Natação cada vez mais forte no Aloha Spirit Festival
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Esta não foi apenas a minha primeira travessia de 2020, mas também a minha primeira travessia nadando, mas, primeiro, acho que vale falar aqui sobre “travessias”…
Provavelmente essa necessidade que pessoas com espirito outdoor têm de sair de um ponto e chegar a outro, tem inspiração inconsciente nos tempos antigos, mas certamente lá, as travessias não eram realizadas como desafio pessoal, esportivo, mas por necessidade.
Homens partiam de algum lugar e chegavam ao outro, para levar mensagens, suprimentos e descobrimento de novos continentes, montanhas, surpreender inimigos em batalhas e até para sobreviver em busca de vilas.
Não são poucas as histórias que nos inspiram: de travessias realizadas há décadas, centenas de anos, em condições muito precárias, onde ali realmente tínhamos a verdadeira superação humana, sob grande privação, risco e, principalmente, criatividade para que a empreitada não acabasse no fracasso, que muitas vezes significaria morte.
Concluir uma travessia tem sempre um forte significado, para quem realiza e para quem assiste. Não duvidem disso. Travessias podem ser longas ou curtas, mas muitas vezes não é a distância que determina e importância do feito, mas o motivo que levou a pessoa a realizá-la. Desta vez foi este o caso.
Já realizei travessias simples e complexas, com risco baixo e com grande risco, de curta ou longa distância, como experiência pessoal ou durante competições que participei, algumas com até 600 Km, sempre à remo, bike ou trekking nas montanhas, serras e trilhas, mas nunca na natação.
Já tem algum tempo que venho amadurecendo a inclusão desta modalidade na minha base esportiva e sem querer, sem planejamento algum, eis que 2020 começa com uma travessia de natação em águas abertas.
O trecho foi curto, mas o ponto alto desta travessia entre a Ilha de Cananéia e a ponta sul da Ilha Comprida, aproximadamente 3.500 metros, foi repetir o que alguns antigos caiçaras da cidade se orgulhavam de já terem feito.
Isso não acontece mais hoje, e quando me refiro a estes “caiçaras”, me refiro aos antigos, aqueles que narravam a sua experiência quando eu ainda era um pivete, uma criança, que olhava a distância de um ponto ao outro, e achava aquilo impossível e impressionante!
Na verdade, posso dizer que um destes antigos protagonistas, desta travessia em específico, e que falava muito sobre ela, foi o primeiro caseiro do meu sítio, na Ilha Comprida, o senhor Egilio, chamado por nós carinhosamente de “Seu Gilico”.
Gilico era um hábil pescador, homem do mar e quem me ensinou a maior parte do que entendo de mar nos dias de hoje.
Foi com ele a minha primeira remada, foi com ele as primeiras braçadas no mar, aprendendo a nadar, no mais legitimo estilo caiçara, sempre com a cabeça para fora d’água. Foi com ele o meu primeiro velejo na sua canoa caiçara com a vela feita caprichosamente de lençol, e foi ele o responsável por esta minha travessia.
Lembro da glória que era esta travessia e de como que aqueles que a realizavam eram vistos pela população local, tornando-se para aquela pequena vila de Cananéia praticamente semideuses na cidade onde nasceram, cresceram e morreram.
Amanheceu no sítio, olhei para o mar em frente à casa e disse: “Sua primeira travessia do ano será de natação e você fará a travessia que tanto ouviu”.
Era uma semana de maré larga, com pouca variação entre baixa mar e préamar, o que tornaria a travessia praticamente isenta de condições fortemente desfavoráveis ou favoráveis.
Outra coisa que decidi, foi que não realizaria apenas atravessando em linha reta, de Cananéia até a Ilha Comprida, o que daria um percurso de aproximadamente 1.500 metros. Respeitando o que os antigos nadadores citados faziam, decidi que faria ela em diagonal, até a ponta da Ilha Comprida, chegando na frente da minha casa.
Tive aí alguns dias de pequena frustração. Me alimentava bem no dia anterior, deixava de treinar qualquer outra coisa para estar 100% para a travessia, e o tempo amanhecia ruim, com fortes ventos e possibilidade de trovoada com raios, e aí eu abortava a missão.
No dia da travessia eu também quase desisti, mas no final de tarde abriu uma janela favorável no tempo e eu disse: É agora! Chamei a minha irmã, pegamos o barco e partimos para o ponto de início.
O combinado foi que ela me acompanharia até a margem oposta, me protegendo do grande fluxo de embarcações no canal, e uma vez na outra margem, ela poderia me deixar só.
Foi o que aconteceu. Ao atingir a margem oposta, fui nadando paralelamente à ela e quando virava a cabeça para respirar, via a todo momento a cara de espanto das pessoas, moradores dos sítios, quase todos pescadores, ao me ver sozinho fazendo aquilo.
Claro que esta travessia não é nada anormal ou arriscada, seja pela distância ou condições, mas para eles eu certamente estava sendo chamado de doido! (risos)
Foram 3.600 metros aproximadamente em uma hora e seis minutos. Mar tranquilo, maré na última hora de vazante, e eu estava tão bem que desejei nadar até a Ilha do Cardoso, um pouco mais à frente, talvez mais uns 2000 metros. Só não fiz isso porque não teria como voltar, pois, minha irmã já estava com o barco em casa.
Ficou então registrada a próxima travessia de natação: Cananéia x Ilha do Cardoso. Neste trecho nada-se em água escura, mas extremamente limpa, na presença mais que constante de golfinhos / botos, que vivem aos montes neste canal.
A Cidade de Cananéia é bastante hospitaleira. Pequena, mas muito especial. De lá partem passeios para o Cardoso, para as suas praias, para a vila do Marujá, Ariri, locais que já fazem divisa com o estado do Paraná.
No Cardoso existem muitos passeios acompanhados por guias, por trilhas, para cachoeira Grande, Poço das Antas, passeios que colocam a pessoa em uma floresta literalmente virgem. O Cardoso é hoje uma das mais importantes reservas ecológicas do país e, para quem gosta de travessias, lá tem campo para realiza-las à pé, remando ou nadando.
Como já disse repetidas vezes em outros textos, são nas travessias que faço, nos momentos de silencio, “de João com João”, que eu medito, ativo meu processo criativo profissional, mas, principalmente, me conecto com o que me motivou a estar ali.
Cada braçada, cada respirada, eu lembrava das histórias do seu Gilico e das roubadas que ele viveu no mar, sendo a principal delas o naufrágio que culminou com a morte do meu pai em 1970.
Este pescador de mar aberto naufragou e se salvou sete vezes, muitas em alto mar, sendo milagrosamente resgatado e tendo que sobreviver sem saber se alguém o encontraria. Ídolo!
Eu nadava por ele, como se fosse uma homenagem, e ao terminar fiquei extremamente orgulhoso e feliz, não pela distância, não por qualquer tipo de superação, mas sim por este tributo para aquele que muito me ensinou.
Muitas outras coisas que já fiz no mar, muitas de alto risco e com situações críticas vividas, foram superadas por lembrar de ensinamentos que me foram passados por aquele velho sábio… um segundo e bom pai.