
Va’a em Serra da Mesa (GO): Uma expedição, um novo momento
Nosso colunista, João Castro, participa de expedição de va'a em Serra da Mesa, uma joia da natureza no ... leia mais

No último mês de julho, um grupo de jovens indígenas representando povos que habitam a região da Bacia do Klamath, na costa oeste dos Estados Unidos, concluiu uma jornada marcante: a primeira descida completa do agora livre Rio Klamath, que percorre 310 milhas (cerca de 500 km) entre o sul do Oregon e o norte da Califórnia, nos Estados Unidos. Esta aventura foi mais do que uma conquista esportiva; simbolizou a reconexão cultural e espiritual dos povos originários com o rio e celebrou a recente remoção de quatro barragens hidroelétricas, evento que tornou o Klamath novamente um rio de fluxo livre, algo inédito em mais de um século.
O projeto de remoção das barragens do Klamath foi o maior já realizado no mundo. Iniciado com a retirada da primeira barragem em outubro de 2023 e concluído com a demolição da Iron Gate Dam em setembro de 2024, o projeto restaurou quase 640 km de habitat para o salmão. Mais do que um marco ambiental e um esforço de engenharia, foi resultado de décadas de luta e mobilização, principalmente por parte de ativistas indígenas que defenderam a restauração do rio e de seus ecossistemas fundamentais.

A iniciativa da descida foi conduzida pelo coletivo indígena “Ríos to Rivers”, formado por adolescentes do ensino fundamental e médio, todos membros de povos tradicionais como Yurok, Hoopa, Shasta, Karuk e Klamath. Eles treinaram durante três anos em rios regionais, como McKenzie, Salmon, Smith e Trinity, além do lendário rio Bio Bio, no Chile. O treinamento incluiu habilidades em caiaque em corredeiras e segurança em rios, além de uma formação escolar baseada em uma perspectiva indígena, por meio da Paddle Tribal Waters Academy, uma parceria da organização Ríos to Rivers com a World Class Academy.
Apesar do termo “primeira descida” normalmente se referir a explorações inéditas, os organizadores e participantes reconheceram o simbolismo deste feito. Para eles, “primeira descida” significa, sobretudo, recuperar o uso ancestral do rio, utilizado como via de transporte e sustento há milênios, antes da construção das barragens.
Para Ke-Get Omar Dean V, de 18 anos, membro do povo Yurok, a jornada teve significado especial: “Fico muito orgulhoso por ter concluído esta viagem e sou grato pelo apoio da minha família e por poder honrar o legado da minha avó na luta pela remoção das barragens. Pudemos completar essa jornada graças às pessoas que vieram antes de nós e que garantiram um rio de fluxo livre.”

Além de restaurar o ecossistema do salmão — uma espécie vital para toda a região — a reabertura do Klamath oferece alívio para as comunidades indígenas, que dependem historicamente do rio. Por anos, as barragens prejudicaram o acesso ao alimento tradicional e criaram o que hoje é considerado um dos maiores desertos alimentares do lado oeste dos Estados Unidos.
Em outubro de 2024, menos de um mês após a derrubada da última barragem, testemunhou-se um dos momentos mais aguardados: o retorno do salmão Chinook ao Klamath, presença ausente há mais de cem anos.
No final da expedição, os jovens, familiares e membros da comunidade formaram um círculo cerimonial na areia, na foz do rio, marcando não apenas o fim da jornada, mas o início de uma nova relação entre as pessoas e o rio Klamath, agora “livre”, uma vez mais.
A história desses jovens demonstra que a luta pela recuperação dos territórios e dos saberes ancestrais segue viva, carregando esperança para as futuras gerações e inspiração para outras comunidades tradicionais do mundo inteiro.