Brasileiro de V1 / V1 R ao vivo
Acompanhe ao vivo, direto de Búzios, o campeonato brasileiro de va'a maratona nas categorias V1 e V1R
Aloha galera, nesse tempo de isolamento social, a coluna Casos e Acasos do Va’a abordará um tema muito legal sobre a canoa polinésia, a receptividade envolvida para aqueles que chegam remando nos locais de destino!
Desde muito novo comecei minha vida indo viajar. Normalmente pelo surfe, que na época ainda era fomentado pelas revistas no Brasil. Fluir, Hardcore, Inside, Brasil Surf, entre outras, inspiravam a cabeça dos amantes do surf e nos faziam viajar junto com ídolos como Ricardo Bocão, Renan Pitanguy, Rico de Souza, e muitos outros que estavam desbravando os picos ao redor do mundo.
Na era pré internet, as notícias levavam ao menos um mês para chegar até os simples mortais como nós.
E o pior é que era uma expectativa gostosa! Quem ganhou tal campeonato, qual onda estava sendo desbravada no momento?
Essas revistas nos faziam pirar e inspiravam jovens sonhadores a irem em busca da onda perfeita!
Histórias também de localismos, dos Da Hui ou Black Trunks havaianos, que expulsavam os Haoles de suas praias, eram comuns! E isso gerava ainda mais ansiedade para aqueles que se propunham a ir em busca dos seus sonhos!
Com 13 anos de idade fiz minha primeira surf trip lá para Trindade. Ainda selvagem, a descida até a praia ainda era de barro e fazia jus ao seu nome: “Deus me livre!”. Em dias de chuva, só trator para trazer de volta os carros que se aventuravam até lá.
Para a gente, adolescentes carregando sua “vida” nas costas, e suas pranchas debaixo do braço, era fantástico o sentimento de explorar aquele lugar de altas ondas, acampar nas areias do Cachadaço, ajudar os pescadores no arrastão de peixe para garantir um rango do dia, e surfar no paraíso nas águas fortes do Cepilho!
E assim fui viajando pelo Brasil: com os amigos mais velhos que tinham carros, com os amigos nos ônibus da vida, depois com a carteira de motorista e um fusquinha… até as viagens internacionais para surfar as ondas de verdade como Taiti e Havaí, lugares onde o “bicho pega”.
A minha primeira viagem de canoa polinésia foi há muito tempo, talvez em 2009, 2008, já não lembro muito bem, mas tem tempo! A ideia era ir de Paraty Mirim até Trindade, passando por lugares já conhecidos e outros ainda não.
Martim de Sá era o principal ponto de parada para surfar aquelas ondas clássicas e rever o falecido Sr. Maneco, um pai para todos aqueles que respeitavam a raiz do local e sua cultura caiçara!
Queria unir meus dois esportes de mar: o surf, minha paixão desde que me entendo por gente, e a canoa, que a cada dia ganhava mais espaço na minha alma!
Não existia literatura, não existia nenhum caso mostrando como se fazia, mas a vontade de ir era maior e os improvisos foram feitos dia a dia. Até que achamos a forma ideal de acondicionamento na canoa e hoje, depois de muitas travessias, já temos todo um sistema de acondicionamento na canoa com pranchas, malas e etc. Conhecimento que foi passado para muitos nomes do esporte que hoje fazem suas aventuras por aí!
Assim, depois dessa explanação inicial, chegamos ao tema desse artigo, o acolhimento para aqueles que chegam remando pelas praias desse enorme litoral que temos!
Quando as primeiras canoas polinésias individuais a chegar em praias como a Praia Grande da Cajaíba, em Paraty (RJ), os moradores de lá nos receberam como grandes amigos do mar!
Até hoje a amizade permanece forte com os amigos locais de lá! Nos colocaram na melhor casa, deram abrigo e passou a ser um ponto de apoio forte para quem vai para o sul do Brasil remando.
Quando chegamos em Martim de Sá naquele ano, Sr. Maneco não acreditava no que via! E repetia sem parar:
“Meus fios, ocês são doidos! Eu num tenho coragem de passar pela ponta do Juatinga nesse troço de jeito nenhum! Oh, faz assim, num precisa montar barraca não, fica ali no meu barracão! Ali ocês tão protegidos de tudo e não precisa pagar nada, ali é meu cantinho especial”.
Saudoso Sr. Maneco que junto com D. Lorenza sempre nos recebia assim, com esse jeitinho caiçara de ser!
Dona Lorenza, aliás, em cada saída que passei por Martim de Sá, sempre acordava antes de todos nós, independente da hora, e preparava um cafezinho especial e um bolo para aqueles que estavam deixando aquele lugar especial. E antes de ir falava assim:
“Que nossa senhora dos navegantes e a rainha Iemanjá abram suas água para ocês; espero ocês para o próximo café. Que Deus os acompanhe!”.
Escrevendo esse parágrafo e lembrando desses dois anjos da minha vida, meus olhos chegam a marear!
Nesta mesma viagem, já no penúltimo dia, quando estava chegando em Antiguinhos para um acampamento selvagem, vi um barco de pesca. Inicialmente o famoso miojo ia ser o jantar. Quando vi aquele barco, pensei: “Vou arrumar um peixe pro jantar”.
Cheguei no bordo do barco, e chamei o pescador. Ele, meio assustado com aquele pedaço de fibra, pergunta:
“- Vocês estão vindo de onde?
– De Martim de Sá, estávamos lá com Sr, Maneco!
– Espera aí um segundo…”
E voltou com dois sacos de mercado enormes, cheios de peixe!
Eu, meio sem entender nada, e com pouquíssimo dinheiro, falei para ele:
“Meu amigo, não tenho dinheiro para esse peixe todo não.”
Eis que ele responde uma frase que nunca mais me esquecerei:
“Não precisa de dinheiro. Você é um ser do mar, e para quem é do mar, peixe não se vende, peixe se dá! Vai com Deus e espero que seja suficiente para matar sua fome! Agora me de licença que preciso voltar aos meus afazeres!”
E esse anjo da guarda virou as costas, voltou para suas tarefas e comemos o melhor peixe debaixo de um céu estrelado nos sentindo os mais sortudos do mundo!
Para fechar essa viagem, meu grande amigo de algumas aventuras, Tulinho, da pousada Araribé de Trindade, nos recebeu de uma forma calorosa e acolhedora.
Pronto! Estava feita a primeira travessia de Va’a carregando uma prancha no Brasil, e novos horizontes se abriram.
Aquilo seria minha vida a partir de então. Desbravar o oceano com minha prancha e minha canoinha!
Como não lembrar da minha segunda família, na praia do Aventureiro, em Ilha Grande (RJ), local que junto com Trindade, passei boa parte da minha vida surfando.
Quando cheguei lá a primeira vez, junto com meu brother Máximo Novello, um dos caras mais antigos do clube Rio Va’a, junto com Nicola, meus amigos nos abraçaram e nos saldaram! Eram as primeiras OC1 a passar pela ponta dos Meros e ir de Angra até o Aventureiro!
Meus amigos Bidi, Maicon, sr. Jair, Kristi, D. Esmeralda, Beto… Obrigado amigos, por tudo!
Existe uma enorme diferença entre se chegar nos locais para surfar ou para remar. A animosidade da galera do surf é cruel às vezes e a disputa por onda faz com que muitos picos sejam “fechados” para quem é de fora, muitas vezes sem intenção, mas rola.
Um point break que só quebra onda em um pico, a galera do local vai estar ali entre amigos, conversando, e pegando as ondas todas, quem é de fora, especialmente se chegar com ‘galerão’, não conseguirá surfar.
Já quando chegamos de canoa… Ah, tudo muda! Mesmo em picos como o Havaí, onde o localismo é mundialmente conhecido!
Durante todos esses anos navegando por aí sempre que cheguei com meu remo e minha canoinha as portas se abriram!
O verdadeiro espírito Aloha, ou espírito Va’ a se consolida e ao menos um teto, um prato de comida, um banho doce a gente sempre consegue!
Meu grande irmão Anamauê, Lucas Mion, foi um desses irmãos que conheci depois de uma travessia com os irmãos André Guerbatin e Lucas Moura que acabou em Ubatuba. Em época que as previsões ainda eram “imprevistas”, conversar com alguém que estivesse em um local além de onde se queria ir era fundamental.
Nessa viagem que saímos de OC1 de Paraty e chegamos em Ubatuba. Luquinha foi fundamental, passando como estavam as condições mais ao Sul de onde estávamos e isso salvou a gente em uma manhã em que senti o sexto sentido dizendo para não ir, apesar de aparentemente não ter nenhum problema.
Uma hora depois, o vento chegou forte e se tivéssemos singrado o mar seríamos pegos por esse Sudoeste no paredão que liga trindade a Ubatuba, um local que ninguém deve pegar nessas condições, pois não há fuga e o vento joga para as pedras.
Dois dias depois chegávamos em Ubatuba, na praia de Itamambuca e fomos recebidos pelo Luquinha e a família que hoje é parte da minha: Ubatuba Hoe!
Nessa última expedição Anamauê, que viemos da Bahia para Niterói, tendo sido o primeiro time do Brasil a bater a marca de 1000km de canoa polinésia, só conseguimos nosso êxito pelas boas almas que encontramos no nosso caminho e daí veio a vontade de escrever esse artigo.
Desde que chegamos em Arraial d’Ajuda, tivemos uma corrente do bem incrível! Nosso camarada Leandro abriu sua casa para seis “malucos” totalmente carregados, fazendo bagunça e modificando sua rotina para que nos sentíssemos em casa! Mahalo Leandro!
Depois, em cada ponto que passamos, fomos muito bem recebidos e isso não tem a ver com luxo, com coisas que ganhamos nem nada disso, mas sim com algo muito mais valioso: Atitude!
Na ponta do Corumbau tivemos a ajuda dos pescadores locais que nos liberaram acampar na praia e ainda nos deram o peixe para a refeição da noite!
Em Prado, a querida Nina, irmã do grande brother Tavo Manuia, abriu as portas de sua casa para essa galera toda por três dias, mesmo em tempos de Covid-19!
Depois de Prado a próxima parada foi em Nova Viçosa, onde fizemos nosso segundo acampamento selvagem e quando estávamos arrumando nossas coisas um amigo, Evilásio, que conversara conosco no dia anterior, chegou e nos levou para um grande café da manhã na padaria local!
Em todos os lugares que passamos fomos muito bem chegados! Poderia falar o nome de todos e vou falar:
Porém, um agradecimento mais do que especial vai para os amigos de Grussaí, galera do kite local, para o Rafael Barros e Bruno Tatto.
O Bruno, especialmente, é uma daquelas almas únicas, pronto para ajudar.
Imagina a cena: chegam seis remadores, sem teto, pois as nossas barracas tinham ficado em Regência para diminuir o peso da canoa, e estávamos já sem dinheiro, mas com muita vontade.
O Bruno nos viu chegar e, sabendo da nossa situação, que teríamos que ficar lá esperando a boa vontade de Deus abrir o mar para a gente passar, não pensou duas vezes e nos alojou por três dias, emprestando seu carro para que pudéssemos fazer os corres que precisávamos, tal como comprar material para consertar a canoa!
Fala sério, quem de nós confiaria assim em seis pessoas totalmente desconhecidas?
Foram tantas pessoas que já cruzei por esse mundão de água que poderia ficar escrevendo as características de cada um, pois me lembro da fisionomia e do momento de encontro com cada um deles!
Nesses tempos doidos em que estamos vivendo, com tanta polarização e discussões a cerca de opiniões, quando se vai para o mar desprovido de vaidades, com apenas um saco de 50L abrigando todos os seus pertences por quase um mês, percebemos que quando nos desconectamos das mídias, da notícias, sejam elas televisivas ou on-line, encontramos seres humanos puros, que te olham sem nada e te ajudam não pelo o que você tem, mas sim pelo que você transmite, de energia, de sinceridade, de amor e paixão aquilo que se está fazendo.
Essa foi para mim a grande lição de todas as viagens que já fiz pelo mar: desconecte-se para se conectar com o Ser Superior, com os seres superiores que sim existem na Terra e estão prontos para ajudar. Seres especiais que nem que seja por um momento, por uma obra divina, se tornam nossos anjos da guarda!
Grande Aloha, do seu colunista,
Douglas Moura
Capitão Amador.