Plástico não! Aloha Spirit Festival lança manifesto
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Esse foi um encontro que considero verdadeiramente valoroso. Saber mais sobre a perspectiva dos povos originários é uma aventura por dentro de nossa própria essência. Vou compartilhar com vocês histórias fascinantes e a visão da va´a através dos olhos de um nativo de Rapa Nui – povos polinésios que habitam o arquipélago popularmente conhecido com o Ilha de Páscoa.
A conexão afinada com seus ancestrais e como veem os cinco elementos com familiaridade, sentindo as variações de energia com clareza, faz com que sua consciência se expanda além da canoa. Venho observando e estudando os saberes dos “povos da terra” do Tibete, e agora a conexão com o mar trouxe esse mergulho na cultura de quem vive e resgata a Va´a como parte de sua linguagem histórica.
Jovino Tuki veio ao Brasil, pela primeira vez, em 2007, a convite de Nicolas Bourlon do Rio Va´a Clube. Em novembro e dezembro de 2024 ele participou de diversos campeonatos, entre os quais a Rio Va’a, e ofereceu clínicas para atletas e iniciantes. É formado em educação física, mas isso, para ele, é apenas uma formalidade. A história de Jovino com a canoagem polinésia começa mesmo em 1989, quando ele tinha apenas 12 anos e viu, pela primeira vez, uma canoa de fibra de vidro. Ele conta que estava no final do ensino médio quando viu um grande objeto coberto que estava no teto do ginásio esportivo, e pediu ao professor para que descesse aquele artefato curioso. Foi quando descobriram e entenderam que era uma canoa de doze metros, desmontada. Até então, só haviam visto uma Vaka Ama (canoa no idioma Rapa Nui) feita de fibras vegetais, já que as canoas de madeira haviam sido destruídas durante as duas invasões ocidentais no século XIX, que resultaram na escravização de seu povo e à queima de todas as embarcações nativas, para restringir o deslocamento dos habitantes. Esse ato resultou na perda significativa de elementos culturais.
A turminha da quinta série de Jovino e o professor usaram a criatividade para montar a canoa e o seu tio artesão confeccionou os remos de madeira. Só descobriram que tinham montado a canoa de forma errada, com a ama do lado contrário e estavam usando remos enormes, quando um amigo taitiano do professor chegou na Ilha para ensiná-los sobre a Va´a, depois de um convite que demorou um ano de espera. Souberam também que não se tratava de uma canoa para mar aberto, mas para lagunas (área abrigada na faixa litorânea protegida por recifes) e eles estavam se aventurando em mar aberto.
Assim, com a ajuda do mestre taitiano, aprenderam montar a canoa, as medidas do remo e as posições dos integrantes. Nesse momento, aos 13 anos, Jovino aprendeu sobre a Va´a pela primeira vez e remou com as orientações corretas, ficando completamente emocionado e “arrepiado”, como ele mesmo define o momento. Logo, outros amigos, coaches e atletas de va’a de diferentes regiões da Polinésia se uniram para ensinar e compartilhar conhecimentos com os nativos de Rapa Nui, ajudando-os a aperfeiçoar técnicas e descobrir o estilo que melhor se adaptava a eles.
Em 1997 criaram um clube esportivo que logo começou a crescer. Entenderam que a Va´a fazia parte de sua cultura e história. Jovino agradece diversas pessoas importantes que cooperaram e trouxeram a primeira canoa (que era grande e não desmontável) da Califórnia (EUA), um modelo havaiano ‘Hawaiuian Class Racer’, construída em 1995. No ano 2000 participaram da primeira competição internacional. Ele conta que de Rapa Nui foram vinte e duas pessoas entre homens, mulheres, jovens e adultos que remaram os 120km em uma prova que dava a volta na Ilha Moorea, na Polinésia Francesa.
Na época, a internet em Rapa Nui não era muito boa, mas era o que tinham para se conectar com outros clubes. E, mesmo com muitas dificuldades, em 2002 participaram do Mundial de Velocidade da IVF com vinte e seis mulheres remadoras da Ilha. Em 2004 foram ao Havaí e para a Nova Zelândia em outra edição do Mundial e, em 2007, vieram participar da prova Rio Va’a, 2ª Copa Sul-Americana Va’a (longa distância) no Brasil, onde se aproximaram do Nicolas, que ajudou a trazer toda a equipe Rapa Nui (Nicolas conheceu a equipe de Rapa Nui em 2004 no Mundial de Va’a velocidade em Hilo, Hawaí). Em 2008 voltaram ao Mundial de Va’a velocidade na Califórnia, vieram ao Rio participar da Rio Va’a 2008 e 2009 (3ª Copa Sul-americana de Va’a), em 2011 organizaram a 5ª Copa Sul-americana de Va’a em Rapa Nui, em 2012 no Canadá e não pararam mais.
Jovino confessa que sua história com a va´a é muito semelhante à história do Nicolas. Tiveram o primeiro contato com a canoa muito jovens, se apaixonaram pela prática e foram pioneiros na fundação de clubes. E, hoje, sendo ou não presidentes de clubes e confederações, continuam apoiando o crescimento da canoagem polinésia no mundo. Ele recorda com entusiasmo a organização dos primeiros Campeonatos Sul-Americanos, ao lado de Nicolas e Mariano Larghi (Argentina), destacando os países que participaram e enfatizando a importância dos acordos estabelecidos por eles naquela época. Esses acordos, segundo ele, foram fundamentais para os sucessos atuais, como nas duas edições mais recentes dos Campeonatos Pan-Americanos de Va’a: a de 2023, realizada em Vitória (ES), e a deste ano, em Niterói (RJ), que contou com delegações de oito nações das Américas.
Agora, Jovino e Nicolas sonham em voltar a organizar a Copa Sul-Americana anual no seu formato original de competição de clubes. A previsão é de organizar a próxima Copa Sul-Americana de Clubes de Va’a durante a Rio Va’a 2025, logo depois do Campeonato Pan-americano de Va’a, que será realizada em novembro de 2025 em Rapa Nui.
Perguntei sobre a família de Jovino, ele disse que considera a Va´a como família. Também acha essencial criar mais formações de crianças para que a cultura da Va´a seja sempre renovada e se perpetue. Diz que a inclusão é muito importante já que diversas deficiências não impossibilitam a prática.
Também conversamos sobre os aspectos mais sutis, na visão dele, relacionados à Va´a em Rapa Nui e no mundo, ou seja, o famoso “espírito Va´a”. Ele lembrou que a população Rapa Nui chegou à Ilha em canoas e que quando os brancos vieram escravizar o seu povo, levaram noventa por cento da população, deixando apenas cem pessoas, onde o mais velho tinha apenas 24 anos, ocasionando uma perda significativa na história e cultura nativa. Jovino explica que Rapa Nui tem uma tradição oral, ou seja, a cultura era passada pelos mais velhos através de histórias contadas e recontadas ao longo do tempo.
Ele diz que a Va´a, para o seu povo, é conscientização das próprias raízes e sempre que vão remar mostram a cultura com as danças, cantos e com seus artesanatos expostos em tranças e talhas em pedra e madeira. E tudo o que eles aprendem em outros países e culturas, através da Va´a, voltam e ensinam para as crianças Rapa Nui – e quanto mais informações eles oferecem, mais as crianças se tornam disciplinadas e focadas.
Jovino diz com entusiasmo que “a Va´a é energia!”. Logo, todas as terapias que trabalham com a energia, como o yoga, estão conectadas ao espírito da Va´a. Na canoa, quando uma pessoa está com energia ou ânimo diferente todos são afetados e têm dificuldades para evoluir; e quando estão todos em harmonia, tudo funciona.
Se pensarmos na Va´a como atração turística, podemos oferecer um turismo mais saudável que vai além de beber álcool e comer gorduras. Praticar um esporte que tem como objetivo, assim como o yoga, o foco, companheirismo, respeito e saúde é uma bênção para os turistas. Jovino diz que o ideal seria todos os atletas praticarem meditação, pois é preciso canalizar energia positiva para desenvolver sua potência. “Na canoa a respiração é extremamente importante. Ter esse controle para direcionar a energia e não perder o foco”, diz com determinação na voz.
“Temos mais força quando entendemos que estamos conectados com tudo” (Jovino Tuki)
Considerei uma dica essencial do Jovino quando ele falou que: “Temos mais força quando entendemos que estamos conectados com tudo”. E reafirma que para ter mais força é preciso ter mais conexão. Ele conta que vê a interconexão de nossos ancestrais em tudo através dos elementos (terra, água, fogo, ar e espaço), principalmente na água que guarda memórias. Falou que quando chega ao mar com a família não chega “se jogando” em qualquer lugar, pois cada local tem uma energia. Em Rapa Nui é preciso ir ao setor que corresponde à energia de sua família.
No mar, explica Jovino, há muita ‘lamentação’, muita gente morreu ali. Ele acha que talvez muitos não entenderão o que vai contar, mas ao chegar ao mar toca a água pedindo permissão, joga água em seus filhos, agradece todas as dores de seus antepassados, e só então entram para se banhar. “É preciso ter respeito” – fala com seriedade e amorosidade.
Existe uma recitação de um mantra que ele aprendeu com a avó, para usar quando vai ao mar. Claro que perguntei como é! Mas ele disse que não pode repassar para quem não é da família e que poderia até fazer mal para quem pronunciasse fora de contexto.
Jovino relatou que, quando sobe na canoa, tem uma aparência séria que é como uma couraça para que todos entrem em um lugar de concentração. Diz que os acidentes acontecem quando subimos na canoa estressados e não nos concentramos. “É necessário tirar as más vibrações e se conectar com a respiração”, fala de forma conclusiva.
Ele lembra que o yoga é importante para alcançar, além do alongamento, o relaxamento. “Falta esse trabalho de energia”. Quando vemos uma equipe ganhando, podemos observar a conexão e sincronia perfeitas: “Todos remando como um só”, finaliza com o tema sutil da Va´a.
Para Rapa Nui, o apoio econômico é muito importante, assim como a motivação das pessoas em relação aos trabalhos correlacionados à Va´a, que é um esporte que torna o povo da Ilha autônomo, permitindo-os sair e competir internacionalmente. Os atletas e as atletas de Rapa Nui que ganham medalhas são referências para as crianças da região. Por isso, é importante a formação integral dessas pessoas. A inteligência emocional é extremamente importante para a sociedade.
Jovino termina a conversa agradecendo sua família que sempre lhe favorece, a mãe que lhe deu a vida e a todos os apoiadores da Va´a.