Precisamos conversar sobre mar e segurança

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Acontecimentos trágicos e recentes envolvendo as forças da natureza no mar reforçam a importância de se respeitar normas de segurança e compreender nossos limites

Quantas vezes paramos pra pensar sobre nossa segurança? Foto: Reprodução

Na última semana a comunidade do va’a francês entrou em luto com a morte trágica do remador Guy Ringrave (40 anos) fundador da WOO, uma das maiores fabricantes de canoas polinésias da Europa.

Ringrave era um remador experiente e desapareceu durante uma sessão de downwind com dois amigos entre Socoa e Boucau, no litoral francês, no dia 24 de abril. Essa rota, de aproximadamente 16 km, era bem conhecida por todos e costumeiramente utilizada quando as condições de vento estavam ideais.

No entanto, após perderem contato visual com a OC1 de Ringrave por um longo tempo, os dois amigos resolveram voltar para procurá-lo. Sem sucesso, acionaram a guarda costeira, que após algumas horas encontrou a canoa sem o remador francês, cujo corpo só foi encontrado na madrugada do dia seguinte.

Ainda não se sabe o que houve, mas suspeita-se que Guy sofreu um mal estar ou mal súbito e caiu da canoa, que imediatamente foi projetada para longe por conta do vento. Ele não usava nenhum tipo de flutuador e nem estava preso à canoa por um sistema de leash (a tradicional cordinha ou estrepe).

Caroline Bittencourt. Foto: Reprodução/ UOL

Poucos dias depois, ventos de até 123 km/h levaram pânico e muitos estragos ao litoral sudeste do Brasil e uma trágica ocorrência em Ilhabela.

A lancha em que estavam a modelo Caroline Bittencourt e seu marido, Jorge Sestini, foi violentamente atingida pelo vendaval. Caroline teria pulado na água para salvar sua cadelinha após o animal cair do barco levado pelo vento. No entanto, ela rapidamente foi jogada para longe, levada pelo mar agitado e ventos. Em seguida, seu marido, Jorge, abandou a embarcação e se lançou ao mar na tentativa de resgatá-la, porém, a lancha rapidamente se afastou e todos ficaram à deriva, tendo que lidar com um mar em condições criticas. Caroline tragicamente acabou se afogando e Jorge foi encontrado horas depois, na água, em estado de choque.

NÃO EXISTE EXPERIÊNCIA PÁREA PARA O OCEANO

Remador experiente, Guy Ringrave não usava nenhum equipamento de segurança no dia do acidente. Foto: Reprodução

Esses trágicos acontecimentos me fizeram refletir como muitas vezes nós, praticantes de water sports, negligenciamos questões ligadas à segurança.

Iniciantes tendem a ser mais cautelosos, mas à medida em que vão se tornando mais experientes, ganham confiança e passam a cometer imprudências. Acontece que, quando falamos de mar, todos nós somos iniciantes, tenha você quatro dias ou quarenta anos de remada, se ainda não percebeu, sua experiência, por maior que seja, nunca será párea para a imensidão do oceano.

Há cerca de três anos, recebi de um amigo, na praia, um convite inesperado para experimentar uma V1 pela primeira vez. “Fui embora“, remando por cerca de dez quilômetros mar afora, sem nenhum tipo de proteção, ou seja, sem flutuadores e nem cordinha ou leash (aliás, salvo engano, a maioria das V1 produzidas no Brasil sequer possuem um sistema que permita o uso de leash).

Todas as pranchas de SUP permitem o uso do leash, algo que nem sempre acontece com as canoas. Foto: Reprodução

Empolgado com a experiência e com a autonomia que esse tipo de canoa atinge quando as águas estão flat e há pouco vento, exatamente como estava aquele dia, me deixei levar pela emoção, mas acabei me colocando em uma situação desnecessária de risco.

Quando me dei conta de que não havia olhado às condições de vento e marés antes de sair da casa, já estava em mar aberto. Imediatamente retornei à praia e felizmente nada de grave aconteceu, mas me senti culpado por tamanha imprudência e então pensei em quantas pessoas não fazem o mesmo? E, mais grave, será que elas se dão conta? Na época pensei em escrever sobre essa experiência, mas o texto acabou ficando na gaveta. Até agora.

PRECISAMOS FALAR SOBRE SEGURANÇA

Apesar de remar de canoa há mais tempo do que de SUP, quando o stand up paddle chegou ao Brasil, em meados dos anos 2000, imediatamente fiquei fissurado na remada em pé, a ponto de abandonar uma carreira de dez anos na marinha mercante para viver exclusivamente desse esporte.

Nos anos que se seguiram, acompanhei muitas discussões sobre questões de segurança envolvendo o stand up paddle e a obrigatoriedade do uso de flutuadores ou coletes salva-vidas. Sempre defendi o uso obrigatório do leash, mas opcional dos flutuadores.

Primeiro porque as pranchas são naturalmente um flutuador e o leash nos mantém justamente conectados a ela; segundo porque, normalmente, as distâncias percorridas por um SUP são inferiores do que as de canoa ou surfski. Dificilmente uma remada recreativa de SUP ultrapassa os 10 km, mais difícil ainda que seja sentido mar aberto e não costeando a orla.

No caso das canoas é diferente.  10 km é praticamente o mínimo que se rema em uma OC6, e mesmo nas canoas individuais, ou em dupla, as distâncias de uma remada padrão, ultrapassam essa marca.

Hoje o Va’a vive um boom no Brasil. Sigo no instagram uma infinidade de bases e remadores. Constantemente vejo pessoas remando em mar aberto sem nenhum tipo de proteção, o que considero bastante grave.

A falta de controle permite que pessoas inexperientes montem uma base, o que não é nenhum crime, que fique registrado! Mas a partir do momento em que o dono dessa base passa se achar o “Lobo do Mar”, só porque tem um ou dois anos de remada e fez meia dúzia de provas, nós temos um problema.

O excesso de confiança em ambientes não controlados, como o mar aberto, pode ser fatal se questões envolvendo a segurança são negligenciadas. Para além do embate sobre suas causas, as mudanças climáticas são uma realidade, o que significa que será mais comum ocorrerem mudanças bruscas de clima, como ocorrido no último domingo, no litoral sudeste. Uma fração de minutos pode mudar tudo.

É preciso uma tomada de consciência entre todos nós.

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