Medalha a qualquer custo

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Medalha a qualquer custo
Para Mauricio Noronha, está se criando uma cultura na canoa polinésia na qual só interessa o pódio, a medalha, e todos os demais valores que uma competição pode trazer estão sendo negligenciados. Foto: Ilustração gerada por IA

As competições são uma ferramenta essencial para maximizar o potencial, estimular a disciplina, o foco e o trabalho em equipe. Enfrentar adversários em competições oferece aos atletas a oportunidade de medir sua evolução e identificar pontos de melhoria. É nas disputas, com os desafios reais da pressão e da responsabilidade, que o competidor se transforma de bom para excepcional.

Por esse motivo, as competições não são apenas uma chance de ganhar medalhas, são um teste para seu preparo físico e mental, a pressão da disputa ensina a lidar com o estresse, a manter o foco mesmo nas adversidades. Competir impulsiona os atletas a melhorar o seu desempenho e redefinir limites pessoais, não apenas nas provas, mas, também nos treinos.

Portanto, são fundamentais para a evolução do atleta porque transformam o esforço em resultados concretos, fortalecem o caráter, aproximam as pessoas e incentivam um ciclo contínuo de evolução. Os esportes nunca teriam a evolução e o nível que tem hoje sem as competições.

Porém, tenho notado que, ao contrário de outros esportes, a competição no va’a deixou de ser um prazer por competir, uma diversão ou uma superação em cruzar a linha de chegada. Está se criando uma cultura na qual só interessa o pódio, a medalha. Como consequência, os organizadores de provas têm que criar mais categorias para possibilitar que todos ou quase todos subam ao pódio. O número de medalhas atualmente está bem próximo ao número de inscritos, quando não ultrapassa: na prova Rio Va’a dos últimos anos, a quantidade de medalhas encomendadas superou o número de inscritos!

“O número de medalhas atualmente está bem próximo ao número de inscritos, quando não ultrapassa”

O resultado disso é uma premiação muito longa onde as pessoas não querem esperar até o final e ficam brigando com os organizadores para serem premiados primeiro. Também há casos de retaliação a provas com menor quantidade de categorias.

Em casos mais extremos, a fome por medalha é tão grande que atletas chegam a tentar de todas as formas desclassificar quem chegou na sua frente para ganhar a medalha, criando motivos que não existiram, ou até motivos insignificantes, que não trariam vantagem para a outra canoa chegar na frente, como falar que a “canoa não tinha apito”, ou “estava sem uniforme”, ou “invadiu a raia ao lado em alguns centímetros”.

Há alguns anos eu me desmotivei de competir em equipes. Por um lado, não existia uma seleção justa para a montagem de times, que chamavam gente que não treinava no dia a dia do clube. Por outro, falta coletividade: as pessoas não chegavam junto para desmontar a canoa, colocar na carreta, chegavam na hora da prova e nem ficam até o final (que não é na linha de chegada, e sim quando tudo está guardado no seu lugar e a canoa no cavalete).

Na busca pela medalha a todo custo surgem os “catadões”, que pegam os melhores de cada clube, deixando de lado o sentimento de Ohana dos clubes, em nome da performance. Então, quando você estiver em uma canoa dessas se pergunte: Todos os que estão aqui ajudaram a montar a canoa? Se eu estivesse competindo com essas pessoas em canoa individual e encostasse, sem intenção, na canoa deles eles falariam: “Bora! Vamo!”, ou te xingariam? Você pode achar isso absurdo mas eu já presenciei um episódio como esse! Num dia estavam na mesma canoa competindo e no outro estavam se xingando.

Esta semana, fiz uma tomada de tempo no meu clube para formar uma equipe da forma mais justa possível e aconteceu o inesperado. Montamos um time, com duas pessoas aposentadas e a maioria com mais de 50 anos, para competir na categoria estreantes, onde a maioria tem entre 20 e 30 anos. Durante a tomada de tempo, um dos remadores virou a canoa e não conseguiu subir de novo. Eu e ele levamos a canoa até a areia. Ele queria desistir, mas toda a equipe o incentivou a tentar novamente e completar o percurso, demonstrando um forte espírito de união e companheirismo. Ele conseguiu e entrou para a equipe.

medalha a qualquer custo
Equipe preparada por Maurício Noronha: “A união e o aprendizado são mais importantes do que qualquer pódio”. Foto: Arquivo pessoal

Certamente, essa equipe não chegará em primeiro lugar, mas será uma das mais unidas e companheiras da prova. Estarão felizes mesmo sem medalha. Para mim, foi muito gratificante montar essa equipe, pois sei que estou motivando não só eles, mas toda a nossa Ohana, que vendo a garra deles, também se inspira a continuar treinando.

Aos que competem, que o triunfo venha na raça e no braço, não na injustiça ou na “crocodilagem”. Em todas as provas que participo, vejo situações desse tipo: gente querendo largar na frente, competir em categorias erradas ou tentar desclassificar adversários de forma desleal. Vamos praticar o fair play. Caráter, humildade e companheirismo são tão importantes quanto o desempenho.

Para mim, um competidor que interrompe sua prova para ajudar alguém que também está competindo merece uma medalha tanto quanto quem chega em primeiro. Esse é o verdadeiro espírito Va’a.

A ética nas competições, especialmente nas provas de canoa polinésia, é essencial para garantir o espírito de respeito, justiça e camaradagem entre os atletas. As provas de va’a carregam uma profunda conexão cultural e tradicional que vai além do simples ato de competir, valorizando o equilíbrio entre desempenho físico e respeito pelo meio ambiente e adversários.

Durante as provas é essencial o cumprimento das regras estabelecidas, o respeito aos cronogramas e o percurso do evento, não apenas pelos remadores que estão competindo, mas por todos os remadores de canoa da região, evitando interferências indevidas no percurso ou atitudes que possam comprometer a segurança dos demais atletas e do público.

A ética nas competições de va’a promove não só o crescimento esportivo, mas também o fortalecimento dos valores culturais e sociais que cercam essa prática ancestral. Competir com ética é honrar a tradição, valorizar o esforço pessoal e coletivo, e garantir um ambiente saudável e justo para o esporte e para todos os envolvidos.

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