Canoa Kaleopapa: 12 anos de aventuras
No último final de semana, para comemorar o aniversário de 12 anos da canoa polinésia mais charmosa da ... leia mais
Em sua coluna, João Castro relembra como foi sua primeira travessia de va’a, entre as cidades de Santos e Paraty, momentos épicos e as lições aprendidas com a experiência
Era 2008, ano em que eu era sócio de uma assessoria esportiva de São Paulo. Ano que eu havia remado pela primeira vez em uma OC1, canoa da marca Opium, emprestada por um amigo de Santos, o conhecido Naldo Lima.
Esta canoa emprestada foi levada para a cidade de Nazaré Paulista e logo nas primeiras remadas me apaixonei. Talvez a primeira embarcação com remo de uma pá, que eu havia gostado de remar, afinal, a minha história, desde pivete, vem do remo de duas pás.
Após este experiência, decidi que faria uma travessia para lançar esta modalidade de treino na AKSA Assessoria Esportiva, assessoria esta que se dedicava apenas a corredores de aventura, corredores de montanha e de rua. Seria ali a primeira modalidade na água.
Durante esta fase de planejamento fui conhecendo pessoas que até hoje estão, de alguma forma, ligadas ao Va’a. Diego, da marca Evolution, era na época o único fabricante de canoas além do Fábio Paiva, da Opium, e foi na Evolution que adquiri as duas primeiras canoas para a assessoria.
Não bastava apenas comprar as canoas e divulgar esta nova modalidade de treino na assessoria, eu teria que fazer algo para chamar a atenção, e foi aí que decidi fazer uma travessia de Santos até Paraty (RJ). Mas por que este trecho e no sentido contrário da corrente? Porque no final de semana planejado para chegar em Paraty, estaria acontecendo uma das etapas de um famoso circuito de corridas de aventura, o Adventure Camp, e seria ali uma ótima oportunidade de divulgação.
Inicialmente eu iria sozinho, mas acabei sendo bem acompanhado por um amigo, o professor Felipe Fuentes, corredor de aventura e um cara que eu tinha certeza de que superaria qualquer roubada no meio do caminho, afinal, para quem conhece corrida de aventura, “roubadas”, algumas até com risco de vida, são constantes.
Antes de falar da travessia, vale aqui um relato sobre como eu conheci Celso Filetti.
Indicado pelo Diego, fabricante das canoas, entrei em contato com aquele “louco”, na verdade, um entusiasta, que sem me conhecer, abriu a porta da garagem onde o que não faltava era equipamento, e, se eu concordasse, teria que ter um caminhão para carregar tudo o que ele queria me emprestar! Sem me conhecer e sem saber onde eu morava e se eu devolveria. Este é Celso Filetti. Um cara ímpar.
Bom, chega o dia da travessia, e são tantas histórias e detalhes, que daria um livro, mas como isso aqui é só uma coluna, tenho que ser o mais breve possível.
Partimos da Ponta da Praia, em Santos, acompanhados da Tv Globo, amigos e curiosos. Carga toda amarrada. Eu e Felipe sabíamos que ali era tráfego de navios, na travessia de Santos até a margem oposta, lugar que não podemos ficar marcando, mas o mico inicial aconteceu. Aplausos, câmeras e o Felipe levando caldo da canoa (risos). Foram umas três viradas até ele pegar o jeito, mas sem maiores traumas, não havia navios à vista.
Bom, foi uma travessia de 5 dias. Santos a Bertioga / Bertioga a São Sebastião (Camburizinho) / São Sebastião (Camburizinho) a Caraguatatuba (Martin de Sá) / Caraguatatuba (Martin de Sá) a Ubatuba (Almada) / Ubatuba (Almada) a Ubatuba (Picinguaba) / Ubatuba Picinguaba / Paraty. Neste percurso, de exatos 293 Km remados por nós, seguem alguns fatos curiosos ou que vale contar.
O primeiro deles é que foi nesta travessia que eu conheci o respeitado e querido amigo Everdan Riesco. Como o destino é algo curioso. Estávamos remando na frente da praia de Boracéia, no segundo dia, praticamente parados por conta da maré, quando eu decidi que seria melhor sairmos da água a aguardarmos na areia, por uma hora, quando a maré viraria para favorável. Sem querer saímos na frente de uma base do Guarda Vidas, e quem estava lá? Riesco!
Aquela figura “magra”, com sorriso largo, que após poucos minutos de papo disse que remava, que era um dos primeiros remadores do Brasil, e que o que eu estava fazendo era um sonho antigo dele. Chegou a citar que seriamos nós os primeiros a fazer uma travessia de canoa no Brasil, porém, mais para frente, vi que isso não era fato, mas pouco importa.
Foi nesta praia, neste momento, que conheci um cara que segue até hoje como um grande amigo e um remador forte e exemplar.
Esta travessia foi uma das melhores experiências da minha vida, foi talvez durante a sua realização que eu notei que eu medito quando remo. Já falei isso outras vezes, mas vale falar. Quando parto para mais um dia de travessia, eu simplesmente me desconecto, de verdade! Lembro da partida, lembro de uma ou outra curiosidade durante o percurso, quase sempre relacionada a animais marinhos presentes ou belas paisagens, e nada mais. É muito comum, eu à noite, na barraca, ver fotos do dia que eu não me lembrava ter feito e vale lembrar que não estou falando de dezenas de fotos, estou falando de uma dezena apenas. Não lembro o que fiquei pensando, ou seja, é um perfeito estado de desligamento e acho que é por isso que eu sinto tanta falta disso.
Durante esta travessia, paramos em Ubatuba, na Praia da Almada e ficamos um dia inteiro por lá, esperando passar o pico da ressaca prevista naquele dia. Fomos acolhidos por uma família de pescadores, pai, mãe e quatro filhos, todos grandes. Fomos convidados para ficar na casa deles e jantar à mesa, onde o que não faltou foi troca de experiências e histórias.
Durante este dia de espera, já no fim de tarde, decidimos seguir em frente até a praia de Picinguaba, distante apenas 10 km de onde estávamos. Isso nos ajudaria a ter a noção de como o mar estava, o quanto agressivo estaria, para decidirmos seguir em frente, afinal tínhamos dia certo para chegar em Paraty. É… O mar estava realmente gigante, mas a decisão estava tomada, partiríamos na manhã seguinte.
O objetivo neste dia era remar até Laranjeiras, um condomínio que fica antes de Paraty e antes da “temida” Ponta da Joatinga, chamada por Amyr Klink de “o Cabo Horn Brasileiro”.
Estávamos colocando as canoas na água, quando um desconhecido homem, certamente caiçara, bastante velho, nos indagou se íamos entrar naquele mar e para onde iriamos. Quando contamos para ele quais eram os nossos planos, ouvi o seguinte “meninos, não façam isso. Eu conheço este mar desde criança e hoje está muito perigoso”.
Embora o espírito de aventura nos fizesse seguir com o plano, aquele momento ficou na minha cabeça, do tipo: será que foi um sinal? Junto com este pensamento, já no outside, veio a confirmação de que a ressaca não havia diminuído, e estava bem maior que o dia anterior. Foi neste momento, que silenciosamente eu tive que tomar uma decisão. Eu já sabia que com aquele mar nós não conseguiríamos entrar em Laranjeiras, a entrada estaria fechada por ondas e a partir daí eu tinha duas decisões. 1- voltar e ficar mais um dia parado ou 2- seguir em frente, remar 90 km sem parar até Paraty, lembrando que teríamos que passar pela Joatinga com aquele mar.
Mais uma vez o espirito de aventura e risco controlado, me disse que eu teria que passar por aquilo. Lembro de olhar para o Felipe, observar como estava a sua remada, a disposição, mas sem contar para ele os meus planos. Já estávamos mais lentos depois de tantos dias remando e a boa avaliação e decisão era urgente, afinal com 90 km pela frente, sem ter como parar para descansar, as coisas não seriam fáceis e sem margem para desistência. O Felipe remava bem, mas não foi isso que me fez seguir. O que me fez seguir foi conhecê-lo bem nas provas que fazíamos, de corrida de aventura, onde não havia desistência. Eu sabia que ele iria até o final! Era um risco enorme, mas decidi continuar e só comuniquei a real para ele após estarmos mais de uma hora remando.
O mar estava tão grande, que durante o dia inteiro, não vimos nenhum barco e mesmo que estivéssemos sempre remando próximos, teve momentos que nos perdíamos um do outro no campo visual, escondidos atrás das gigantes ondulações.
Este dia foi memorável. Guardo ele como lembrança positiva para os momentos que eu ouso dizer para mim que eu não vou conseguir.
Saímos de Ubatuba às 6 da manhã. Chegamos em Paraty às 23 horas e 23 minutos, ou seja, 17 horas e 23 minutos, remando, sem parar…
Que experiência! Decidi escrever sobre esta travessia, para reativar a minha memória, para me sentir mais motivado, para a próxima que farei.
Até a próxima história.