Polícia Militar Ambiental participa de remada ambiental em Vila Velha (ES)
Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), em parceria com a equipe de canoa havaiana Aukai, promove I ... leia mais
Em sua excelente autobiografia chamada “Profissão: Surfista”, o brasileiro Carlos Burle, campeão mundial de ondas grandes, faz um retrospecto muito corajoso de sua trajetória no esporte.
Foram anos de aprendizado, onda após onda, preparação mental, yoga, viagens, superação gradual de medos e traumas, e, claro, alguns sustos e lesões pelo caminho.
Quase uma vida inteira de preparação até que estivesse pronto para encarar ondas gigantes e se destacar como um dos melhores do mundo nesse ofício.
É uma leitura muito valiosa e deixa claro que não se desafia o mar em condições extremas sem antes passar por um processo longo de aprendizado.
Hoje de manhã cedo recebei de um amigo o link de um post do Instagram @riosurfcheck com imagens do filmaker Yunes Khader exibindo um remador de OC1 sendo engolido por uma onda gigante em uma bancada carioca conhecida como Laje da Besta, cercada por águas profundas na entrada da Baía de Guanabara.
Chegar no pico é bastante complicado e só é possível através de uma embarcação ou um jet-ski. Por se tratar da entrada de uma baía, quando há ressaca, as correntes tornam-se brutais e muito perigosas, e podem jogar uma pessoa em mar aberto em questão de minutos.
Ao ver o vídeo, a primeira coisa que me passou pela cabeça foi: “O que esse cara estava fazendo ali?”
Depois, apurando os fatos, descobri que sei de quem se trata. É um remador experiente, mas, aparenta não ter vivência necessária no surfe para se colocar em uma situação como essa.
Não vem ao caso apontar nomes ou fazer sensacionalismo com as imagens. É necessário ir mais fundo e entender que este é o sintoma de um efeito colateral, bastante preocupante, do crescimento do va’a nos últimos anos.
*Nota: após a publicação desta matéria, o remador envolvido no acidente, publicou uma carta aberta aos remadores contando a sua versão sobre o ocorrido. A carta pode ser lida AQUI.
O mar, meus amigos e amigas, é um pai, nos ensina muita coisa, porém não tem muita paciência com os imprudentes.
Na última semana, Douglas Moura, colunista do Aloha Spirit Midia e auto do livro “A Arte de Lemear”, tomou a iniciativa de fazer uma série de vídeos para conscientizar remadores de va’a sobre os riscos do surfe de canoa.
Preocupado com o que vem testemunhando em sua cidade, Niterói, Douglas relata que pessoas com pouca ou sem nenhuma experiência com surfe estão colocando canoas na água para deslizar pelas ondas na Praia do Morcego.
Ele relata que há dias em que é possível contar mais de dez canoas no pico, e até gente de OC-6, uma canoa que não foi feita para surfar ondas costeiras, muito pesada e com pouquíssima manobrabilidade, no meio do crowd.
Há um estudo que diz que o impacto de uma canoa OC-6 empurrada por uma onda em uma pessoa é equivalente ao de um carro. Nesses termos, uma pancada de uma canoa dessas na cabeça de uma pessoa possivelmente a levará ao óbito ou a uma sequela gravíssima.
Douglas ainda conta que muitos lemes sem experiência em surfe colocam alunos, com menos experiência ainda, nas canoas para surfarem ao lado de outras canoas.
Não há fiscalização e nem ao menos um movimento de conscientização de associações e federações responsáveis para essas pessoas tenham mais consciência de seus atos.
Hoje ele encaminhou um vídeo de mais um absurdo. Uma canoa OC-4 no meio de um crowd de surfistas, resolve surfar uma onda, colocando em risco várias pessoas. Populares acompanham a cena grotesca e as reações não são das melhores. Veja:
Douglas teme que algum acidente mais grave acontecerá se nada for feito. Eu compartilho com ele esse sentimento.
Realmente gostaria de ver um posicionamento mais proativo de federações estaduais e da confederação brasileira sobre o tema e mais responsabilidade por parte dos clubes.
Mas, que fique claro, ninguém aqui é contra remadores que estão em busca de superar seus limites. Essa é, inclusive, uma das magias do esporte. Sempre haverá aqueles que romperão barreiras e colocarão o esporte em um novo patamar.
No entanto, – e isso é o mais importante -, quando falamos em superação, o ego não pode entrar de forma alguma nessa equação.
As imagens da sessão épica de Mark Healey, Ikaika Kalama e amigos de OC-4 em Waimea Bay podem ter passado uma impressão errada sobre os riscos ali envolvidos.
Primeiro, são surfistas muito experientes e o Leme, Ikaiaka, é um dos mais respeitados do Havaí justamente por suas habilidades na onda.
Com certeza eles subiram muitos degraus até chegarem ali. Anos de aprendizado.
Nesse dia, na Laje da Besta, apenas surfistas experientes faziam tow-in, e mesmo assim cercados por um aparato de segurança envolvendo jets, flutuadores e pessoas experientes o suficiente para realizar um processo de reanimação em caso de afogamento.
A facilidade se remar em águas profundas, entrar em uma onda são enormes para quem está a bordo de uma canoa. Mas, reflita: você REALMENTE se preparou para fazer isso? Qual a sua experiência prévia com surfe? Que livros leu? Que cursos você já fez?
E enquanto escrevo esse texto, chega a mim outro vídeo. Dessa vez uma OC-6 à pique, em Cabo Frio (RJ).
Aparentemente, os remadores subestimaram o aviso da mar ressacado e foram para água. A canoa foi atingida por ondas fortes, encharcou, e todos ficaram à deriva. Um deles, é lançado contra as pedras. Outro, é arrastado para águas profundas pela forte correnteza.
Felizmente, o resgate foi acionado a tempo e ninguém se feriu. Assista:
Acontece que, se nada for feito, se os clubes não entenderem que não existe atalho para se colocar em situações de risco, a não ser pelo estudo, vivência e tempo de aprendizado, e que para surfar em uma canoa você precisa antes aprender a surfar, teremos em breve uma tragédia que irá manchar a imagem do va’a no Brasil e trazer muita dor a famílias.
O que temos hoje é um circo se armando com cada vez mais gente cometendo imprudências nas canoas aparentemente sem se preocupar com as consequências.
Lição mais importante: na canoa cabem quase todos os sentimentos, menos o ego.
Portanto, cabe a cada um de nós, cobrar uma postura mais firme das entidades que regem o esporte, dos clubes e também não encorajar esse tipo de atitude.
Se nem Carlos Burle surfou ondas grandes da noite para o dia, não serão remadores sem experiência em surfe que irão fazê-lo.
E não há nada errado em não ter experiência. Experiência a gente adquire. O que é errado é querer mostrar experiência quando você não tem. Mais grave ainda é se a integridade de outras pessoas depende de suas atitudes.