Chris Bertish prepara livro sobre sua épica travessia de SUP pelo Atlântico
Primeiro homem a atravessar o Atlântico remando em pé, Chris Bertish prepara livro sobre a aventura e ... leia mais
Tenha sempre um plano B. Essa é a regra. Estávamos há dois meses nos preparando para uma travessia bem complexa, que demandava o controle de muitas variáveis.
Há menos de 10 dias da data planejada tivemos que cancelar pela falta de verba para contratar um barco de apoio.
Foi aquela frustração. Bateu aquele desânimo e ficamos bastante decepcionados.
Mas logo o Ulisses apareceu com uma alternativa, uma remada de reconhecimento em um local que eu jamais pensara em remar, no interior de SP, há cerca de 6h de casa.
É claro que eu topei, e já iniciamos na mesma hora as conversas para esta trip. A ideia do Ulisses era descer por 20km o rio Tietê nas proximidades do município de Bariri, centro do estado de São Paulo, e depois subir por 25km o seu afluente, o rio Jacaré Pepira, um dos rios mais limpos do estado.
Teríamos um barco de apoio que iria nos acompanhar por todo o trajeto, pilotado pelo pai do Ulisses, Seu Salvador, e também pelo seu tio Zeca e seu primo Luis, pescadores e grandes conhecedores destes rios, ambos moradores de Bariri.
Bariri é uma típica cidade do interior de São Paulo, com cerca de 35 mil habitantes que ainda conserva as peculiaridades do interior rural, com suas festas tradicionais, quermesses e leilões de gado.
O cultivo da soja, cana de açúcar e a criação de gado são as principais atividades econômicas da região, além de um potencial turístico gigantesco, pois é banhada por uma malha fluvial bastante vasta.
Chegamos na tarde de sexta feira e após a recepção dos familiares já iniciamos os preparativos para sair bem cedo no outro dia.
Seu Salvador e o Luis se encarregaram da organização de suas traias de pescaria, combustível, alimentação, água e tudo o mais que iria dentro do barco.
Enquanto isso, eu e o Ulisses íamos amarrando nossas pranchas em cima do carro e finalizando detalhes do que levar, quantidades e as estratégias para a remada.
Acordamos por volta das 6h e após um café da manhã reforçado seguimos para pegar o tio Zeca no seu sítio que ficava muito próximo das margens do rio.
Lá que ficava o barco de alumínio que iriamos utilizar. Ajeitamos as últimas coisas no sítio e seguimos nosso caminho em direção ao Tietê.
Desembarcamos tudo e partimos para os acertos finais com a instalação das quilhas, organização dos sacos estanques nas pranchas, entre outras coisas e após os últimos detalhes com nossa equipe de apoio fomos até a margem do rio e iniciamos nossa remada por volta das 8h.
De cara o rio Tietê impressiona por sua imensidão e distância entre as margens. Me chamou atenção também a qualidade de suas águas que, à primeira vista, jamais lembrava a poluição que conhecíamos do Tietê paulistano, a montante de onde estávamos.
O rio Tietê nasce nas proximidades da serra do Mar, no município de Salesópolis. Como não consegue ultrapassar estas grandes montanhas, segue o seu curso em direção ao interior do estado, passando pela capital, onde recebe uma grande quantidade de poluentes, ficando praticamente morto por um grande trecho.
Continuando seu percurso em direção a foz no rio Paraná, ele passa por diversas usinas hidrelétricas, barragens e eclusas, vindo a se purificar na região de Bariri.
Tentamos seguir praticamente pelo meio do rio, onde aparentemente a correnteza estava mais potente, mas algumas vezes acabamos por nos deslocar para alguma de suas margens para apreciar a vegetação, resquícios no meio das fazendas e plantações de cana de açúcar.
O vento soprava também a nosso favor nos primeiros 10km, mas depois virou para leste e nos acompanhou lateralmente por muitos quilómetros.
Começamos a colocar em prática a nossa estratégia de hidratação, bebericando a cada 15min um pouco de água.
A cada hora a gente consumia um sachê de carboidrato em gel e a cada três horas nos aproximávamos do barco de apoio para uma alimentação e hidratação mais intensa, em uma parada de aproximadamente 20min.
Foi acertado também que o barco de apoio poderia ficar independente, mas quase sempre em nossa linha de visão, seguindo ora a nossa frente e ora ficando para trás, sempre à procura de melhores locais para a pesca.
Aos 21km deixamos o Tietê e iniciamos a subida pela foz do rio Jacaré Pepira. De cara já percebemos a diferença de coloração mais escura de suas águas, suas margens mais estreitas e a correnteza que agora fluía em nossa direção.
As margens também se mostravam com uma vegetação mais preservada, apesar ainda da presença de fazendas e plantações de cana de açúcar.
Era comum passarmos por pescadores com suas voadoras de alumínio subindo e descendo o rio e também espreitados em meio à vegetação, imóveis em suas margens.
O rio Jacaré Pepira é um dos três afluentes mais importantes do rio Tietê e de acordo com os estudos sobre a saúde do rio, ele é considerado um dos poucos que estão livres da poluição, fazendo com que seja uma reserva de biodiversidade, com macacos, quatis, jacarés, diversos tipos de cobras, entre elas jiboia e jararacuçu, cerca de 90 espécies de aves como tucano, mergulhão, além de peixes como curvina, piapara e mandi, entre muitas outras espécies.
Fizemos nossa primeira grande pausa aos 25km em uma pequena curva sombreada do rio, com uma mata bem preservada em nosso entorno.
Paramos com direito a um belo mergulho nas águas refrescantes do Pepira. Comemos nossos lanches e após uma breve conversa enchemos nossos bags com a água gelada do barco, acertamos alguns detalhes e estávamos prontos para voltar a remar, com o ânimo restaurado.
O rio neste momento começava a apresentar pequenas ilhas de vegetação com muitas raízes e aguapés. Subindo pela margem esquerda, em determinado momento fomos surpreendidos por um labirinto de aguapés.
Seguimos pelos caminhos de água e nos deparamos com um trecho onde ficamos praticamente presos, com suas raízes agarrando em nossas quilhas e tivemos que forçar passagem para acessar o meio do rio.
Mais algum tempo avistamos uma grande ponte do rio. Passamos por ela e o calor estava insano, com a temperatura cada vez mais alta, em um céu quase sem nuvens.
Decidimos cair novamente na água e dar uma refrescada, aproveitando para mais uma refeição com carboidratos.
Nessa breve parada percebemos que a correnteza estava ficando mais forte, pois fomos puxados para trás por vários metros.
Aos 35km chegamos no rancho da família Bicudo, às margens do rio. Foi uma parada estratégica debaixo de uma grande sombra das árvores.
Esticamos nossas pernas, alongamos nossa coluna e definimos como iria ser a última parte da travessia, a parte mais confinada do rio Jacaré Pepira.
Desde as primeiras conversas sobre o nosso trajeto este era o ponto de maior debate, pois era o local que tínhamos mais dúvidas do que iríamos encontrar.
O rio Jacaré Pepira nasce na serra de Itaqueri, nas proximidades de São Pedro, passando depois pelas grandes corredeiras em Brotas, onde é bem conhecido pelos aventureiros de rafting. Depois ele continua seu caminho por vários municípios com um comportamento sinuoso e supostamente com bastante energia.
Era isso que queríamos testar. Explorar ao máximo esse trecho mais confinado e ver até onde poderíamos remar nestas condições e também averiguar quais eram as perspectivas em relação a descida por seus meandros.
Quais eram os acessos por terra? Tirando a correnteza quais seriam os outros obstáculos naturais? Encontraríamos pedras, assoreamento ou árvores caídas sob o rio?
Era isso que estávamos prestes a descobrir.
Saímos do rancho Bicudo aos 35km, mas foi somente aos 38km que identificamos o trecho mais confinado do rio. As águas mexidas e com redemoinhos já mostrava o que iriamos encontrar.
O rio neste trecho possui a largura máxima de 12m, bem encaixado, sinuoso e com uma forte corrente. A vegetação do entorno era de um grande capinzal de porte médio, em meio a um alagado, com poucas árvores e arbustos.
Tínhamos que remar forte, constante e com alta cadência para não sermos arrastados.
De cara percebemos que a melhor estratégia seria fazer esteira, um atrás do outro, para revezarmos quem puxaria o ritmo, enquanto o outro seguiria mais protegido da correnteza.
Outra estratégia que rapidamente adotamos foi remar sempre bordejando as margens e tendo que as vezes migrar de uma para outra a procura de trechos com menor correnteza.
Nosso ritmo caiu drasticamente, para mais de 15min/km e percebemos que, já com quase 40km e cerca de 6 horas de remada, não teríamos como aguentar muito naquelas condições.
Poderíamos, quem sabe, remar mais uns 10km, mas iria ser um desgaste desnecessário e não nos revelaria mais nada de novo do que já tínhamos descoberto até então. Decidimos subir pelo menos mais 2km e então abortamos.
Descemos a favor da corrente e curtimos cada meandro ultrapassado, passando por muita turbulência pelas curvas até sair do trecho confinado, perdendo bastante velocidade.
Nessa hora percebemos que tinha acabado, tínhamos percorrido todo o trajeto planejado e comecei a lembrar das muitas dificuldades transpostas durante a travessia.
Pensei bastante sobre a nossa estratégia de hidratação e suplementação, que para mim tinha sido um sucesso, com certeza amenizado o nosso desgaste em relação a desidratação. Mas mesmo assim o corpo estava sentindo.
Os braços, os punhos, a musculatura lombar e cervical. Estava tudo doendo muito agora. Mas estávamos próximos demais do fim e as condições eram boas: sem vento e com a correnteza a favor. Tínhamos que seguir avante. Estava acabando.
Logo chegamos no rancho Bicudo, finalizando a travessia aos 45km em 6:22h de remada. Estávamos todos juntos novamente, em terra firme.
Encontramos nossa equipe de apoio já desmontando o barco, e após uma breve confraternização começamos também a organizar nossas pranchas e equipamentos e seguimos novamente em direção a casa dos pais do Ulisses, em Bariri.
Que viagem fantástica! Muito feliz por ter estado ali principalmente pelas pessoas que acabei conhecendo, que me acolheram e me fizeram sentir em casa. Conheci uma cidade que lembrou minha infância, um lugar pacato e agradável de morar.
Conheci dois rios incríveis e remei mais de 45km ao lado de meu amigo Ulisses, em mais uma aventura do grupo SUP Extremo.
Além disso, as conversas que tivemos antes e depois da travessia e, principalmente, aquelas que tivemos durante, acabou nos mostrando outras possibilidades de projetos que até então não tínhamos pensado, e que neste momento já estamos trabalhando para colocar em prática.
Agradecimentos especiais ao povo de Bariri, principalmente aos nossos amigos que nos acompanharam por toda a travessia com o barco de apoio.
Obrigado Salvador, Zeca e Luis. Com vocês estávamos bem protegidos. Agradeço também a Mônica e Laura pelo apoio em Sorocaba. Não esquecendo da dona Maria, Carol, Pedrinho, a esposa do Luis, além de toda família Bicudo.
Agradeço minha família, principalmente à Paulinha e João, que sempre me apoiam nestes desafios.
Por fim ao Ulisses pela amizade cada vez mais forte, pelo companheirismo, hospitalidade e por se engajar forte nos nossos projetos. E também ao grupo SUP Extremo que me proporciona estes momentos incríveis de superação, aprendizado e aventura.
Aloha!