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A cultura polinésia intriga o imaginário do mundo ocidental há séculos. No século 18, o capitão Cook descobriu que os habitantes de diversas ilhas do oceano pacífico, separadas por milhares de quilômetros de distância, falavam praticamente a mesma língua, a mística em torno desse povo passou a ganhar forma.
Os polinésios foram os primeiros a dominar técnicas de navegação oceânica baseadas em mapas estelares e elementos da natureza para alcançar algumas das ilhas mais isoladas do mundo, partindo do sudeste da Ásia séculos antes de qualquer outra civilização alcançar esses lugares, ainda que essa evolução na arte da navegação tenha se desenvolvido ao longo de etapas.
Historiadores chegaram à conclusão de que primeiro, cerca de 3000 mil anos atrás, essas populações alcançaram as ilhas mais próximas do continente, seguidas daquelas mais perto entre si. Havaí, Nova Zelândia e Rapa Nui, separadas por uma enorme porção de água, foram alcançadas após uma longa pausa de mais de mil anos.
Acredita-se que este foi o tempo necessário para que as técnicas de navegação e as próprias canoas evoluíssem a ponto de garantir uma navegação bem-sucedida para esses lugares. Este é o período da história da Polinésia retratado no desenho da Disney, “Moana” (2016).
A gigante estadunidense do entretenimento retratou essa fase da história da Polinésia à sua maneira, o que acabou por dividir opiniões, sendo a principal crítica a de ter simplificando e, em certo sentido, desrespeitado alguns aspectos dessa cultura.
A história se passa na ilha fictícia de Motunui. Moana, a personagem central do desenho, recebe a invocação divina para navegar, encontrar e devolver o coração de Te Fiti, uma deusa da ilha, depois que ele é roubado pelo semideus Maui.
O coração de Te Feti é simbolizado em um amuleto de pedra pounamu, que se perde nas profundezas. Depois que o coração de Te Feti é roubado, ela se torna o demônio da lava Te Ka e amaldiçoa Motunui um milênio depois, resultando em uma praga que fez com que o povo de Moana perdesse o ímpeto por navegar por águas mais distantes.
E apesar da dos avisos de seu pai, para nunca ultrapassar os limites do recife protetor, Moana sai para o mar em uma jornada que irá restituir a coragem e habilidade dos polinésios em navegar por mares nunca dantes navegados.
Esta é, essencialmente, a interpretação da Disney sobre o fim da longa pausa, pautada na mitologia polinésia, embora, claro, significativamente diferente da verdadeira razão histórica.
Primeiramente, é preciso reconhecer que graças à Disney, o povo polinésio foi colocado no centro das atenções. No entanto, alguns aspectos entre a história de Moana e a mitologia polinésia, livremente adaptados para o desenho, foram considerados ofensivos, sobretudo no aspecto sacro.
Maui, sem dúvida foi o centro dessa polêmica. Um semideus na cultura polinésia que trabalha para o bem da humanidade, ele normalmente é retratado como um jovem astuto e vigoroso. No entanto, na visão dos estúdios da Disney, Maui é retratado como um homem obeso e pouco inteligente. Fazendo uma analogia para o mundo ocidental, seria mais ou menos a mesma coisa que criar um desenho animado em que um santo católico é transformado em uma figura cômica ou grotesca.
O Havaí está entre as ilhas onde a devoção à Maui é mais notória e, não por acaso, uma das ilhas do arquipélago leva seu nome. Muitos havaianos nativos consideraram a adaptação ofensiva.
Fica, portanto, difícil de entender por que a Disney não foi mais cuidadosa ao retratar esse semideus sagrado. Outro deslize foi o de omitir da história a presença de Hina, que é a deusa protetora e criadora de Maui (na mitologia de algumas ilhas do Pacífico ela é sua amante).
Hina é uma das mais importantes deusas da mitologia polinésia, e tem uma forte relação com Maui, pois é responsável por manter o equilíbrio em suas ações e assim construir a harmonia do mundo.
O departamento de merchandising da gigante do entretenimento também cometeu uma gafe, na época do lançamento, ao comercializar um traje de Maui (versão desenho) para crianças, o que gerou protestos do Havaí à Nova Zelândia, e obrigou a empresa a retirar às pressas a fantasia das lojas.
Outra adaptação bastante controversa, que causou desconforto, foi a representação do lendário povo Kakamora, retratados no desenho como piratas selvagens e animalescos vagando pelo oceano. Porém, na verdade, eles são um grupo mítico de baixa estatura de pessoas das Ilhas Salomão, semelhantes aos anões Menehune do Havaí. Na tradição polinésia real, eles não agem e nem se parecem com a representação do filme.
Na época do lançamento de Moana e diante dos protestos, a Disney defendeu-se dizendo que havia realizado extensas pesquisas para a criação do desenho, mas que alguns aspectos precisaram ser alterados e simplificados para tornar a história mais aceitável para o grande público (leia-se, comercialmente rentável).
É verdade também que, apesar dos deslizes, Moana acertou em outros aspectos históricos e, no final das contas, ajudou a popularizar essa rica cultura.
Por fim, tendo em mente que Moana é uma produção livremente baseada em aspectos importantes e sagrados da cultura polinésia, este desenho é certamente uma ótima forma de entretenimento – sobretudo se despertar em você o interesse por se aprofundar na história real desse povo e sua mitologia.