabalho era aplicar a sua visão de tradições havaianas incorporada a conceitos globais, ou seja, Simeona desenvolveu uma técnica própria, inspirada nos saberes ancestrais de seu povo. Ela nunca apresentou seu trabalho como Ho’oponopono, mas uma versão sua sobre a prática.
Huna e a versão “autoajuda” do Ho’oponopono são parte de uma prática de apagamento cultural e esvaziamento de significados que se repetem desde o início do período colonialista e de extermínio dos povos originários das Américas e do Pacífico. Daí a importância do trabalho de estudiosos como Adam Keawe no combate à interpretações simplificadas que negligenciam a riqueza e profundidade de práticas culturais como o Ho’oponopono.