Michael Booth e Sonni Honscheid vencem a Carolina Cup 2019
Campeões Michael Booth e Sonni Honscheid repetem o feito de 2018 e ficam novamente com o título da ... leia mais
Quando falamos sobre “atleta profissional”, a primeira coisa que vem à mente é a ideia de que são esportistas que além de competir em alto nível de rendimento, vivem totalmente dedicados ao esporte que praticam, pois contam com o suporte financeiro de seus patrocinadores e apoiadores para manter o foco nos treinos e na melhora de sua performance.
Mas em um esporte relativamente novo, como o stand up paddle, quantos atletas contam efetivamente com um suporte que lhes permita viver inteiramente dedicados aos treinos e às competições?
No caso do SUP race a realidade é dura. Apesar de termos no Brasil atletas que competem no mais alto nível, não há hoje nenhum profissional que consiga viver exclusivamente do esporte sem precisar trabalhar em outras atividades ou contar com o apoio da família para reforçar a ajuda que recebe de seus patrocinadores (isso quanto há patrocinadores) .
E aqui cabe uma pausa importante. Esse artigo não deve ser interpretado como uma crítica aos apoiadores e patrocinadores ligados ao stand up paddle, pois a grande maioria faz o que pode. Acontece que, à exceção dos jogadores de futebol, são muito poucos os atletas brasileiros que contam com uma estrutura realmente “profissional” independente da modalidade praticada. E no caso do SUP, um esporte ainda com pouca exposição para além da mídia especializada, essa realidade é ainda mais latente.
Isso só reforça minha admiração e respeito por esses atletas, que tem um dom e se dedicam a lapidá-lo até alcançar um estado de excelência. Muitos que veem a segunda colocação de Guilherme dos Reis na PPG, o título de Lena Guimarães na 11 City Tour ou a medalha de bronze Tuca Santecreu no Mundial da ISA, não imaginam os sacrifícios que esses competidores fazem para alcançar esses resultados.
Para ilustrar essa realidade, conversei com seis dos melhores remadores de SUP race do Brasil e pedi que compartilhassem conosco sua rotina.
GUILHERME DOS REIS
“Infelizmente eu não consigo viver 100% como atleta profissional, não recebo um salário como atleta, mas a gente está no esporte porque a gente gosta. Às vezes consigo fazer alguns trabalhos em eventos para levantar uma graninha e o dinheiro das premiações dos campeonatos também me ajuda. Além disso, a prefeitura de Ilhabela também me fornece uma ajuda de custo quando preciso viajar.
Até o começo do ano eu tinha patrocínio de prancha, porém, a marca é argentina e o país vive um momento de crise econômica e eles ficaram sem condições de me fornecer novas pranchas. Se não conseguir fechar com um novo patrocinador, precisarei vender minhas pranchas para conseguir comprar uma 14 pés para competir no Brasileiro ano que vem. Hoje só conto com o patrocínio de remos, da marca Crespo.
A minha rotina de treinos é feita basicamente durante a semana, de segunda a sexta, e aos finais de semana normalmente trabalho em eventos”.
LENA GUIMARÃES RIBEIRO
“Não vivo 100% como atleta profissional do stand up paddle e creio que pouquíssimos consigam. Essa também não é uma realidade só do nosso esporte, mas de muitos atletas de várias modalidades e não só no Brasil.
Trabalho como nutricionista, sou professora universitária e dou aula de stand up paddle. Também estou terminando a faculdade de Educação Física. São diversas frentes e você tem que se adaptar. Na faculdade, por exemplo, para conseguir estudar e manter a rotina de viagens para competir, eu faço as disciplinas à distância, on-line, pois um computador você pode levar a qualquer parte do mundo.
Eu considero que tenho bons patrocinadores. A Mistral, que me fornece equipamentos, me dá uma ajuda financeira e me ajuda com as despesas de viagem e o Aloha Spirit Festival, que também me fornece uma ajuda financeira. Além disso, o dinheiro conquistado nas premiações de eventos também me ajuda. Eu digo que dentro da nossa realidade como atletas de stand up paddle eu me sinto privilegiada, pois consigo me manter no esporte sem precisar usar o dinheiro das minhas atividades profissionais. Não tenho lucro, mas o dinheiro que eu gasto com o SUP race, vem do SUP race. Então, hoje em dia eu acho que estar no ‘zero a zero’ já é um privilégio se comparado com a realidade da maioria dos atletas.
Conciliar a rotina de treinos, estudo, trabalho, viagens, competições, família e atividades do dia a dia, como ir ao banco, por exemplo, exigem muita disciplina e planejamento. Não procrastinar, procurar adiantar suas tarefas, acordar cedo e otimizar o tempo. Em casa eu conto com uma moça que ajuda com as tarefas domésticas, e a família também ajuda muito em questões como, por exemplo, as viagens, cuidando dos filhos. Há toda uma rede de apoio que é muito importante, pois minha família é grande e tem ainda cachorro (risos) sem essa ajuda não seria possível. Aliás, acho que ninguém consegue nada sozinho. Mesmo o atleta que conta com a melhor das estruturas precisa de algum tipo de apoio”.
MARINHO CAVACO
“Costumo dizer que esporte amador de alto rendimento só por amor mesmo, porque a gente não ganha pra isso. Querendo ou não, a gente procura ser um atleta profissional, mas a realidade é que nosso esporte ainda é amador. No Brasil poucos esportes são tratados como profissional. Então, não dá pra viver 100% como atleta profissional.
Você acompanhou um pouco da minha trajetória e sabe que quando eu comecei a competir em alto rendimento eu trabalhava muito pra conseguir me manter nos treinos. Já trabalhei como estoquista em uma papelaria e como motoboy, que pela flexibilidade de horários permitia que eu criasse um planejamento de treinos, mas graças a deus hoje eu trabalho com esporte, tenho uma base aqui em Santos, a CPT – Cavaco Paddle Team, e hoje eu toco a vida com a canoa havaiana.
Para competir eu conto com patrocínio, que fornece os equipamentos e uma ajuda de custo para as viagens, que são a SIC e a Kialoa. Sem a ajuda deles eu não conseguira mais competir, pois os custos para viajar subiram muito.
Trabalhar com a canoa havaiana também me ajuda a conciliar minha rotina de treinos e trabalho, pois no começo, antes de montar a base, era muito mais complicado. O começo foi bem difícil, mas persisti e hoje está um pouco mais fácil graças ao meu suor.”
JESSIKA MOAH
“O título atleta profissional para mim significa que eu remo em uma categoria que exige mais, com maiores distâncias, adversários fortes e premiação em dinheiro.
Viver do esporte infelizmente é impossível para mim. Tenho uma jornada diária cansativa pra manter os treinos em dia. Entro na água quando está amanhecendo e na sequência sigo para meu trabalho em uma creche da cidade, onde passo todo meu dia cuidando de bebês. No fim do dia treino funcional ou corro, além dos serviços de mãe e dona de casa, geralmente vou dormir muito tarde.
Mesmo assim, não consigo custear minhas despesas como atleta. Com pouco mais de um salário mínimo eu direciono meu salário pra minha família. Para poder competir eu dependo de correr atrás. Eu sempre fiz provas aleatórias durante o ano, com rifas e vendendo coisas que não uso mais.
Quando conquistei o bolsa atleta pela canoa V1 consegui finalmente realizar um circuito brasileiro de SUP completo, direcionei toda a bolsa para as viagens, mas o governo cortou essa ajuda e para iniciar 2018 nas competições, abri mão da canoagem e foquei apenas no SUP.
Fiz uma rifa que levantou o valor para a primeira etapa do Brasileiro e me comprometi que voltaria com a premiação para continuar competindo. Assim fiz o ano inteiro, bons resultados e amigos pelo Brasil colaborando com combustível, hospedagem e etc., me permitiram realizar o circuito e algumas outras provas, apoiadores foram essenciais na suplementação, alimentação e vestuário.
Os equipamentos são caros e ainda uso o mesmo remo desde o início, que ganhei de um apoio, e a minha Race estou há dois anos com ela, conquistada com a ajuda de um amigo shaper de primeira e um fundo de garantia guardado.
Vejo muitos atletas às vezes desdenhando da premiação que receberam por ser pouca, claro que gostaríamos de mais, mas foi essa premiação que me permitiu conquistar três vagas no Mundial e uma vaga no Pan-americano com as despesas pagas. São os amigos do Brasil todo que estão me enviando para China representando o SUP Brasileiro.
Eu não vivo do esporte como gostaria, não tenho os melhores equipamentos do ano, e vivo uma luta constante para competir, nem gosto de ficar reclamando e choramingando a respeito disso, existem pessoas em situação pior e que nem ao menos tem acesso ao esporte. Não sou obrigada a fazer tudo isso, faço porque amo, faço porque eu quero estar lá entre as melhores, faço porque respirar tudo isso me faz bem. Claro que tudo poderia ser bem melhor, mas para mim esse ano foi espetacular”.
ARTHUR SANTACREU
“Infelizmente não consigo viver 100% como um atleta profissional. No Brasil temos falta de incentivo e visibilidade assim como em muitos outros esportes!
Sempre digo que não conseguimos viver como atletas, mas conseguimos viver do esporte! Atualmente dou treinos e aulas de SUP para custear minhas despesas, mas a premiação de cada etapa acaba completando esse orçamento! Ficamos quase reféns dessas premiações.
Felizmente eu tenho patrocínio de equipamentos. Remo e prancha. E quando consigo vender os equipamentos usados, o dinheiro entra como uma reserva a mais para futuras competições.
Atualmente ainda estou na faculdade. Duas faculdades na verdade! Curso Engenharia de Produção na Universidade Federal do ABC, durante as manhãs, e Educação Física com uma bolsa na UNIP durante a noite, então não gasto nada com a faculdade! Mas é uma vida corrida! A rotina fica basicamente: aula de manhã, treino após o almoço, academia após o lanche e aula novamente a noite!
Ainda consigo montar as planilhas de treinamento e dar aula particular de SUP! Isso mostra que é um mito que um atleta deve-se focar apenas em treinar! Treinamos não mais do que quatro horas por dia, tirando as oito horas sagradas de sono, ainda nos restam 12 horas! Tempo suficiente para trabalhar e estudar! Só temos que ter muita disciplina e saber o que queremos do nosso futuro!”.
ALINE ABAD
“Infelizmente eu não consigo viver só do esporte! Sou fisioterapeuta e trabalho até às 20 h pra conseguir conciliar as contas a pagar e os gastos do esporte.
Não tenho patrocínio de prancha e tenho que comprar meu equipamento que chega ao Brasil com custo altíssimo!
A minha rotina de treinos acaba sendo bem puxada, acordo às 5h30, vou pro mar treinar e cumpro à risca minha planilha feita pelo meu treinador Luís Carlos Guida. Saio do mar e duas vezes por semana faço meu condicionamento físico já em seguida. O que não seria o mais correto, porém, é o jeito! Logo em seguida vou trabalhar e saio de lá às 20h. Trabalho com corpo o tempo todo! Dou aula de Pilates e faço clínica de Reeducação Postural Global.
Não é fácil! Durante a semana e até final de semana temos treinos e um dia apenas de “day off!”.
E se você acha que essa é uma realidade enfrentada apenas pelos remadores de SUP brasileiros, então eu recomendo a leitura deste artigo da SUP The Mag, que inclusive me inspirou a escrever essa matéria.