Destaques e emoções na Volta à Ilha da Gipóia 2024
No último final de semana as águas de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, foram palco da Volta à Ilha da ... leia mais
Com nove anos de idade, estava assistindo as Olimpíadas de Londres 2012, chamou-me a atenção um esporte diferente: eram atletas sentados em um caiaque bem fininho, que pareciam deslizar-se sem esforço sobre a água; mal sabia eu que na verdade fazem muita força. E que esse seria o começo do esporte da minha vida.
A canoagem, um esporte bem diferente do resto. Com muita ilusão depois de assistir as Olimpíadas, quis experimentar. Naqueles tempos, morava em uma cidade de Madri, Espanha.
Então cheguei no clube e, depois de dois dias, com dores nas costas, quis abandonar. Foi então quando uma palavra do meu pai mudou o rumo e a importância desse esporte na minha vida até hoje. Foi um simples “Pelo menos termina o mês, se não quiser não precisa continuar”.
Então, segui adiante, treinei bastante e acabei por pegar o amor pela canoagem. E assim segui meses e meses, até meus 12 anos, quando mudamos de cidade. Nova casa, novo começo… e novo clube também.
Foi realmente nesse lugar que passei a amadurecer no esporte e buscar resultados, competindo e melhorando cada dia, participando de duras provas regionais, estaduais, e inclusive uma nacional. Ganhando, perdendo, aprendendo…
Anos depois voltei para o Brasil, minha terra natal. Quando cheguei aqui quis buscar novamente meu esporte, mas me topei com uma realidade diferente, já que a modalidade da canoagem mais popularmente praticada é diferente da Espanha.
Falamos da Canoagem Oceânica, basicamente um caiaque que anda rápido no mar; ou bem, anda rápido se você souber remar rápido e ler corretamente o mar.
Então, pouco depois da minha chegada ao Brasil conheci uma nova modalidade e também uma prova, uma competição. Com muita ilusão no coração, mostrei minha descoberta ao meu pai, que gosta de colocar desafios para incentivar-me a buscar soluções.
Ele disse: “Se você conseguir todo o material em menos de uma semana eu te levo para a competição”. O que você acha que aconteceu? Consegui! E ele me levou.
Lá fomos nós dois, saindo de Camboriú (SC) caminho a São Sebastião (SP) em um pequeno carro 1.0 alugado, com destino a uma competição de 30km.
Chegou o esperado dia da prova, o som de uma buzina dava a largada; saímos rumo a Ilhabela, no canal de São Sebastião, posteriormente continuamos à costeira até o farol para fazer o último trajeto do percurso.
Nessa última parte, exausto, com sede, queimado por não passar protetor solar, fui remando como podia. Pouco tempo depois de ultrapassar um atleta, vejo ele cair na água, paro meu barco e remo para atrás para ajudá-lo a subir. E assim foram três vezes no total. Na quarta queda, seu remo começou a se afastar, mandei ele pegar o remo em quando eu segurava o barco. Ele tentou nadar na minha direção, mas falava que não conseguia; deveria estar tão exausto quanto eu.
Naquele momento, era o mar quem mandava sobre nós, os dois à deriva, ele só com um colete salva-vidas e eu com dois caiaques sem poder remar.
Passaram-se alguns minutos e chegou outro atleta, que ficou comigo e me disse que o resgate estava a caminho. Pouco tempo depois a lancha chegou, subimos todos a bordo e foi nesse momento quando eu vi que o atleta a quem eu tinha ajudado a subir não tinha uma perna, ele era paralímpico!
Por isso ele dizia que não dava conta de nadar até mim! Esse dia não voltei para casa com uma medalha, mas com uma história. E foi só o começo.
Continuei competindo até que um dia mudamos para Ilhabela (SP), onde tem um clube de Canoagem Oceânica, com grandes atletas com muita experiência. Mais uma vez, muito animado, comecei a treinar, aprendendo com o maior professor de todos: o mar.
Passou o tempo, e minha ilusão de competir em 2020 se foi por água a baixo quando aconteceu o que todos sabemos que aconteceu. Porém, no final do ano que conseguimos competir normalmente. Um campeonato brasileiro, único, em Ilhabela.
Essa foi minha oportunidade… tinha treinado para isso! E assim foi: vice-campeão brasileiro 2020, e campeão no barco de equipe (caiaque duplo). Depois de tanto tempo, tantas aulas com o professor “mar” e treinos fora d’água… deram seu resultado.
Chegamos em 2021, treinando duro e buscando melhorar cada dia. Minha surpresa viria meses mais tarde ao receber a carta da Confederação Brasileira de Canoagem, que me havia selecionado para representar ao Brasil junto com outros atletas no Campeonato Mundial de Canoagem Oceânica; sabe onde? Em Lanzarote, Espanha.
Depois de tantos anos, ter a oportunidade de voltar para casa, representar o Brasil e mostrar todo o folego do nosso brado retumbante.
Sem dúvida, não foram as medalhas, mas foram todas as experiências adquiridas durante anos, começando com um “Pelo menos termina o mês”, passando por uma fase mais restrita de treinos e, ao chegar ao Brasil, estender a mão para quem precisou.
Aprender com o professor “mar”, o inconfundível abraço de um pai com um “divirta-se” ou um beijo de uma mãe acompanhado de um “Vai com Deus” são os que fazem de mim o atleta que sou.
A tudo isso que passei, sou grato; pelas provas que não completei, e as medalhas que não ganhei… obrigado.
Meu nome é Carlos Díaz, ex-atleta de canoagem de velocidade da Espanha, atleta de canoagem oceânica, vice-campeão brasileiro… e eu vou para o mundial representar o Brasil em 2021!
Espanha:
Brasil: