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Surfar com as mãos. Realizar manobras do surf com uma mini prancha de surf na mão. O que é isso? Esse é o handsurf de Alagoas.
Por volta de 1985, em Maceió, mais especificamente na Praia do Rainha, surgia um esporte único no mundo. E podemos chamá-lo assim porque não havia na época (e ainda não há) uma modalidade que faça o que é feito no handsurf de Alagoas.
Isso porque suas manobras são inspiradas no surf, isto é, em fazer o bottom turn, traçar a “linha” da onda para então executar desde uma batida até mesmo um floater.
Apesar de existir pranchas de mão há muitos anos, também conhecidas como handboard ou handplane, a performance de quem surfa com o palmar do handsurf de Alagoas é totalmente diferente daqueles que utilizam handboards tradicionais.
Mas por quê? A prancha do esporte que nasceu em Alagoas e que carinhosamente é chamada de palmar, possui características distintas quando fazemos uma comparação com as demais pranchas.
Posso afirmar isso com propriedade, uma vez que já recebi handboards advindas dos mais diversos lugares do mundo como Austrália, Espanha, Estados Unidos da América, França e também do nosso país.
Nunca vi uma prancha idêntica à de Alagoas. Começando pela alça / correia que é constituída por duas tiras cruzadas que formam um “X” fazendo com que a mão do indivíduo possa se encaixar perfeitamente no palmar.
Mas afinal, como tudo começou? Quais foram as fontes de inspiração e o percurso até chegar no resultado atual?
Sivory Farias, um dos pioneiros do handsurf de Alagoas, recorda que quando fazia aula de natação ainda na escola acabou tendo contato com um palmar de natação feito de acrílico.
Por imaginar que pudesse ser interessante usar aquele objeto para pegar onda, já que a sua turma de praia surfava com chinelo e raquete de frescobol na mão, Sivory pediu o palmar emprestado ao seu professor de natação.
Após testar no mar e ver que funcionava, ele e sua turma pegaram pedaços de acrílico que encontraram no lixo, moldaram e recortaram com uma faca quente para então transformar em um palmar.
Mas ao encontrar uma prancha de surf quebrada, Ricardo Márcio “Índio” que fazia parte da turma, decidiu levá-la para o shaper Marcos Sapo fazer um protótipo de palmar na oficina Tubão.
Pelo fato da turma, que na verdade era a equipe Fixação, — formada por Dudu, Edjan, Gebson, Índio, Robson, Sandy e Sivory—ser muito unida e frequentar bastante a praia, o handsurf caiu nas graças rapidamente.
Diga-se de passagem, Índio foi a primeira pessoa a ser vista na praia com o palmar em mãos.
Foi então aí que os testes dos palmares começaram a acontecer nas ondas de Maceió com outras pessoas que se interessaram pela modalidade.
Alberto Mariano e Leo Silva “Curren” se juntaram à turma para buscar um só objetivo: executar as manobras que os surfistas faziam, no entanto, usando apenas o palmar na mão e um par de nadadeiras.
Uma missão que aos olhos de muitos parecia ser impossível foi se tornando cada vez mais realidade e isso se deve à evolução que os palmares sofreram ao longo do tempo. Evolução essa que passou e que ainda passa pelas mãos de Agildo Pontes, o Neno, shaper mais antigo em atividade do estado e um dos mais renomados, que iniciou seu trabalho em 1985 na antiga “Joint”.
Por sinal, fui convidada por esse grupo todo a conhecer o esporte de perto no final do ano passado. Estando em Maceió, pude presenciar a fabricação dos palmares, ouvir as histórias dos pioneiros da modalidade, até me aventurar nas ondas e tentar reproduzir as manobras que eles faziam aos meus olhos com muita facilidade — mas que sabemos que para chegar em tal nível é preciso muita prática.
Uma vez que você tem a oportunidade de estar com as pessoas que criaram uma modalidade exclusiva, única no mundo todo, você precisa aproveitar ao máximo. E de cara fui visitar a “Surfciente”, oficina de pranchas que o Neno comanda.
Lá havia pranchas de todos os tipos e muitos, muitos palmares. Batemos um papo muito bacana onde ele explanou sobre o motivo da prancha receber tal formato, do porquê ter uma alça diferente e outras coisas mais que você vai assistir aqui
Mas, basicamente, a evolução dos palmares se deu de maneira natural e a partir de muita conversa entre os praticantes e os shapers. Para se ter uma ideia, inicialmente as pranchas eram mais redondas e mais cheias, assim como não havia um padrão na medida das correias onde se encaixa a mão.
Era como lançar um dado de olhos vendados e torcer para acertar o alvo. Às vezes as correias ficavam adequadas e em outras era preciso retirar e colocar novamente, o que dava um certo trabalho.
Com o tempo as coisas foram tomando outras formas e no começo da década de 90 as pranchas eram bastante estreitas, muito semelhantes às pranchas de surf. Mas depois se chegou a um consenso de que o ideal era que não fossem nem tão estreitas nem tão redondas, assim como também foram diminuindo de espessura ficando mais finas.
No final dos anos 80 e início dos anos 90 houve um boom e várias oficinas começaram a fabricar o palmar em Maceió, assim como surgiram oficinas que trabalhavam exclusivamente com a produção de pranchas para handsurf como Ato Livre, Bay, Bodycore, Crazy Off Beach e Fixação. Atualmente já existem shapers de outros estados brasileiros fazendo os palmares que foram inventados em Alagoas e com muita qualidade também.
De lá para cá muito se testou, inclusive tudo o que tinha nas pranchas de surf foi testado nas pranchas de handsurf. Quilhas, wings, canaletas, fundo concave, fundo com V bottom e rabetas de todos os tipos.
Algumas coisas se mostraram essenciais para um palmar de handsurf, outras foram descartadas e algumas dividiram opiniões, como é o caso do uso de quilhas.
O tricampeão alagoano Leo “Curren”, que recebeu o apelido em homenagem a Tom Curren que na época era um dos melhores surfistas do mundo, gosta de quilha porque segundo ele “As manobras tornam-se mais abertas, você fica com o surf de linha e não quebra a onda. Mas não uso em competição, apenas fora dela”.
Já Sivory relembra de um episódio em que acabou se cortando enquanto surfava ao atingir a quilha do palmar em sua barriga e por isso não é um adepto. O fato é que vários são os pontos que um handsurfer precisa se atentar para ser capaz de competir bem e alcançar performances de ponta.
Um deles diz respeito às pranchas e nada como ter alguém experiente ao lado, não é verdade?
Leo conta que Neno é o responsável por fazer seus palmares desde os anos 80 e que uma de suas qualidades é escutar o que o atleta tem a dizer, isto é, ouvir sugestões do que fazer diferente na prancha e unir o feedback do praticante com os seus conhecimentos como shaper.
Apesar disso, também gosta de apreciar o trabalho feito por outros shapers, como os palmares de excelência de Edvaldo “Bay” Pereira, justamente para entender o ponto de vista de cada um e identificar suas diferenças.
Alberto Mariano, o Bel, relata que já faz suas pranchas há 27 anos com Neno e que essa ligação entre shaper e praticante é vital para a evolução de ambos.
E afirma que “Assim como no surf, no handsurf a prancha também pode variar de pessoa para pessoa e quem vai dizer o que está funcionando ou não é quem usa a prancha.”
Por fim, o handsurf de Alagoas vive um momento inédito em sua história, que é o fato de estar sendo praticado em outros estados principalmente da região Nordeste como Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte.
Com isso, é possível que as pranchas ganhem novos formatos, evoluam em algum aspecto ainda não testado e até mesmo voltem a usar coisas que já foram aplicadas e que passaram por algum processo de inovação. Afinal, há muita margem para criar, reinventar e descobrir.
O handsurf de Alagoas está em ebulição e não vai parar cedo.
Aloha
Letícia Parada
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