
Dayone Rossi celebra criação da categoria Elite no Aloha Spirit: “Indispesável”
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A canoa polinésia (va’a) cresceu. Cresceu tanto que virou moda — e, como toda moda, veio acompanhado de um belo pacote de irresponsabilidade. O esporte que nasceu da tradição, do respeito e da preparação corre o risco de se tornar uma vitrine de ego e vaidade. Hoje, em muitos clubes, a pressa de competir fala mais alto que a vontade de treinar. E, no meio disso tudo, o gestor de clube vai perdendo voz e se tornando quase uma peça decorativa dentro de sua própria base. E o que é pior: muitos estão deixando a coisa rolar, carimbando inscrições e torcendo pra que tudo corra bem.
Quando um clube leva uma equipe pra competir, não está transportando “heróis polinésios de camiseta personalizada”. Está assumindo uma baita responsabilidade técnica e moral. Mas esse conceito me parece que anda em extinção. O novo lema é “partiu prova” — junta um bando de ‘maluco’, treina uma semana, paga a inscrição e reza pro mar estar de bom humor. E se der ruim? Paciência, é “experiência”. O problema é que o mar não é simpático, nem democrático. Ele não aceita improviso, não negocia com amadorismo e normalmente ensina suas lições do jeito mais duro possível.
O pior é que muita gente ainda acredita que toda competição é igual. Sprint, maratona, longa distância, downwind, tudo no mesmo balaio da “superação pessoal”. O resultado? Uma multidão de remadores que acham que basta querer. Só que vontade não rema sem preparo, e o mar não aceita currículo de remador inexperiente. Enquanto isso, as competições oficiais, como o VAARJ e o Brasileiro, vão baixando o nível técnico das provas sob a desculpa de que é preciso “incluir todos”. Aí vêm os incidentes, a confusão e a velha reação em cadeia: federações recuam, tornam as provas mais fáceis, e o va’a vai virando um esporte de prateleira, versão “zero açúcar”, com sabor de oceano artificial.
Os clubes — que deveriam ser o alicerce, os guardiões dos atletas — estão se transformando em figurantes. Quem dá as cartas agora é o “remador freestyle”, com logo feita no Canva e bio no Instagram afirmando ter virado “atleta do va’a” da noite pro dia. Surgem “coletivos”, “projetos”, “equipes autônomas” que usam nomes bonitos pra mascarar o mesmo problema: falta de preparo e excesso de confiança.
E os gestores de clubes, cansados, estão largando de mão. Muitos já desistiram de preparar remadores pra campeonatos. Afinal, pra quê se responsabilizar se todo mundo agora é “freestyle”? Em breve veremos inscrições diretas em campeonatos, ou seja, sem vínculo com clube, sem técnico, sem nada. O sonho da autonomia total. Pra mim, esse é o pesadelo da responsabilidade zero.
O resultado é um va’a diluído, domesticado, cheio de gente confundindo “fazer o que quer” com “saber o que faz”. A federação vira babá, o organizador vira bombeiro, e o mar não irá perdoar o próximo aventureiro que confundiu coragem com preparo.
Posso parecer pessimista, mas, do jeito que está, não vejo luz no fim do túnel. E, se tiver, é o barco de apoio vindo resgatar mais um iluminado que acreditou ser o novo “Maui”, armado apenas com vontade e em busca de uma linda selfie. Enquanto o va’a continuar sendo tratado como palco pra performance de Instagram — e não como uma cultura de respeito ao oceano — o mar vai seguir ensinando. Sem dó, sem filtro e, muitas vezes, sem volta.