Oito resoluções para o Ano Novo
O ano novo que se inicia é também o momento de pensamos no que ficou por fazer e no que queremos pôr em ... leia mais
Em 1° de janeiro de 1863, o então presidente norte-americano Abraham Lincoln promulgava a Emancipation Proclamation, lei que abolia a escravidão em todo território dos EUA.
No entanto, os 4 milhões de negros que viviam no país, só teriam sua liberdade assegurada a partir de dezembro de 1865, quando o Congresso proibiu oficialmente a escravidão nos Estados Unidos através da 13ª Emenda Constitucional.
A partir de então, deu-se início a uma luta secular pela igualdade de direitos e de enfrentamento às chamadas leis de segregação, que impediam o direito ao voto, à educação, a frequentar determinados espaços públicos, entre outras proibições absurdas que foram impostas a todos os afro-americanos após o fim da escravidão.
Conhecidas como “Jim Crow”, essas leis discriminatórias, que duraram até a década de 1960, legitimavam a humilhação pública de negros e perpetuavam a sua marginalização económica e educacional. Qualquer um que desafiasse a ordem social enfrentava menosprezo, assédio e até assassinato.
Assim, durante os longos anos em que as horrendas leis Jim Crow vigoraram, apenas cinco praias em todos os Estados Unidos podiam ser frequentadas por negros. Entre elas, Inkwell, em Santa Monica, na Califórnia.
Entre os anos 1940 e 1950, essa praia era muito frequentada por um jovem marinheiro negro chamado Nick Gabaldon.
Nick era presença constante em Inkwell, mais especificamente dentro da água, onde passava horas nadando e praticando bodysurf.
Seu talento natural e desenvoltura nas ondas logo chamou a atenção de uma lenda do surfe: Buzzy Trent.
Buzzy trabalhava parte do ano como guarda-vidas nas praias da Califórnia, e Inkwell era um de seus locais de trabalho. Ele percebeu o talento natural de Nick Gabaldon no mar e uma admiração mútua estabeleceu-se entre ambos.
Foi através de Buzzy Trent que Nick Gabaldon teve contato com o surfe de prancha pela primeira vez e a identificação foi imediata.
Buzzy também contou ao amigo sobre uma praia chamada Malibu, localizada a cerca de 20 quilômetros ao norte.
Lá, ao contrário de Inkwell, as ondas eram longas, perfeitas e alinhadas. Só havia um problema: Nick não dirigia e até poderia chegar a Malibu a pé, porém, seria obrigado a atravessar áreas da cidade onde afro-americanos não eram bem-vindos.
A solução encontrada por Nick? Chegar ao pico remando.
Assim, para poder surfar Malibu, Gabaldon passou a remar regularmente 12 milhas (cerca de 20 quilômetros) para chegar ao pico. Para voltar para casa, remava de volta a mesma distância.
Ele rapidamente foi acolhido pelos locais de Malibu, incrédulos com o fato de que era obrigado a remar 20 quilômetros para conseguir surfar aquelas ondas. Tamanha paixão pelo surfe era digna de respeito.
Com o tempo, Gabaldon foi ganhando o respeito e a admiração dos locais que, eventualmente, lhe ofereciam uma carona.
No documentário “12 Miles North The Nick Gabaldon Story” (confira ao final da matéria), Dick Mets, Peter Cole, Mickey Munoz, entre outras lendas do surfe que desbravaram Malibu nos anos 1940 e 1950, recordam com carinho de Nick Gabaldon.
“Na água ninguém se importava com a cor de sua pele. O que importava era a sua atitude, sua paixão pelo surfe e camaradagem, e Nick tinha isso de sobra, além de ser muito habilidoso nas ondas. Todos gostavam muito dele. Não havia uma pessoa que não amasse Nick”, conta Ricky Grigg, em um dos depoimentos ao longo do documentário.
Mesmo sem se importar com o fato, Nick Gabaldon desafiou as convenções nos Estados Unidos, que institucionalmente impediram muitos negros de acessar o oceano, para viver seu amor pelo surfe e pelo oceano.
Ele alcançou um nível de conexão com o oceano que a maioria das pessoas muito acima da média das pessoas da época, incluindo os outros surfistas.
Em 5 de junho de 1951, Nick surfaria sua última onda. Durante um dos maiores swells da história de Malibu, Gabaldon perdeu o controle de sua prancha e atingiu uma das colunas do píer da famosa praia, em um acidente fatal. Provavelmente bateu a cabeça, desmaiou e acabou se afogando.
Seus amigos tentaram desesperadamente encontrá-lo, mas seu corpo só foi localizado dias depois pela guarda costeira.
Passados mais de 60 anos do acidente, seus companheiros de surfe de Malibu ainda se emocionam ao recordar o trágico dia em que viram pela última vez Nick Gabaldon sobre uma onda.
“Para Nick, o surf era um veículo para melhorar seu mundo. O oceano era seu meio, o que é adequado, porque o mar não conhece preconceitos; é o melhor equalizador”