Chris Bertish prepara livro sobre sua épica travessia de SUP pelo Atlântico
Primeiro homem a atravessar o Atlântico remando em pé, Chris Bertish prepara livro sobre a aventura e ... leia mais
Durante séculos os polinésios tinham na canoa uma maneira rápida e eficaz de transporte de pessoas e suprimentos.
À medida que os anos passam, no entanto, esse veículo tornou-se também uma excelente fonte de diversão dentro de uma sociedade caracterizada por sua relação íntima com o oceano.
Enquanto a grande maioria dos povos do planeta via o mar como uma morada de monstros, ou um caminho a ser explorado para novas conquistas, os polinésios enxergavam ali um grande mestre.
Um dos primeiros ocidentais a navegar pelas ilhas da polinésia, o capitão James Cook, produziu uma séria de registros sobre o cotidiano dos habitantes das ilhas por onde passou.
Durante sua passagem pelo Taiti, Cook avistou os nativos em momentos de lazer utilizando canoas e ficou impressionado com a destreza dos taitianos nas ondas.
Em 1776 sua tripulação encontrou o Havaí enquanto buscava uma rota para o Atlântico pelo norte.
Lá, testemunhou uma cultura surfe muito evoluída, que mais tarde foi descrita em detalhes por um de seus subordinados, James King, após a morte do próprio Cook em combate com os havaianos.
King destaca o papel cultural que o surfe exercia naquela sociedade, sendo a evolução nas ondas executada através de canoas, pranchas e com o próprio corpo.
Fala-se muito sobre o surfe por meio de pranchas de madeira praticado pela realeza havaiana, mas, pelo menos no Brasil, pouco se fala sobre o surfe de canoa.
No Havaí antigo, havia ocasiões especiais em que os “Ali’i” (chefes havaianos) faziam demonstrações de suas habilidades nas ondas diante de seus súditos.
Qualquer bom rei ou membro da alta realeza deveria saber como surfar uma canoa e uma prancha.
O Havaí, sem sombra de dúvida, era a mais conhecida de todas as ilhas da Polinésia do século XIX e ponto de parada estratégico a todos os navegantes que cruzavam o Pacífico. E isso não era exatamente uma coisa boa.
Por meio de astúcia, poderio militar, vídeos e doenças, os forasteiros foram aos poucos tomando conta das ilhas, enquanto os nativos iam sendo dizimados.
Pouco mais de um século após a chegada dos primeiros europeus, mais da metade dos nativos havaianos já havia morrido contaminados por vírus e bactérias trazidos pelos forasteiros, contra os quais não possuíam anticorpos.
Os que sobreviveram tiveram que lidar com uma nova realidade e novos costumes. E, assim, aos poucos, foram-se extinguindo as tradições locais como o culto ao surfe e a canoa.
Deslizar sobre as ondas foi sendo visto cada vez mais como uma atividade mundana, inútil dentro de uma sociedade que via o trabalho (muitas vezes análogo ao escravo) como única forma de se alcançar a pureza e a prosperidade.
Há de se compreender que até o final do século 19, o conceito de “lazer” era algo reservado somente aos mais ricos e afortunados habitantes da Europa e suas colônias.
No entanto, o surfe seguiu sendo praticado, ainda que de forma reduzida, por alguns havaianos.
Até que na primeira década do século 20, um haole recém chegado ao Havaí, chamado Alexander Hume Ford, veria no surfe uma ferramenta perfeita para desenvolver o turismo nas ilhas.
Ford começou a promover apresentações para turistas norte-americanos onde exaltava as belezas de Oahu e o exótico passatempo dos nativos de correr ondas sobre pranchas e canoas.
Por uma dessas casualidades que mudam o curso da história, o escritor Jack London visitou Oahu e ficou maravilhado com o surfe e a cultura havaiana.
A pedido de Ford, London, que à época era um escritor mundialmente conhecido, escreveu para diversas revistas norte-americanas sobre a destreza dos havaianos nas ondas e o interesse pelo surfe começou a mudar.
Em pouco tempo as atenções se voltaram para o Havaí, mais precisamente para a praia de Waikiki, em Oahu, onde o surfe aos poucos voltou a ser praticado mais abertamente atraindo pessoas de várias partes do mundo fascinadas com a oportunidade de ter um contato tão especial com o oceano.
Da tradição ocidental da organização de grupos e agremiações, e até como forma de se legitimar a prática do surfe, surge no Havaí o primeiro clube de canoa da história moderna: o “Outrigger Canoe Club”
Fundado em 1908 por Alexander Hume Ford, o clube teve um papel importantíssimo na difusão do esporte.
Há um constante debate sobre as reais intenções do norte-americano, se eram meramente mercantilistas ou de respeito às raízes polinésias e esse é um debate que não cabe aqui.
O Outrigger Canoe Club começou a funcionar em um lote de terra alugado por USD 10 em Waikiki. Duas cabanas de palha compradas de um zoológico nas proximidades cumpriam o papel de sede e guarderia.
Em resposta à criação deste clube, formado basicamente por não nativos, surgiu o Hui Nalu (clube das ondas) um clube para havaianos nativos na mesma praia que, na verdade, existia informalmente desde 1905, mas somente em 1911 oficializou-se como clube.
O clima entre ambos os clubes era amistoso e de respeito mútulo. Tal fato teve bastante relevância, pois era o surgimento de uma nova era para a população local, que ao mesmo tempo estava buscando suas raízes, seus costumes, fazendo com que sua cultura ressurgisse e se mostrasse ao mundo.
O lendário Duke Kahanamoku, um dos co-fundadores do Hui Nalu, por exemplo, era também membro do Outrigger Canoe Club, reforçando esse clima de união e camaradagem. Estes dois clubes começaram uma competição amigável entre si, que abasteceu ainda mais a paixão na ilha de Oahu pelos esportes aquáticos.
Kahanamoku, que era um dos poucos locais de “sangue puro” de linhagem real havaiana, tornou-se medalhista olímpico e um dos grandes competidores de natação do time americano, e teve a excelente ideia de propagar a cultura dos clubes de outrigger havaianos pelo mundo durante os eventos de natação que participava.
Ele se tornou o embaixador do Havaí nos países em que se apresentava e na Austrália, em 1914, fez uma de suas mais conhecidas apresentações de surfe, causando grande repercussão. Para muitos essa apresentação foi o marco zero do surgimento do surfe moderno.
A popularização do surfe contribuiu para o fortalecimento dos clubes de outrigger no Havaí. Em 1926 as primeiras mulheres começaram a se aventurar no surfe de canoa, e desde então são presença constante em todos os clubes.
Com o passar dos anos e o crescimento exponencial do surfe, essa atividade passou a ser praticada independentemente das bases de outrigger de Waikiki, e a canoagem polinésia, por sua vez, desenvolveu-se de maneira mais modesta através de suas varias vertentes (canoa havaiana, taitiana, neozelandesa) e hoje existem clubes espalhados por todo mundo.
Estas bases, no entanto, nunca perderam sua relevância e ainda hoje são indispensáveis para o fomento de atividades que remetem às raízes desta cultura lúdica praticada no mar pelos povos polinésios.
Somente no final do século XX a cultura dos clubes de outrigger chegou por aqui. O “Outrigger Rio Club”, fundado em 1999, no Rio de Janeiro, por Ronald Williams, foi o primeiro clube de Brasil. Logo em seguida, Fabio Paiva fundava em Santos o “Canoa Brasil”. A partir de então novas bases foram surgindo.
Em 2017, Eugenio Azevedo promoveu o primeiro levantamento sobre a quantidade de clubes de canoagem polinésia no Brasil, chegando ao número de 117 bases.
Em 2021, um novo levantamento vem sendo feito pela Ecooutdoor Sports Business. Os resultados desse estudo serão entregues em breve à CBVAA.
No entanto, até o momento, a Ecooutdoor já registrou mais de 200 bases espalhadas pelo Brasil.