
Inscrições abertas para a Leme ao Pontal 2023 e 2024
Leme ao Pontal, uma das provas de remada mais icônicas do Brasil, abre inscrições e confirma datas para ... leia mais
“Durante anos, ela remou em um clube de canoa havaiana. Estava presente nos treinos, participava das competições, aprendia aos poucos. Como tantos outros, acreditava que o colete era dispensável — um excesso de zelo, talvez. Afinal, nunca tinha acontecido nada a anos. Nunca… até o dia em que a canoa virou.
O mar estava agitado, com ondas quebrando. Os remadores eram até experientes, mas não invencíveis. No momento do huli (capotagem), a remadora, que sempre evitava o uso do colete, entrou em pânico. O que poucos sabiam — e talvez nem ela mesma soubesse — é que, apesar dos anos de prática, ela também não sabia nadar com segurança em mar aberto agitado.
Sem o colete, flutuar se tornou um desafio. A crise de ansiedade se instalou rapidamente. Respirava de forma descompassada, mexia os braços sem coordenação, afundava. Os colegas tentaram ajudá-la, mas não conseguiram colocá-la de volta na canoa: ela estava em pânico, exausta, o mar balançava com força e o esforço de resgate se arrastou por minutos que pareciam horas.”
Embora o relato acima seja uma ficção criada por mim, para esse artigo, ele reflete com precisão situações reais vividas em muitos clubes de canoa havaiana. Infelizmente, é comum subestimar o fato de que nem todos os remadores têm preparo para lidar com o mar agitado — seja por falta de habilidade na natação, seja pela possibilidade de entrarem em pânico ou sofrerem crises graves de ansiedade em momentos de tensão.
É comum ouvir frases como: “Mas eu sei nadar”, “Me sinto preso com o colete”, ou ainda — e talvez a mais absurdo — “No Havaí ninguém usa”. Esses argumentos ignoram fatores fundamentais da segurança náutica. Saber nadar não significa estar preparado para enfrentar uma situação de emergência em mar aberto. O cansaço, o frio, a correnteza, o susto, a desorientação ou uma crise de pânico podem comprometer a reação de qualquer um — até mesmo de atletas experientes.
O colete salva-vidas não é um símbolo de inexperiência, é um recurso essencial de proteção. Justamente por causar certo desconforto em terra firme, ele deve ser incorporado aos treinos, ajustado ao corpo e testado com naturalidade. Porque, no mar, conforto de verdade é ter a certeza de que, se algo der errado, você permanecerá flutuando.
A segurança em esportes náuticos não pode jamais ser tratada como questão de escolha pessoal. Confiar na percepção individual de risco é uma irresponsabilidade — e clubes que agem assim estão abrindo espaço para tragédias anunciadas. Cabe aos clubes estabelecer regras claras, rígidas e inegociáveis. O uso do colete salva-vidas não é opcional, deveria ser obrigatório. Abrir mão dessa exigência para agradar atletas, parecer “descolado” ou evitar reclamações é simplesmente negligência.
Mais do que um item de segurança, o colete representa o compromisso coletivo com a vida. Sua obrigatoriedade educa, previne e protege. Quando todos usam, o uso deixa de ser motivo de vergonha ou resistência — vira parte do uniforme e um sinal de responsabilidade. Qualquer clube sério precisa entender: flexibilizar o básico não é liberdade, é imprudência.
Todo protocolo de segurança nasce de aprendizados — alguns teóricos, outros vividos na pele. O problema é quando o aprendizado vem tarde demais. A maioria dos incidentes graves no mar poderia ser evitada com medidas simples, sendo o uso do colete salva-vidas a mais básica e eficaz delas.
Esperar que algo aconteça para, só então, adotar regras mais rígidas é caminhar no limite da irresponsabilidade. Quando uma canoa vira e alguém entra em pânico, não há tempo para arrependimentos, apenas para ação. E é justamente nesse momento que o colete se torna a diferença entre o resgate e o desastre.
Clubes que realmente respeitam seus remadores não podem seguir ignorando o risco real que existe em cada saída para o mar. A obrigatoriedade do colete salva-vidas não é um exagero. É um ato de respeito à vida — e deveria ser uma política inegociável.