Remando em Preservação – Diário de bordo II

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Hamilton Souza e Márcio Torres. Foto: Arquivo pessoal

Chegar a Ilhéus no dia 12 foi um porto seguro, já que temos a Marinha do Brasil como apoio logístico. Do dia 13 ao dia 17 desabou uma grande tempestade com forte vento sul de até 33 nós e ondas de 2 metros. Ficamos abrigados no hotel de trânsito da Marinha aguardando uma oportunidade mínima para seguir adiante, e ela veio.

No dia 18 zarpamos desconfiados para uma difícil missão, chegar em Belmonte no dia 21, enfrentando grandes ondas e bocas de barra assustadoras. Foram 35,63 km de Ilhéus à Acuípe, 35,12 km até a ilha de Comandatuba, 34,53 km até Canavieiras e 29,62 km até Belmonte. Quatro dias com tempo fechado, mar grosso e marrom, picado, ondas fortes e arrebentações dificílimas. Após a passagem da frente fria de sul, ficou um swell com ondulação forte de leste, que chamamos de “encardido”, já que permanece por longo período.

Veja também > Remando em Preservação – Diário de bordo I

Com o mar nessas condições o maior desafio foram as bocas de barra, já que essa é a região mais irrigada por rios grandes da Bahia. Com o swell “encardido” de leste, as ondas arrebentavam muito longe e precisamos arribar muito, nos afastando da costa. Capotar lá fora nem pensar, poderia nos colocar em “maus lençóis”, então remamos com muita cautela nesses lugares, com mar muito mexido e ondas de polpa e través dando grandes rasteiras em nossos caiaques.

Mas foi a Barra de Canavieiras nosso momento mais tenso. Ela é a confluência de muitos rios, com destaque para o Salsa e o Pardo. Simplesmente enorme e com ondas grandes se tornou um monstro a ser superado. Um quilômetro antes já sentíamos seu poder, a cor da água se transformara em marrom chocolate e seu balanço mais parecia um liquidificador batendo.

Hamilton Souza. Foto: Arquivo pessoal

De longe avistamos a grande e longa arrebentação e tivemos que arribar verticalmente para fora do oceano uns 6 km e contorná-la por fora. Sentimos muito medo, não podíamos capotar e a longa remada repleta de tensão e atenção era na “unha”. Nossa comunicação se restringia apenas em avisos de grandes ondas diagonalizadas que vinham de polpa e través e que nos davam enormes rasteiras que exigiam perícia no controle dos caiaques. Foi um grande alívio quando a superamos.

Em Belmonte ficamos um dia a mais em função de um forte vento sul que impossibilitou a saída, aproveitamos para fazer um balanço das questões ambientais às quais nos propomos a fazer. Ao longo da viagem realizamos entrevistas marcantes com as comunidades pesqueiras tradicionais, ouvindo muitos relatos emocionantes em relação ao impacto causado pelo derramamento de óleo que ocorreu em 2019.

Partindo de Belmonte. Foto: Marco Antônio

Muitas famílias ficaram em grande dificuldade, já que não podiam pescar para consumir, tampouco para vender, em função dos riscos de contaminação dos peixes e mariscos. Sem contar com o drama que viveram ao botar as mãos diretamente no óleo, muitas vezes sem equipamentos adequados e colocando em sério risco a saúde. Desespero, choro e a angústia de não saberem o que ocorreu, que óleo era aquele e se existe risco de ocorrer novamente. Pra nós tem sido emocionante realizar esse trabalho, sabendo que, de certa forma, estamos recolocando essas comunidades no mapa e mostrando para a REBICOP e para o IGEO (Instituto de Geociências da UFBA) quais foram as zonas mais afetadas e mais impactadas.

A partir de Belmonte encontramos mares mais serenos, um merecido descanso para nossos nervos. No dia 24 remamos 28,60 km para um paraíso chamado Mogiquiçaba e lá ficamos maravilhosamente presos por mais um dia de forte vento sul. Uma vilazinha de pescadores banhada por mar e pelo lindo rio Preto que nos convidou a fazer trilhas repletas de banhos e imagens maravilhosas.

Márcio Torres e a esposa Mariana. Foto: Arquivo pessoal

No dia 26 seguimos em “mar de almirante” até a bela vila de Santo André, às margens do rio João de Tiba e lá vimos o amanhecer mais bonito da expedição até então. Finalmente no dia 27 de novembro remamos até Porto Seguro, uma remada emocionante, afinal estávamos chegando no destino da humilde expedição realizada em 2014, quando remamos do Morro de São Paulo a Porto Seguro com equipamentos precários, sem dinheiro, incógnitas, movidos apenas pela paixão e pelo desejo de viver a vida do mar.

Chegada em Porto Seguro. Foto: Marco Antônio

Ao nos aproximarmos da barra do rio Buranhém fomos cercados por muitas embarcações, tinha uma lancha da Secretaria de Meio Ambiente do município, duas privadas e duas lanchas e uma motonáutica da Marinha do Brasil. Fomos escoltados até a delegacia da Marinha ao som de altas sirenes das embarcações oficiais e sob olhares atentos e curiosos dos turistas das balsas que atravessavam entre Porto Seguro e Arraial D’ajuda. Confesso que foi difícil conter as lágrimas. Sei que ainda falta muito até o Rio de Janeiro, mas me alimento e me fortaleço, por enquanto, na grande alegria de estar realizando esse sonho e de ver tantas pessoas bondosas sonhando conosco e nos auxiliando ao longo desse caminho. A todos vocês, nossa mais tenra gratidão!

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