Entrevista: Raysa Ribeiro fala sobre suas travessias de canoa polinésia

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Raysa durante a volta a Ilha Grande (RJ), travessia que fez remando sozinha, de OC1, durante 6 dias. Total remado: 130 km. Foto: Arquivo Pessoal.

Após completar sua travessia de OC1 pela ilha de Florianópolis, a remadora Rayssa Ribeiro troca uma ideia com nosso editor e fala sobre seu projeto de contornar, remando, as maiores ilhas do Brasil. Confira.

Como foi seu primeiro contato com a canoa polinésia?

Desde pequena tenho muito contato com o mar porque sempre morei perto da praia. Comecei a surfar aos 14 anos e a remar de canoa, pra valer, há uns quatro anos com o pessoal do Itaipu Surf Hoe, de Niterói.

E a vontade de fazer travessias quando começou?

A Luiza Perin, da Itaipu Surf Hoe, faz várias travessias e isso me inspirou bastante. Ela sempre deu a maior força para que eu começasse a fazer também.

E demorou para você fazer a sua primeira?

Não. Desde o início fiquei com muita vontade de fazer uma travessia e juntei uma grana para comprar uma canoa OC-1 já com esse foco. Quando consegui, decidi dar a volta na Ilha Grande (RJ).

E como foi?

Foi tudo bem precário principalmente por minha falta de experiência. Acabei dando a volta sozinha, pois não consegui ninguém para me acompanhar. A Luiza me ajudou bastante com o planejamento e a logística e eu fiz a volta em seis dias. Sozinha, sem barco de apoio, levando barraca e os itens necessários. Cada dia remava uma quilometragem estabelecida no planejamento, cerca de 20 km, e ia parando nas praias para dormir.

Imagino que essa experiência foi marcante pra você…

Sim, muito. Voltei pra casa feliz da vida e decidi que todo ano iria fazer uma travessia de canoa.

Niterói x Ilha Grande: travessia que fez ao lado de sua amiga e incentivadora Luiza Perin, direto contando com um barco de apoio em 17 h. Foto: Arquivo pessoal.

Qual foi a travessia seguinte?

Após essa experiência, passei o ano todo me preparando para fazer uma travessia de Niterói a Ilha Grande, igual a uma que Luiza tinha feito. Mas esse tipo de travessia demanda bem mais planejamento e custos bem altos, pois o ideal é você contar com um barco de apoio. O problema é que eu não consegui levantar a verba necessária.

E como você fez?

Acabei convencendo um amigo a fazer comigo e nós fomos de OC1, cada um com uma canoa, e levamos os itens necessários. A gente remava, em média, 30 km por dia e ia parando nas praias para descansar.

Em quanto tempo vocês fizeram?

Levamos quatro dias. Depois dessa travessia a Luiza ficou super feliz, pois viu que eu estava levando mesmo a sério minhas travessias e me pilhou pra gente fazer de novo Niterói a Ilha Grande, mas dessa vez direto, sem paradas, com um barco de apoio e alternando a mesma canoa.

Isso quanto tempo depois da sua travessia?

Dois meses! Fiz a primeira vez em fevereiro e depois, em abril, estava indo de novo com a Luiza. A gente ficou monitorando bem as condições de mar e de clima e encontramos uma janela muito boa em abril e resolvemos fazer.

E fizeram em quanto tempo?

A gente foi direto, revezando a mesma canoa de duas em duas horas. Enquanto uma remava a outra aguardava no barco. A gente pensou que iria levar 20 horas, mas, no final, terminamos o desafio em 17 horas. Depois dessa remada recebi outro convite para mais uma travessia…

Travessia de Angra dos Reis a Ubatuba: 9 dias de remada. Foto: Arquivo pessoal.

Pra onde?

Meu amigo Douglas, que é dono de um clube de va’a em Icaraí, me convidou pra ir remando até Ubatuba. Juntaram-se a nós o André, que é instrutor do Itaipu Surf Hoe, e meu amigo Gabriel. A saída seria de Angra dos Reis. Na época foi a maior expedição de canoa polinésia do Brasil em questão de dias. Foram nove dias de travessia, sendo dois deles em terra respeitando o mar e esperando ele diminuir.

E assim você foi adquirindo uma bela bagagem em travessias. Qual foi a seguinte?

Então, umas duas semanas depois dessa travessia, uma amiga me ligou falando de uma promoção de passagens aéreas para Fernando de Noronha e o preço estava realmente muito bom. Acabei comprando e então comecei a pensar: “Já tinha dado a volta na ilha de Vitória durante uma competição de va’a, tinha dado a volta na Ilha Grande e, agora estava indo pra Fernando de Noronha, que era uma ilha, porque não fazer essa remada?”. Então resolvi fazer.

Como foi o planejamento?

Foram dois meses de planejamento. Mesmo assim, só faria se as condições estivessem favoráveis, porque o mar lá é grosso. Noronha é uma ilha que não é muito grande, são 37 km de circunferência, mas é oceânica, com fortes correntes e ondulações. Mas, felizmente, a previsão foi ficando bem favorável na semana em que estaria por lá. O primeiro passo foi conseguir uma autorização da ICMBio e depois entrei em contato com o com Alef, que é responsável pelo clube de va’a de lá, o Imua Noronha. Ele não só me emprestou uma OC2 sem me cobrar nada como fez a travessia comigo! Ele remando em uma OC2 com um de seus instrutores, o Moises, e eu, na outra OC2 com a Ana, minha amiga que fez a viagem comigo. Fizemos a volta em pouco mais de cinco horas. Eles em 5h17 e a gente em 5h30.

Durante a volta a ilha de Fernando de Noronha de OC2 na companhia da amiga Ana. Foto: Arquivo pessoal.

Essa remada deve ser incrível…

Sem dúvida. Noronha é muito lindo. Essa travessia definitivamente me mostrou que vale a pena a gente batalhar por nossos objetivos. E depois de contornar tantas ilhas decidi tocar um projeto que é o de contornar as maiores ilhas oceânicas do Brasil remando de canoa polinésia.

Você conta com algum apoio ou patrocínio?

Não, nenhum. Em Noronha, por exemplo, tivemos que contratar um barco de apoio, pois esse era um dos pré-requisitos para a ICMBio autorizar a nossa volta. Foram R$ 800,00 após muito choro pedindo desconto para o barqueiro (risos), e eu estava pagando as parcelas desse barco até o mês passado! Enfim, não é fácil, mas a gente gasta dinheiro com tanta besteira também não é? Então, para viabilizar um sonho vale a pena deixar de comprar uma roupa, por exemplo, e guardar um dinheiro pra investir numa coisa que você sabe que vai te fazer bem. Claro que se eu tivesse algum tipo de apoio as coisas seriam mais fáceis, mas sei que estou plantando e uma hora vou colher!

E então chegamos a Florianópolis, onde você recentemente sagrou-se a primeira mulher a contornar a ilha remando de OC1. Como foi?

Daniel, meu namorado, iria levar um barco do Rio a Florianópolis e perguntou se eu não estava afim de me encontrar com ele em Floripa. Já tinha contornado uma ilha no Rio de janeiro, no Espírito Santo e em Pernambuco. Vi, então, que essa seria a oportunidade de completar mais uma ilha em mais um estado do Brasil.

E mais uma vez resolveu fazer a travessia na cara e na coragem! (risos)

Bom, eu estudei bastante os mapas da ilha, a geografia, os ventos, ondulações e correntes ideais e vi que fevereiro era mesmo uma época boa pra fazer essa remada. Avisei o Daniel que iria chegar umas duas semanas antes dele pra fazer a travessia e ele achou que eu era maluca (risos).

Como você fez pra conseguir uma canoa, hospedagem, etc.?

Pois é, comprei a passagem de avião com o dinheiro apertado e sobrou pouca grana. O Daniel me passou o contato de um amigo dele, o Rafael, que mora em Floripa e que poderia me ajudar. Assim que desembarquei, liguei pra ele, me apresentei, e na cara de pau perguntei se poderia passar uns dias hospedada lá aguardando a janela certa para começar a travessia (risos). E ele de pronto aceitou, foi gente boa pra caramba e ainda se comprometeu a me dar um suporte por terra.  O mais legal foi que ele trabalha com logística e me deu altos toques no meu planejamento dessa expedição.

E a canoa?

Consegui a canoa OC1 emprestada com o André Leopoldino de Souza, da FECASUP, através de amigos em comum. Assim como o Alef, de Fernando de Noronha, ele me emprestou a canoa sem cobrar nada e ainda me deu altos toques sobre Florianópolis. Acho que as pessoas do mar tem essa vibe boa de querer se ajudar.

Florianópolis foi uma experiência intensa e emocionante. Foto: Arquivo Pessoal.

E como foi contornar Florianópolis remando?

A ilha é bem grande. São quase 140 km de diâmetro. Originalmente havia planejado fazer a travessia em seis dias, escolhendo as praias onde iria parar e dormir. A ideia era parar em praias mais movimentadas onde seria mais certo encontrar uma pousada ou, em último caso, acampar na praia. Mas então o Rafael viu que dava pra fazer em menos dias aumentando o tempo de remada. Além disso, ele se comprometeu a fazer uma assistência por terra até a chegada do Daniel, que possivelmente seria já no meu segundo dia de remada.

Como foram as paradas e essa assistência?

No primeiro dia saí do Praia Mole Hotel, na Lagoa da Conceição, saindo pela Barra da Lagoa e remei até Canasvieiras. Foram 37 km de remada. Quando cheguei o Rafael foi me buscar, botamos a canoa no carro dele e voltei pra casa dele para descansar. No dia seguinte, ele me levou de volta ao ponto onde nos encontramos e eu segui com a travessia. Optei por sair por volta das 10h porque a previsão apontava que a partir desse horário entraria o vento norte, soprando numa direção totalmente favorável e quis aproveitar isso ao máximo. E de fato ele entrou, me empurrando com força. Teve momento em que eu atingi os 17km/ h!

Parada na paradisíaca Ilha do Campeche, abrigada das ondas e dos ventos. Foto: Arquivo Pessoal

Nesse dia você remou quantos km?

Novamente remei mais de 30 km. O objetivo era chegar a Caieras, mas acabei parando em Daniela, que é uma praia linda e fiquei lá mais tempo do que havia planejado. Então, quando cheguei na altura da ponte Hercílio Luz, estava quase sem água e sem barrinhas para comer. Era domingo e estava tudo fechado no centro da cidade. Segui remando por mais uns km e então quando fiquei sem água liguei para o Daniel que já havia chegado a ilha. Combinamos de nos encontrarmos em Ribeirão da Ilha e quando cheguei lá deu 40 km de remada certinho.

Nesse dia ficaram em Ribeirão da Ilha?

Não. Voltamos para a casa do Rafael porque não tinha lugar pra deixar a canoa lá. Só que, por causa da distância de Ribeirão da Ilha até a Barra da Lagoa, onde o Rafael mora, fui deitar à meia noite, exausta. Só que havia uma previsão de vento sul forte para o dia seguinte a partir do meio dia. E quando a gente viu a previsão, um pouco antes de dormir, já havia adiantado para as dez horas da manhã. Seria necessário começar essa etapa remando bem cedo, antes do sol nascer, pois havia um risco grande de chegar a Naufragados, no extremo sul da ilha e dar de cara com esse vento, o que seria muito perigoso. Como eu estava muito cansada e já era tarde, resolvemos que seria melhor descansar no dia seguinte.

Acabou sendo uma boa decisão…

Sim, pois o vento entrou com muita força, acima do previsto, e o mar ficou branco de tanta espuma! Aproveitei para descansar o dia todo e planejar o trajeto nos quilômetros que faltavam. No dia seguinte perdemos a hora e acabei saindo um pouco mais tarde e o vento sul começou a entrar quando comecei a contornar Naufragados. Nesse dia conversei muito com o mar. Pedi desculpas por me atrasar um pouco na saída e pedi que ele não “judiasse” de mim (risos). Estava muito nervosa, mas consegui contornar o extremo sul da ilha e então aproveitar o vento sul a meu favor. Ali deu pra ver que o lugar é realmente perigoso! O mais engraçado é que o Daniel estava lá, numa pedra, me observando super preocupado (risos), mas deu tudo certo e segui até Pântano do Sul, onde pernoitei em uma pousada.

Essa foi a última parada?

Sim, mas havia muita ondulação. Então, se as coisas ficassem complicadas traçamos dois pontos para uma parada de emergência: na Praia da Armação e na Ilha do Campeche. A ilha, na verdade, seria mais um descanso pra tomar fôlego e voltar para o desembarque na Armação, lugar da costa mais próximo abrigado das ondas.

Mas você conseguiu terminar a remada nesse dia, certo?

Sim, mas não foi fácil! Na verdade bem assustador! Apesar de remar tendo ondas e ventos favoráveis, surfei vagalhões realmente grandes! Ali vi que o mar de Florianópolis é grosso. Mas teve uma coisa interessante. Nesse dia, quando estava saindo de Pântano do Sul, ainda dentro da baia havia vários barcos de pesca ancorados. Um deles chamava-se “Sou forte”. Fiquei com esse nome na cabeça e segui remando. Mais pra frente, fiz uma parada para descanso na Ilha do Campeche e o mar foi ficando cada vez maior. Deu medo, mas lembrei do nome do barco e falei pra mim mesma: “Sou forte! Faltam poucos km para eu completar esse desafio, vou conseguir!” Então, pedi licença para o mar e também proteção e segui em frente. Foi incrível. Passei pela Joaquina, Praia Mole e quando avistei a entrada do canal da Barra da Lagoa caiu a ficha de que ira completar a travessia. Me emocionei bastante, não parava de rir de felicidade! Quando entrei no canal estavma lá o Daniel, o Andre e a esposa dele, a Valéria, e eles contaram pras pessoas que estavam lá que eu estava completando a volta a ilha. Quando passei por eles todos me aplaudiram. Eu só ria! Inesquecível. Já na chegada, no Praia Mole Hotel, amigos me aguardavam e prepararam uma recepção muito bacana. Ganhei uma caneca com a minha foto e os dizeres: “1ª mulher a fazer a volta na Ilha de Santa Catarina de Canoa Havaiana”. Me senti muito acolhida.

A emoção da chegada, já na Lagoa da Conceição, na raia do Praia Mole Hotel. Foto: Arquivo pessoal.

E a próxima travessia?

Bom, agora em março vou fazer a Volta a Ilha de Santo Amaro. Com isso será mais uma ilha e mais um estado, SP. E assim vou seguindo em frente com meu projeto. Em aguns projetos contei com apoio da SGA Toyota de Niterói, a quem sou muito grata, mas claro que se tivesse um patrocínio para essas travessias seria bem mais fácil, mas tem uma coisa que é muito gratificante que é saber que muita gente começou a remar de canoa inspirada nas minhas travessias, assim como eu me inspirei na Luiza e por ai vai. É uma sensação muito boa saber que você influenciou pessoas a promoverem uma mudança positiva em suas vidas. Uma energia muito boa. A canoa polinésia, antes de ser um esporte é um estilo de vida.

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