
NIKIT VAA 2022 é cancelada
A edição de 2022 da NIKIT VAA, competição que faz parte do calendário nacional da Copa Brasil de Va’a ... leia mais

Lembra quando treinar huli era coisa séria? Quando um clube decente tratava o “desvira a canoa aí, campeão” como parte do kit básico do remador, no mesmo nível de saber passar protetor solar sem ficar com a cara parecendo máscara de carnaval? Pois é… ficou no passado. Hoje o huli virou quase lenda urbana: todo mundo jura que domina, mas quando o mar pergunta “e aí?”, a maioria faz aquela cara clássica de quem não estudou pra prova.
E vou além: se amanhã o VAARJ ou o Brasileiro resolvessem brincar de professor carrasco e mandassem um teste surpresa — tipo “bora dar huli nessas canoas rapidinho, meus jovens?” — ia virar um barata voa geral. Tem equipe que travaria, equipe que entraria em negação e uma galera respeitável que não conseguiria nem desvirar a canoa de volta… quanto mais virar a chavinha da consciência.
A verdade é dura e sem romance: canoa NÃO vira em mar lisinho, sem vento, vibe de spa. Ela vira quando a natureza acorda azeda. Ventão, ondão, arrebentação com aquela cara de “tô só esperando você piscar” pra dar um croquezinho pedagógico. E é aí que se separa quem treinou de verdade de quem só treinou pra fazer foto sorrindo no Instagram.
E não é exagero, não. Já vimos huli feio em prova grande, em longa distância e até no Brasileiro. E não tô falando daquele huli didático, fofinho, instagramável. É aquele que te lembra em três segundos que o mar é sincero — e que flexão de ego não salva ninguém.
O mais absurdo? Isso deveria ser obrigatório, igual colete, apito e o mínimo de juízo. Mas seguimos naquela preguiça institucionalizada. Clubes — e aqui eu me incluo, sem frescura — penam pra praticar a manobra com regularidade.
De um lado, as equipes de competição que se acham tão acima do bem e do mal que huli virou “coisa de iniciante”. O papo é remar forte, remar rápido, remar bonito. Desvirar a canoa? “Relaxa, irmão, isso não vira com a gente.” Beleza. Depois manda uma carta psicografada para sua mãe quando virar.
Do outro, os remadores mais novos, que quando ouvem “vamos treinar huli” já começam a montar tragédia: “E se o iako bater na minha cabeça?”, “E se eu não conseguir subir na canoa?”, “E se entrar água no ouvido?” A criatividade deles pra criar pânico é maior que a força pra remar.
E aí vem a cereja do bolo: a quantidade absurda de remadores de lagoa que nunca treina huli. E o problema começa quando essa galera sai da lagoa achando que tem passe livre no mar.
E pra completar o bingo, ainda tem instrutor que pula essa parte do treino porque “é arriscado demais”. Irônico, né? A manobra criada justamente pra evitar problema sendo deixada de lado por medo… do problema.
Resultado: seguimos empurrando com a barriga, fingindo que tá tudo sob controle… até o mar decidir ensinar, do jeitinho dele, como as coisas realmente funcionam.
Porque no fim das contas, huli não é só técnica. É humildade. É aceitar que a canoa vira, que o mar não tá nem aí pra vaidade de ninguém, e que saber desvirar salva treino, salva prova e, em certos dias, salva vida.
Ainda dá tempo de resgatar essa cultura antes que vire peça de museu. Huli não dói. Dói é colocar todo mundo em risco.
* Este é um artigo de opinião. As ideias aqui expressas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a posição editorial do Aloha Spirit Mídia.