A épica história da remadora que circunavegou a América do Sul de caiaque

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Freya (em frente à bandeira) recebe o apoio de remadores argentinos antes da partida, em Buenos Aires. Foto: Arquivo pessoal

Com a publicação do podcast que fizemos com o brasileiro Adelson Carneiro Rodrigues, que está remando de caiaque oceânico desde o Oiapoque (AP) ao Chuí (RS), internautas entraram em contato com a nossa redação comentando sobre outra épica expedição a remo, feita pela alemã Freya Hoffmeister, que em 2015 se tornou a primeira pessoa a circunavegar a América do Sul remando de caiaque.

Já conhecia a história da Freya por meio de relatos do pessoal da Revista Go Outside, onde também escrevo; faltava contar a história dessa extraordinária aventura no Aloha Spirit Midia, e aproveitando a grande repercussão do podcast com o Adelson, encontrei o momento ideal para contá-la.

A incrível história da remadora que circunavegou a América do Sul de caiaque

Patagônia. Foto: Arquivo pessoal

Em 30 de agosto de 2011, Freya Hoffmeister, uma empresária alemã de 47 anos, partiu de Buenos Aires, Argentina, a bordo de um caiaque oceânico, rumo ao extremo sul do continente com um objetivo pra lá de audacioso: contornar, à remo, toda a América do Sul.

A partir da capital portenha, costeando a ampla baía do Rio de la Plata, Freya remou para o sul do continente e enfrentou em águas bastante agitadas quando atingiu a costa da Patagônia.

A recomendação era que a remadora contornasse o continente através de “atalhos”, como o Estreito de Magalhães ou Canal de Beagle.

No entanto, ela incluiu a grande e acidentada ilha sul da Terra do Fogo, Hornos, contornando o Cabo Horn na ponta mais meridional da América do Sul.

Acampada ao sul do extremo sul do continente. Foto: Arquivo pessoal

Uma odisseia perigosa, com ventos de mais de 60 nós e água congelante. Ali, ela sofreu um acidente, sem consequências graves, felizmente, ao ser lançada contra laje de pedras por uma forte e traiçoeira rajada de vento.

Um susto que a obrigou a uma parada forçada em uma costa rochosa inóspita, para um rápido check-up em sua embarcação para ver se havia algum risco de infiltração.

Em 3 de janeiro de 2012 sem qualquer escolta o ao longo do Cabo mais perigoso do mundo, Freya alcançou o Pacífico e a costa oeste do continente.

Habitantes das praias ao sul do continente. Foto: Arquivo pessoal

Seguindo agora rumo ao norte, ela remou por belos e selvagens fiordes e canais da Patagônia chilena, onde também enfrentou fortes ventos.

Freya encerrou a primeira etapa de sua histórica circunavegação em Valparaíso, Chile, depois de remar desafiadores e emocionantes 7.641 quilômetros ao longo de oito meses.

Recebida com honras no Chile ao completar a primeira etapa da travessia. Foto: Arquivo pessoal

Entre essas etapas, ela havia planejado intervalos em que voltaria para sua casa, na Alemanha, para passar algum tempo com seu filho adolescente e cuidar de seus negócios.

Do Atacama ao Caribe

Freya Hoffmeister recomeçaria sua jornada em 25 de agosto de 2012, desta vez acompanhada de seu ex-professor de canoagem, Peter Unold, e equipada com um novo modelo de caiaque de expedição, que levava seu nome: “Freya”.

Acampada no Peru. Foto: Arquivo pessoal

A remadora e seu parceiro então remaram ao longo da costa do deserto árido e montanhoso de Atacama, onde encontraram um mar bastante agitado e com grandes ondulações, principalmente no norte do Chile e praticamente por todo litoral peruano.

Em dezembro de 2012, ambos retornaram para a Alemanha em uma breve pausa para passar as festas de fim de ano com os familiares.

Freya então continuou sua viagem sozinha novamente, agora remando debaixo de um calor intenso e extenuante do litoral do Equador.

Entre o norte do Peru e a costa do Equador uma nova paisagem e um forte calor. Foto: Arquivo pessoal

Ao chegar à Colômbia, foi escoltada pela Marinha, que garantiu sua segurança em uma região do litoral colombiano dominada pelas FARC.

Ela então seguiu remando rumo ao Canal do Panamá, alcançando o mar do Caribe, finalizando a segunda etapa de sua travessia na costa caribenha da Colômbia em 6 de maio de 2013, alcançando a marca de 15.300 km remados.

Na costa atlântica da Colômbia, Freya precisou ser escoltada pela guarda costeira do país. Por ser uma área dominada pelas FARC havia um risco muito grande de sequestro. Foto: Arquivo pessoal

A terceira etapa de sua jornada começou no dia 16 de agosto de 2013 e Freya continuou a remar novamente sozinha ao longo da costa da Venezuela, onde acampou em belas e desertas praias.

Porém, mesmo imersa em tanta beleza, foi difícil relaxar, uma vez que a remadora havia sido alertada sobre a alta incidência de crimes cometidos por piratas naquela região.

Praias deslumbrantes e de aguas cristalinas na Venezuela contrastavam com tensão gerada pelo risco do ataque de piratas. Foto: Arquivo pessoal

Após deixar a Venezuela, Freya alcançou a costa de Trinidad, onde o mar azul-turquesa do Caribe aos poucos foi dando lugar a aguas rasas e lamacentas.

Em Georgetown, capital da Guiana, mais uma curta pausa para passar o Natal na Alemanha, para, em seguida, terminar a terceira etapa de sua jornada, remando ao longo do Suriname e da Guiana Francesa, em trechos bastante desafiadores por conta do calor intenso e das águas rasas, lamacentas e infestadas de mosquitos.

Águas lamacentas e traiçoeiras nas Guianas. Foto: Arquivo pessoal

Segundo a remadora, nesta parte da jornada, seu corpo foi submetido a tamanho estresse que ela quase entrou em colapso. Mas um susto maior ainda estava por vir.

Pororoca no Amapá

Pelo Delta Amazônico labirintos, correntes traiçoeiras, mudanças de maré brutais e o risco da pororoca. Foto: Arquivo pessoal

Já em território brasileiro, remando pela costa do Amapá, Freya seguiu costeando por águas rasas, mas que, inesperadamente, se tornavam profundas, favorecendo a formação de fortes ondas e correntes violentas, exigindo muita atenção da remadora para não ser pega de surpresa.

Como se isso não bastasse, ao cruzar o amplo Delta do Amazonas, ainda de noite, foi surpreendida por uma Pororoca e para sobreviver, apontou seu caiaque para a costa, surfando na escuridão, em meio a águas turbulentas, por cerca de 15 minutos, a uma velocidade que chegou aos de 30 km / h, até conseguir desvencilhar-se da poderosa onda de maré.

Ao longo da costa amazônica seu corpo foi ao limite da exaustão. Foto: Arquivo pessoal

Freya então se deu conta de que, ao longo de toda a Delta do Amazonas, lidaria com uma movimentação de maré sem igual em todo mundo, decorrente do encontro das águas do maior rio do planeta com o Atlântico.

Entre o brasileiro Gelderson Pinheiro, que prestou suporte à Freya no norte do Brasil (e colaborou com essa matéria) e sua amiga Priscilla. Foto: Arquivo pessoal

Para piorar, sem um mapa adequado, ela viveu dias de grande tensão enquanto percorria um grande labirinto de ilhas fluviais separadas por canais de maré fortíssima.

Paradoxalmente, a exuberância da selva amazônica, trazia uma sensação de paz e tranquilidade.

Em 27 de abril de 2013, após percorrer 20.798 km, Freya chegou à capital do Maranhão: São Luiz.

Bastante desgastada, ela encerrou ali a terceira etapa de sua jornada e voltou à Alemanha, para merecidas férias ao lado da família.

Recarregando as baterias e mudança nos planos

Canoagem oceanica
Turbinas de geração de energia eólica no litoral cearense: a forca dos ventos contrários do Maranhão ao Rio Grande do Norte obrigou a alemã a inverter o sentido da jornada. Foto: Arquivo pessoal

Freya descansou por cerca de cinco meses em seu país antes de retornar ao Brasil.

Quando voltou, em 16 de outubro de 2013,estava cheia de energia para enfrentar os temidos ventos de upwind, que sopram desde o sul do Maranhão, passando pelo Piauí, Ceará até atingirem o ponto mais oriental da América do Sul, no Rio Grande do Norte.

Contudo, já nos primeiros quilômetros, Freya percebeu que teria que tomar a difícil decisão de reverter esse trecho, pois seria impossível vencer ventos contrários tão fortes, soprando diariamente ao longo de 1.280 km.

Contemplando as belezas da costa do Sul da Bahia. Foto: Arquivo pessoal

Dessa forma, ela viajou de avião ao Recife (PE), para remar até o Maranhão e concluir esse trajeto em sentido inverso.

Finalizada essa etapa, a remadora retornou ao Recife para, novamente na direção “certa”, seguir com sua jornada.

A partir de Pernambuco, a longa costa brasileira ofereceu uma variação desafiadora de belos recifes, perigosas e largas fozes de rios, costões rochosos e alguns novos perrengues.

Chegando à Cidade Maravilhosa. Foto: Arquivo pessoal

Quando remava pela costa de Subaúma, uma das praias mais famosas da costa dos Coqueiros (BA), Freya acertou em cheio uma bancada de pedras, cujas saliências davam a impressão de se tratarem de estacas de balizamento de embarcações.

Quando percebeu que estava no meio das rochas, foi atingida por uma onda e acabou jogada contras pedras, avariando bastante a proa de seu caiaque.

A remadora então vou obrigada a aportar em Subaúma, onde entrou em contato com Christian Fucs, da Aroeira Outdoor e instrutor da ACA, para pedir ajuda.

Christian então disparou um e-mail para alguns de seus alunos à procura de quem pudesse ajudar com os reparos.

Foi então que um remador argentino, chamado Emiliano, se prontificou a trazer o caiaque para Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, para reparos.

Paulo Meirelles e Daniel, que estavam em Subaúma, deixaram o caiaque na casa de Emiliano que então o levou à Lauro de Freitas, onde funciona a fábrica da Karamuru Canoes, de propriedade de Hamã Oliveira, que se prontificou a custear a avaria (que não foi pequena!).

Com a proa do caiaque arrumada após o perrengue em Subaúma. Foto: Arquivo pessoal

Resolvido esse problema, que mostrou um poder de mobilização louvável do pessoal da Bahia, Fryeda pode retomar sua jornada.

E, apesar dos percalços, a viagem pela costa brasileira foi marcada por dias calmos e relaxantes, com remadas ao longo de hidrovias interiores abrigadas e seguras, ainda que sob um forte sol de verão ao sul do Brasil.

Ela finalmente concluiu sua circunavegação alcançando novamente Buenos Aires em 1 ° de maio de 2015.

As marcas impressionantes de Freya Hoffmeister

Chegando ao Uruguai: último pais sul-americano a ser alcançado

Em seu feito extraordinário, Freya Hoffmeister remou ao longo da costa de 13 países, viajado a 55º latitude ao sul, 15º latitude ao norte e cruzando o equador duas vezes.

Ela remou quase 27.000 km e uma média de 45 km por dia, com mais de 9 horas diárias de mar, em cada um dos 606 dias de remo, sendo 850 dias de viagem em um período de 44 meses.

Freya remou em um caiaque marítimo de expedição solo com carga pesada, sem motor ou vela,e passou a maioria das noites em sua barraca, acampando livremente na costa.

Final da jornada épica em Buenos Aires. Foto: Arquivo pessoal

Sem nenhum barco de apoio, ela contava apenas com a ajuda de remadores locais e ribeiros por onde passava, em busca de orientações sobre os melhores trajetos.

Ao longo de toda travessia, levou consigo toda sua água, comida e equipamento de acampamento, fazendo paradas ocasionais em cidades para reabastecimento.

Freya Hoffmeister tornou-se a primeira pessoa a dar a volta completa em todo continente sul-americano remando de caiaque.

Ela remou mais quilômetros de expedição do que qualquer caiaque oceânico jamais fez.

Pelo feito, a alemã foi a primeira mulher a ganhar o World Paddle Award, o “Oscar” da canoagem, apresentado em 9 de maio de 2015 em Augsburg / Alemanha.

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